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Advogado não é parte

O que efetivamente tem cores de tragédia é outro desentendimento que vem se tornando comum, que é a desavença entre advogados e que se tem mostrado constante.

quarta-feira, 19 de maio de 2021

Atualizado às 08:21

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Não é de hoje que o Brasil se transformou num país violento, dividido, desmentindo, assim, a fama de cordialidade que muitos apregoavam como característica natural do brasileiro. A pandemia, sem dúvida, agravou este quadro, pois pessoas reclusas em casa, convivendo diuturnamente com os mesmos personagens e com naturais dificuldades econômicas, tendem a buscar alguém sobre quem descarregar suas frustrações. Isso se faz presente em todos os segmentos e, logicamente, não poderia ser diferente no exercício da Advocacia, notadamente no contencioso, onde existem partes adversas, buscando a satisfação de um interesse que, em contrapartida, será subtraído da outra parte.

Observando a questão do ponto de vista do advogado, nunca foram incomuns rusgas, para se dizer o menos, com juízes, promotores, delegados, criando situações que afetavam até prerrogativas profissionais. Ocorrências desse gênero ensejaram representações a órgãos de fiscalização das profissões, corregedorias e, até mesmo, ações judiciais, postulando-se indenizações ou mesmo punição criminal contra um e outro. Essas refregas surgem de vez que o tido como outro lado não se sente confortável com a resistência que se apresenta. Isso se mostra dos juízes, promotores, delegados, que interpretam como exagerada, protelatória, injuriosa a defesa, o recurso, contra decisões e manifestações que, no sentir de seu prolator, é fruto de seu raciocínio e da sua visão honesta do processo e das coisas que em torno dele se desenvolvem. Também o advogado se sente atingido por uma decisão ou um parecer ou peticionamento que coloca em dúvida a prova que produziu ou a interpretação que se está conferindo ao Direito. Isso tudo não é nenhuma tragédia. Até mesmo se justifica pela posição diferente de cada qual dos personagens do processo e da eficácia de cada ato que eles praticam.

O que efetivamente tem cores de tragédia é outro desentendimento que vem se tornando comum, que é a desavença entre advogados e que se tem mostrado constante apesar do quanto se prevê nas leis e nas normas éticas que atingem a todos os da mesma profissão. Nos processos, com advogados representando as partes de ambos os lados, não tem sido incomum que se esqueçam os fatos, as partes e se passe a alvejar o profissional que, do outro lado, exercendo a mesma função do colega ex adverso, defende os interesses de seu cliente.

No processo, segundo as regras da Constituição Federal e do Código de Processo Civil e Penal, o advogado é simples representante da parte, não sendo parte, na medida em que não pede, nem nada é pedido em face dele. Como representante, fala em nome da parte que é atingida pelas consequências de suas manifestações.

Assim sendo, embora existam deveres que também devem ser atendidos pelos advogados, eles não podem ser penalizados no processo e pelo juiz. Seu foro não é esse. Nesse sentido, o § 6º, do art. 77, do Código de Processo Civil, regra onde estão arrolados os deveres das partes e de seus procuradores, exclui a aplicação ao advogado, público e privado, das disposições dos §§ 2º a 5º do mesmo artigo, nos quais estão referidas as sanções aplicáveis pelo descumprimento de dever processual e como se opera a punição. Por força do § 6º, estando o advogado incidindo em alguma das hipóteses declinadas, o fato deve ser comunicado à Ordem dos Advogados, para que apure eventual responsabilidade profissional.

A disciplina processual para faltas decorrentes da atuação do advogado aliada à própria previsão de sua função no processo evidencia a total impropriedade de se direcionar alegações e argumentos (rectius: ataques) contra o advogado, procurando associar a ele o que pode haver de errado em relação à parte contrária ou mesmo o confundindo com o cliente. Postulação nesse sentido é totalmente irrelevante para o processo e sobre ela sequer deveria o magistrado se debruçar.  Na melhor das hipóteses, justificará um ofício do juiz à Ordem. Se é irrelevante a alegação, pode mesmo justificar uma sanção à parte que, por seu advogado, está fazendo alegações deste tipo, dado que está criando no processo incidente manifestamente infundado, na medida em que não tem o juiz poder de decidir sobre a matéria.

A par da regulamentação processual, há uma preocupação tanto no Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94), como no Código de Ética e Disciplina, com a honorabilidade e a dignidade profissional, em razão do que se impõem cuidadosas regras voltadas a balizar o relacionamento entre profissionais, lançando-se, no art. 2º do Código, como deveres do advogado a honestidade, o decoro, a veracidade, a lealdade, a dignidade e a boa-fé. Nesse sentido, acrescenta o art. 44 o dever de o advogado tratar as autoridades, os funcionários e, logicamente, também os colegas, com respeito e discrição, exigindo do profissional lhaneza e emprego de linguagem escorreita e polida, esmero e disciplina (art. 45).

Ao advogado se asseguram direitos e prerrogativas como é ressaltado com a previsão do desagravo (§ 5º, art. 7º), mas igualmente, como fala em nome do cliente, impõe-se a ele, para poder imputar crime a outrem, a prévia autorização do representado, sem o que ele comete falta disciplinar grave, mesmo porque expõe o seu constituinte a risco de caluniar a outrem, cometendo crime.

Urge, pois, terem-se presentes essas regras, sem o respeito às quais se revela má técnica na Advocacia, mas também infração disciplinar, sem cuja punição podem transformar-se os processos judiciais em luta fraticida, na qual quem mais perderá será a Advocacia, marcada por um profundo sentido ético, que desaparece quando se pautam as condutas pelo total e equivocado desrespeito.

Clito Fornaciari Júnior

Clito Fornaciari Júnior

Graduado em Direito pela Faculdade de Direito da PUC. Mestre em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Advogado e sócio do escritório Clito Fornaciari Júnior - Advocacia.

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