Nova lei de licitações - Artigo 89 e a sua abolitio criminis
A nova norma legislativa criou novos tipos de crimes para licitações e contratos administrativo, e consoante ao art. 194, à referida lei entrou em vigor na data de sua publicação.
quinta-feira, 20 de maio de 2021
Atualizado às 11:48
Em 01 de abril de 2021, foi promulgada a nova lei de Licitações e Contratos Administrativos sob o 14.133, a nova legem em seu artigo 193, caput dispôs "Revogam-se", e trouxe em seu inciso "I - os arts. 89 ao 108 da lei 8.666, de 21 de junho de 1993, na data de publicação desta lei".
A nova norma legislativa criou novos tipos de crimes para licitações e contratos administrativo, e consoante ao art. 194, à referida lei entrou em vigor na data de sua publicação.
Com a nova lei, foram criados onze novos tipos penais, sendo o correspondente à contratação direta ilegal o Artigo 337-E do Código Penal, em substituição ao art. 89 da lei 8.666.
Entretanto, o novo dispositivo reproduziu somente parte do antigo dispositivo, caracterizando com isso o abolitio criminis da conduta de "deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade".
A nova lei trouxe que:
Art. 337-E - Admitir, possibilitar ou dar causa à contratação direta fora das hipóteses previstas em lei:
Já a vetusta norma legislativa dispunha que:
Art. 89. Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade:
Conforme se observa, as condutas descritas no art. 89 da lei 8.666/1993, nominadas de: "dispensar ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade", não mais existem no novo tipo penal insculpido pelo art. 337-E, e a nova legem, ao deixar de fora uma das condutas criminalizadas pelo revogado art. 89, restou inexistente o delito através do instituto da abolitio, tornando-se hoje uma conduta totalmente descriminalizada.
Ao suprimir do texto legal os elementos "deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade" ocorreu a descriminalização da conduta, não sendo mais punível pela intervenção do direito penal. Na visão funcionalista de Miguel Polaino-Orts¹, uma norma em um aspecto material se faz de direitos convencionalmente associados a um rol, portanto cada pessoa possui um rol de responsabilidades, assim como cada norma possui um rol de responsabilidades, limitados ao seu aspecto formal, sendo que a intervenção do estado só ocorre em caso de descumprimento deste rol e ainda a norma apresenta as perspectivas sociais e orienta as condutas dos cidadãos.
Inexistindo o regramento da conduta com a descriminalização, inexiste rol e inexiste punição estatal, existindo com isso a abolitio criminis, Cezar Roberto Bittencourt² explana que "Toda lei nova que descriminalizar o fato praticado pelo agente extingue o próprio crime e, consequentemente, se iniciado o processo, este não prossegue; se condenado o réu, rescinde a sentença, não subsistindo nenhum efeito penal, nem mesmo a reincidência", sendo esse o preceito insculpido na Constituição Federal no Art. 5º "XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu".
Na análise constitucional o insigne José Afonso da Silva³ leciona que "EXCEÇÃO DA LEI MAIS BENÉFICA. De fato, diz o inciso que "a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu". Tem-se, no caso, a exceção da lei mais benéfica - ou seja, entre a lei nova e a lei anterior verificar-se-á qual é a mais benéfica ao réu. Isso constatado, aplica-se a que o beneficia" sendo este o mesmo entendimento de Muñoz Conde4 que conceitua "Por tanto, las normas penales que, por ejemplo, establezcan circunstancias eximentes, atenuantes o que disminuyan la gravedad de las penas y, obviamente, todas aquéllas que despenalicen conductas, pueden ser aplicadas retroactivamente a hechos acaecidos con anterioridad a su entrada en vigor".
Referente à aplicação do instituto do abolitio criminis, o Código Penal traz em seu "Art. 2º - (...)-Parágrafo único - A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado".
No mesmo diapasão a doutrina através de Luiz Régis Prado5 dispõe que: "Ocorre a abolitio criminis quando lei posterior não mais tipifica como delito fato anteriormente previsto como ilícito penal. Ou seja, com o advento da lei nova, a confuta perde sua característica de ilicitude penal, extinguindo-se a punibilidade (art. 107, III, CP). A lei posterior mais benigna (lex mitior) retroage para alcançar inclusive fatos definitivamente julgados (art. 2º, CP). Assim, são afastados por completo os efeitos penais da condenação, persistindo unicamente os efeitos civis" a qual podemos fazer uma análise comparada, a doutrina espanhola através das professoras da Universidade de Sevilha M.ª del Carmen Gómez Rivero, M.ª Isabel Martinez González y Elena Núñez Castaño6 lecionam que: "Consiste en la aplicación de manera retroactiva de leyes posteriores a la realización de los hechos, siempre y cuando éstas sean más favorables o beneficiosas para el reo".
Se não bastasse à Convenção Americana sobre Direitos Humanos prevê a adoção da lei mais benéfica ao acusado e sua retroação para benefício, "Artigo 9. Princípio da legalidade e da retroatividade" - "Ninguém pode ser condenado por ações ou omissões que, no momento em que forem cometidas, não sejam delituosas, de acordo com o direito aplicável. Tampouco se pode impor pena mais grave que a aplicável no momento da perpetração do delito. Se depois da perpetração do delito a lei dispuser a imposição de pena mais leve, o delinquente será por isso beneficiado".
Portanto, tratando-se de lei mais benéfica operante com a revogação do delito, operar-se-á o instituo da abolitio criminis, retroagindo a lei, estando hoje descriminalizadas as condutas previstas no então delito previsto no Art. 89 da lei 8.666.
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1. Fundamentos dogmáticos de funcionalismo penal constitucional/ Miguel Polaino-Orts. - 1ª ed. - Managua: PAVSA, 2017, pág. 134 e ss.
2. Tratado de direito penal: parte geral 1, 14ª edição, São Paulo, Saraiva Educação, ano 2018, pág. 955.
3. COMENTÁRIO CONTEXTUAL À CONSTITUIÇÃO, editora malheiros, 5ª edição, ano 2008, pág. 138.
4. MUÑOZ CONDE, Francisco, García Arán, Mercedes, Derecho Penal parte general, 10ª edición, tirant lo Blanch, Valencia, año 2019, pág. 132.
5. Prado, Luiz Regis, Curso de direito penal brasileiro, 14ª edição, são Paulo, editora RT, ano 2015, pág. 591
6. NOCIONES FUNDAMENTALES DE DERECHO PENAL parte general, 4ª edición, M.ª del Carmen Gómez Rivero, M.ª Isabel Martinez González y Elena Núñez Castaño, 2019, editorial tecnos, Madrid, versión digital de la 4ª edición, 2019, pág. 96
Antonio Belarmino Junior
Pós Graduado em Ciências Criminais - FDRP/USP, Mestrando em Direito Penal e Ciências Criminais- Sevillha -Espanha, Presidente da ABRACRIM SP, Professor convidado de Pós Graduação Faculdades FGP e ESD.