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Manobras persecutórias abusivas: Colaboração premiada cruzada

É necessária cautela em relação à colaboração premiada cruzada, quando carente de elementos externos e idôneos de corroboração, sob pena de graves e irreparáveis erros judiciários.

quinta-feira, 20 de maio de 2021

Atualizado às 10:06

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Na última semana, críticas, acertadas, foram direcionadas à representação policial contra o Ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal.

Conforme exposto em diversos sites especializados, um Delegado de Polícia Federal pretendeu submetê-lo a um constrangedor inquérito policial, com base, unicamente, na versão de um condenado a elevadas penas, cuja palavra já havia sido objeto de rejeição pelo Ministério Público Federal.

O Ministro Edson Fachin, na esteira da promoção ministerial, indeferiu a mencionada representação, o que, a rigor, a nosso ver, confirma a seguinte diretriz (legal e jurisprudencial): a palavra de um colaborador, sem elementos de corroboração idôneos, externos (isto é, que não foram produzidos unilateralmente), não possui valia, até mesmo pela falta de confiabilidade inicialmente inspirada.

Pois bem.

Superada essa etapa, indaga-se: se outro delator confirmasse, sem igualmente apresentar elementos concretos de corroboração, a fantasiosa narrativa do referido condenado, seria viável a abertura formal de um inquérito policial?¹

Pensamos que não, pois a colaboração premiada cruzada (recíproca), nessa hipótese, merece ser igualmente repudiada, vez que carente de dados minimamente sólidos, confiáveis, de corroboração.

A indagação, de fato, merece uma detida reflexão, tendo em vista que o tema, utilização da colaboração premiada cruzada na fase pré-processual, como forma de lastrear medidas cautelares mais invasivas (prisão provisória, por exemplo), é ainda pouco debatido.²

Na fase processual, apesar de manifestações doutrinárias e jurisprudenciais em sentido contrário, inclusive na Suprema Corte, não é incomum que a colaboração premiada cruzada seja utilizada para fins condenatórios, sob o argumento de que vigora na seara processual penal o sistema de livre convencimento motivado (art. 155 do CPP).³

Ora, em qualquer hipótese, é preciso manter a cautela quando estamos diante de relatos (em princípio) colaborativos, convergentes, a fim de evitar a banalização da delação premiada.

Recorreremos, como forma de materializar nosso raciocínio, a duas situações absolutamente realizáveis nos tempos atuais.

Na primeira, dois investigados em uma operação policial, presos preventivamente no mesmo estabelecimento prisional (algo, na prática, comum), resolvem, diante das agruras do cárcere, acordar uma narrativa incriminatória contra determinada pessoa, ainda que sem elementos idôneos de corroboração, como forma de viabilizar o pleito de benefícios penais.

Na segunda, o conteúdo de uma delação premiada restou "vazado" (algo, na prática, lamentavelmente, também comum), o que possibilitou o conhecimento de fatos que precisarão ser devidamente comprovados durante a instrução criminal. Assim, um pretenso colaborador, temeroso por ser futuramente implicado, se adianta e confirma, perante a autoridade persecutória, o teor do material indevidamente divulgado.

Diante dessas, e inúmeras outras hipóteses, em que não há, repise-se, prova idônea de corroboração, mas, tão somente, relatos de delatores, não é possível instaurar formalmente um inquérito policial, até mesmo porque seria conveniente ao candidato a colaborador, premido pela necessidade de diminuir sua responsabilidade penal, relatar, sem compromisso probatório e/ou censura penal (art. 19 da lei 12.850/13), exatamente o que o órgão acusatório necessita ouvir, independentemente da veracidade de suas declarações.

A par dos primados de um Estado Democrático de Direito, a finalidade repressiva precisa, necessariamente, estar em sintonia com as regras e com os princípios legais/constitucionais. Caso contrário, a manipulação abusiva da máquina estatal se torna uma possibilidade contra todos os cidadãos, incluindo, a depender dos contextos político, econômico e social, os que defendem a possibilidade de flexibilização de direitos fundamentais.

Retornando ao caso que nos motivou a escrever essas breves linhas: se um Ministro da Suprema Corte Brasileira foi alvo de uma representação absolutamente ilegal e descabida, o que podemos esperar de outras situações similares?

É preciso, assim, verticalizar e ampliar o debate, como forma de evitar manobras abusivas durante a atividade investigativa estatal, passíveis, naturalmente, de sancionamento pela lei 13.869/19 (Abuso de Autoridade).

____________

1. Cabe advertir que a pergunta é meramente ilustrativa, porquanto, no aludido caso, para agravar o cenário de ilegalidade persecutória, segundo noticiado pela mídia, não houve sequer confirmação pela pessoa expressamente citada no relato "colaborativo".

2. Sobre o tema, ver: MADURO, André Mirza; VASCONCELLOS, Vinicius Gomes de. Colaboração premiada cruzada (recíproca) e sua valoração probatória no processo. In: Marco Aurélio Florêncio Filho; Fábio Ramazzini Bechara. (Org.). Os desafios das ciências criminais na atualidade. 1ed. Belo Horizonte: D'Plácido, 2021. p. 83-101.

3. Na nossa opinião, a mencionada expressão, descartada pelo Código de Processo Civil de 2015, demanda, no processo penal, interpretação que contenha eventuais abusos decisórios.

Flávio Mirza

Flávio Mirza

Pós-Doutor em Democracia e Direitos Humanos pela Universidade de Coimbra. Doutor e Mestre em Direito pela UGF. Professor da UERJ e da UCP. Sócio de Mirza & Malan Advogados.

Diogo Malan

Diogo Malan

Pós-doutor em Democracia e Direitos Humanos pela Universidade de Coimbra. Doutor em Direito Processual Penal pela USP. Mestre em Direito pela UCAM. Professor da UERJ e da UFRJ. Sócio de Mirza & Malan Advogados.

Amanda Estefan

Amanda Estefan

Mestranda em Direito Processual pela UERJ. Sócia de Mirza & Malan Advogados.

André Mirza

André Mirza

Mestre em Direito Constitucional pelo IDP. Sócio de Mirza & Malan Advogados.

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