A ineficácia da hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro perante terceiros de boa-fé
O STJ através da Súmula 308 define componente jurídico relevante na relação entre construtoras e seus agentes financeiros no desígnio de proteger os adquirentes.
segunda-feira, 24 de maio de 2021
Atualizado às 12:28
É sabido que um empreendimento imobiliário desencadeia para as construtoras altos custos de viabilização. A fim de sanar este ponto, em regra as empresas do setor buscam auxílio de agentes financeiros, em grande parte instituições bancárias, para garantir o recurso financeiro necessário. Em troca, a hipoteca de unidades habitacionais do empreendimento é o meio mais usual para garantir o cumprimento da obrigação.
Neste diapasão é importante reforçar o conceito de hipoteca, que, preconizado pelo literato jurídico Flávio Tartuce é "o direito real de garantia sobre coisa alheia com maior repercussão prática, recaindo sobre bens imóveis (em regra) e não havendo a transmissão da posse da coisa entre as partes." (TARTUCE, 2021).
Ou seja, a construtora não possuidora de meios próprios para realizar o empreendimento imobiliário, recorre a um financiador, pessoa jurídica ou física, que, por sua vez, tem como garantia unidades habitacionais por intermédio de hipoteca.
Neste contexto, em caso de não cumprimento da obrigação gerada pela construtora, o financiador poderá executar este meio de garantia.
O problema nesta transação está na ausência da baixa da hipoteca ao fim da obra, muitas vezes levando o consumidor a habitar um imóvel com tal problemática gravada junto ao Cartório de Registro de Imóveis.
Neste sentido, a fim de proteger o consumidor de possível execução da hipoteca, por parte do agente financiador, o Superior Tribunal de Justiça proferiu a Súmula 308 que expõe o seguinte texto:
"A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel" (grifo nosso).
Isto é, no caso da falta de repasse dos lucros pela construtora, mesmo que o agente financiador realize a execução da hipoteca, esta não terá efeitos perante o adquirente do imóvel, ou seja, o consumidor.
Importante ressaltar a ineficácia da aplicação de tal súmula em caso de posse ou aquisição pautada em má-fé. A título de exemplo seria o caso do construtor transmitir a unidade a terceiro que, conhecendo da dívida e da hipoteca e mediante algum tipo de vantagem efetivou a operação .
Analisemos também o REsp 1.592.489, onde houve o entendimento de que a "(...) mera existência de compensação como forma de pagamento de parcela significativa do preço de um imóvel não é suficiente para afastar a incidência da Súmula 308 do Superior Tribunal de Justiça (STJ)" (STJ, 2019).
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA E MANDAMENTAL. PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. 1. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. 2. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM E INTERESSE JURÍDICO DE EMPRESA PÚBLICA. TEORIA DA ASSERÇÃO CARACTERIZADA. 3. INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO N. 308/STJ. MITIGAÇÃO DA FORÇA DA HIPOTECA EM FINANCIAMENTO DE INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA. APLICAÇÃO. CONTRATO PARA TRANSFERÊNCIA DE PROPRIEDADE CELEBRADO DE BOA-FÉ. VALIDADE NÃO CONTESTADA. 4. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. (...) 4. A mitigação da hipoteca firmada em razão de financiamento da obra não pode ser oposta ao adquirente de boa-fé, independentemente da modalidade contratual utilizada para a transferência da propriedade e da modalidade de pagamento do preço do bem ajustado.
5. Não havendo debate nos autos acerca da existência e validade do negócio jurídico entabulado entre as partes, cuja boa-fé também não é refutada, a mera existência de compensação como forma de pagamento de parcela significativa do preço não é suficiente para afastar a incidência da Súmula n. 308/STJ. (STJ, 2019) (grifo nosso).
Portanto, o agente financiador de empreendimento imobiliário, seja pessoa física ou jurídica, deve atentar-se a súmula 308 do STJ a fim de buscar outros meios para a eventual quitação forçada da obrigação da construtora, caso seja necessário, ou assumirá o risco de inviabilização da execução da hipoteca, caso o consumidor tenha adquirido o bem em boa-fé.
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STJ - REsp 1.592.489 - RS, Relator: MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 18/6/19.
Superior Tribunal de Justiça (STJ). Método de pagamento diverso não descaracteriza contrato para fins de aplicação da Súmula 308. 2019. Disponível clicando aqui. Acesso em 13 de maio de 2021.