Acordo entre sócios (acionistas/quotistas) para startups, pequenas, médias e grandes empresas
A importância de se realizar um bom contrato e em especial da relação entre os sócios como a distribuição de lucros, aumento de capital, estratégias de saídas, obrigações de venda conjunta, e muito mais.
quarta-feira, 19 de maio de 2021
Atualizado às 13:03
A princípio pode parecer que um acordo entre sócios (Shareholder Agreement) é um documento realizado somente para grandes empresas e grandes negócios, porém o que se pretende desmistificar nesse breve artigo, pois a sua importância é vital para qualquer tamanho de empresa.
Em primeiro lugar é importante trazer uma definição para esse tipo de contrato, pois apesar de não haver uma uniformidade quanto ao seu conceito, pode ser definido no entanto como contrato parassocial, com o objetivo de compor os interesses individuais de cada sócio, estabelecendo regras para a condução dos negócios da sociedade.
Como exemplo desses interesses podemos citar o regulamento do exercício do voto, a compra e venda das ações/cotas, direito de preferências para adquiri-las ou ainda, qualquer matéria que se pode contratar etc.
Em segundo lugar cabe fazer uma distinção entre acordo de acionistas em se tratando de sociedades por ações (Sociedade Anônima) que são reguladas por um Estatuto Social e, acordo de quotistas para sociedades por quotas (Sociedade Limitada) que são reguladas por um Contrato Social, razão pela qual utilizaremos o termo "acordo entre sócios" de forma mais genérica para falar de ambas as situações.
Pode-se dizer que o acordo entre sócios pode ser: a) Acordo de Comando, quando não existe um controlador majoritário e os sócios determinam regras de administração e organização do controle societário; b) Acordo de Defesa, onde os sócios minoritários podem estabelecer regras e direitos protetivos dos seus interesses, e por fim, c) Acordos Mistos, em que controladores e minoritários estabelecem regras para evitar conflitos e litígios.
O acordo entre sócios está previsto no artigo 118 da Lei das Sociedades por Ações (6.404/76)1, e para serem oponíveis perante terceiros deverão ser averbados no livro de registro, o que não significa que o documento assinado entre os sócios sem registro não deva ser cumprido, pois ainda assim, um sócio poderá acionar o outro em caso de descumprimento.
O acordo entre sócios regulamenta os direitos, as obrigações e a forma como os sócios irão exercer esses direitos e obrigações, lembrando que os sócios podem ser tanto pessoas físicas como jurídicas, mas nunca terceiros estranhos ao capital social ou ainda não podem ter como parte a própria sociedade, no entanto, é comum que a própria sociedade atue como anuente deste acordo.
Tendo em vista que os interesses entre sócios é muitas vezes antagônico e de difícil administração, o contrato tem a missão de regular de forma detalhada todas as relações internas da sociedade que não estejam previstas no contrato social.
É comum haver divergências entre os sócios quanto a distribuição de lucros, contratação de funcionários, planos de expansão e estratégias a serem adotados, acarretando diversos problemas, crises e até a quebra do "affectio societatis", por isso a melhor forma de manter a harmonia entre os Sócios é estabelecer as regras entre eles.
Na pressa de se iniciar um negócio os sócios costumam estar muito envolvidos com questões operacionais e acabam se esquecendo de definir as regras para o bom funcionamento do negócio, e o que é pior, na maioria das vezes acabam buscando modelos já prontos, muito básicos sem a necessária adequação para aquele negócio que está se criando.
Muito embora haja grande liberdade dada pelo ordenamento para elaboração de um acordo entre sócios existe na legislação de forma esparsa algumas restrições a este direito, pois este contrato não pode contrariar a natureza das quotas ou das ações, nem os direitos básicos dos sócios e ainda não pode ir de encontro aos interesses da empresa ou do contrato social/estatuto social, por exemplo.
Assim os sócios não podem estabelecer regras que violem os direitos a voto; não podem também ceder seus direitos sem a transferência das quotas ou das ações; não podem negociar o direito ao voto em troca de vantagens (tipificado inclusive como crime no Código Penal); e por fim, não podem instituir regras que violem o ordenamento como a legislação antitruste.
Aliás, a legislação trás muita ênfase quanto a vedação do "comércio do voto" ou ainda da declaração da verdade, em que como exemplo, fique estabelecido neste Acordo, que os sócios sempre sejam obrigados a votar na aprovação das contas.
No entanto, como veremos a seguir são inúmeras questões que um acordo entre sócios pode abordar e que em geral não estão previstos no contrato ou estatuto social e que sequer foram elencadas no art. 118 da Lei n° 6.404/76:
a) Administração da Sociedade:
Muito embora em praticamente todo contrato ou estatuto social haja cláusulas expressas sobre administração da sociedade, o fato é que as regras não ficam claras de quem e por quanto tempo o administrador ocupará essa posição, ou ainda, se haverá uma regra de votação por parte de um Conselho, ou por fim, se ocorrerá alternância.
Assim, pode ser estabelecido que além do tempo do administrador, as qualificações necessárias para a ocupação deste posto, bem como se será administrado por uma diretoria ou por um Conselho de Administração, como exigido no caso das sociedades anônimas.
b) Regras para distribuição dos lucros:
É bem comum nos acordos entre sócios que se estabeleça a forma de distribuição de lucros, que em regra é feito de forma proporcional a sua participação societária, mas nada impede que seja estabelecido inclusive a distribuição desigual entre estes.
c) Direito de preferência:
Outra regra muito comum entre os sócios é a que trata do direito de preferência no caso de venda das quotas ou ações da empresa.
Na sociedade por quotas limitadas a transferência da participação de um sócio para outro pode ser feita livremente, sem necessidade de aprovação dos demais, sendo que estes poderão se opor na ocorrência de mais de um quarto do capital.
No caso dessa transferência se der a terceiros, a lei exige a concordância de ao menos um quarto do capital social.
Já na sociedade por ações essas transferências podem ocorrer livremente, por isso o acordo entre sócios pode estabelecer regras mais rígidas e específicas, de sorte que os sócios possam adquirir estas participações antes do ingresso de terceiros estranhos à sociedade.
d) Aumento de Capital:
O nosso ordenamento prevê o direito de preferência em caso de subscrição de novas ações, na medida e na proporção das ações que cada sócio possui, mas pode ocorrer que o sócio não possua condições financeiras para subscrever essa nova participação.
Assim, o acordo entre sócios poderá estabelecer as hipóteses em que este aumento de capital se dará, bem como ainda estabelecer critérios de precificação dessas quotas ou ações, blindando sua participação e evitando a sua diluição.
e) Direito e obrigação de venda conjunta:
Algumas cláusulas estão muito em voga nas Startups, e são colocadas para dar mais segurança aos sócios e investidores de forma geral.
e1) Tag Along: Em caso de um sócio ou do controlador pretenda vender suas participações a um interessado, os demais sócios da sociedade passarão a ter o direito de também vender suas participações nas mesmas condições estipuladas. Essa cláusula permite inclusive que um sócio permaneça na sociedade a contragosto em razão da entrada de terceiros, exigindo assim a sua saída conjunta.
e2) Drag Along: Enquanto na Tag Along um minoritário exige sua venda conjunta, na Drag Along, o majoritário pode exigir que os minoritários vendam suas participações, podendo ser estabelecido que a venda se dará em igualdade de condições ou não. De qualquer forma, é comum que seja estabelecido um preço mínimo de venda para que os minoritários não sejam prejudicados.
e3) Call option (Opção de compra): estabelece que um dos sócios poderá adquirir a participação de outro sócios por um valor pré-definido ou determinável.
e4) Put option (Opção de venda): estabelece que um dos sócios deverá vender a sua participação por um valor pré-definido ou determinável.
e5) Lock-up (Prazo de proibição de venda): impede a retirada de sócios por um determinado período, ou ao menos, até que se alcance uma determinada meta.
e6) Standstill Period: determina que o controlador não reduzir por determinado período de tempo a sua participação acionária abaixo de um certo limite.
e7) Shot Gun ou By or Sell: é o direito de um sócio notificar outro para que em determinado período de tempo ocorra a venda compulsória de sua participação ou compra da totalidade da participação do sócio notificante.
e8) Full Ratchet Clause: Exige que o sócio controlador indenize o sócio minoritário em caso de diluição da participação societária.
f) Valuation (Avaliação da Sociedade): Essa Cláusula é muito utilizada para os casos em que a retirada de um sócio não se dá de forma amigável, ou ainda no caso de saída forçada, estabelecendo assim regras para avaliação econômica da sociedade.
As formas mais comuns de se auferir a avaliação econômica da empresa são baseadas no patrimônio social, para empresas já constituídas, no histórico, ou na projeção de faturamento, o que em geral não se aplica para as Startups que necessitam de métodos próprios de avaliação.
Outras Cláusulas que ainda podemos citar são: g) Quóruns de Deliberações (forma e quórum para votação); h) Não competição - Non Compete (impede que sócios estabeleçam ou atuem em negócios concorrentes); i) Non Solicitantion (impede que sócios contratem funcionários da empresa para outros negócios); j) Solução de divergência (deadlock, shotgun), mediação e arbitragem; k) Exclusão de sócios de forma extrajudicial e etc.
Por fim, algumas cláusulas são fundamentais não só para as empresas já constituídas ou Startups, mas também para holdings familiares por exemplo:
l) Sucessão por causa mortis e ingresso de herdeiros: essa cláusula organiza as regras de sucessão e ingresso dos herdeiros na empresa, bem como pode definir cargos a serem ocupados por este e a forma de remuneração, etc.
Com efeito, a realização de um contrato entre os sócios deve levar em consideração diversas situações e requisitos que um modelo pronto não pode prever, razão pela qual deve sempre se buscar profissionais especializados e competentes para conduzir as complexas variantes do assunto.
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1 Art. 118. Os acordos de acionistas, sobre a compra e venda de suas ações, preferência para adquiri-las, exercício do direito a voto, ou do poder de controle deverão ser observados pela companhia quando arquivados na sua sede. (Redação dada pela Lei nº 10.303, de 2001) § 1º As obrigações ou ônus decorrentes desses acordos somente serão oponíveis a terceiros, depois de averbados nos livros de registro e nos certificados das ações, se emitidos. § 2º Esses acordos não poderão ser invocados para eximir o acionista de responsabilidade no exercício do direito de voto (artigo 115) ou do poder de controle (artigos 116 e 117). § 3º Nas condições previstas no acordo, os acionistas podem promover a execução específica das obrigações assumidas.
Flávio Henrique Azevedo Inacarato
Advogado. Sócio do escritório Inacarato e Advogados Associados. Sócio fundador da AvaUnity. Membro do Comitê Consultivo da LV Strategy & Capital Group. Membro do Conselho Consultivo da DDTOTAL GFI. Graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela PUC - Campinas. Pós-graduação em Interesses Difusos pela Escola Superior do Ministério Público de São Paulo. Especialização em Direito Civil e Processo Civil pela Escola Superior do Ministério Público de Minas Gerais. Curso de Atualização em Biodireito e Bioética pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Curso de Direito da Tecnologia da Informação pela FGV. Especialização em Direito das Novas Tecnologias pelo Centro de Extensão Universitária - CEU. L.LM. em Direito Tributário pelo IBMEC São Paulo (atual Insper).