Nova lei de inovação do Paraná: Terceiro setor, startups e políticas públicas de desenvolvimento
A lei de inovação garante prioridade à participação do terceiro setor e startups no sistema paranaense de inovação e reconhece a incerteza e o risco como inerentes ao processo inovativo.
terça-feira, 18 de maio de 2021
Atualizado às 07:58
Desde a edição de normativos referentes ao Novo Marco de Ciência, Tecnologia e Inovação (como a Emenda Constitucional 85/15, a lei 13.243/16 e o Decreto 9.283/18), que modificaram substancialmente a lei de Inovação (lei 10.973/04), as legislações dos entes subnacionais têm sido editadas a fim de se atualizarem em relação à nova lógica do sistema de inovação no Brasil.
Em abril de 2021, foi a vez do Paraná que sancionou no dia 20 sua nova lei de inovação (lei 20.541/21). A norma traz previsões interessantes e até mesmo novidades em relação ao novo Marco de CT&I. Marcado pelo desenvolvimento da inovação, representado, dentre outras iniciativas, pela criação do "Vale do Pinhão" na capital Curitiba, o estado deu mais um passo para o avanço da temática na região.
A participação de diferentes atores é tema a ser destacado. Em sentido parecido com a legislação federal, reforçou-se a articulação de diversos setores no processo e sistema de inovação, mas diferentemente desta deu destaque à atuação das organizações da sociedade civil (ou, como são chamadas na lei, "terceiro setor") e startups, o que pode ser demonstrado, dentre outros dispositivos pela inclusão desses novos atores no Sistema Paranaense de Inovação.
Além da consideração expressa como integrantes do Sistema de Inovação Paranaense, a lei garante tratamento prioritário ao terceiro setor, startups e micro e pequenas empresas, sendo estas últimas já beneficiadas pela legislação federal.
No capítulo referente ao estímulo de ambientes especializados e colaborativos de inovação, o apoio ao criador e inventor independente e às startups e empresas com base no conhecimento, é previsto com o objetivo de incentivar o desenvolvimento tecnológico, o fomento de novos negócios e o aumento da competitividade.
Os incisos do parágrafo primeiro, artigo 1º, elencam uma série de princípios que nortearão a atuação do estado na temática. Dentre eles, destacamos:
- a "promoção da cooperação e interação entre os entes públicos, entre os setores público e privado, e entre estes com o terceiro setor"¹, uma vez que a lei federal de inovação trata da interação "entre os setores público e privado e entre empresas"²;
- a promoção da liberdade econômica, redução da pobreza, das desigualdades regionais, melhoria do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), com foco em políticas públicas voltadas a regiões de menor IDH e micro e pequenas empresas³, enquanto a lei federal fala mais genericamente sobre "redução das desigualdades regionais";
- apoio e incentivo à economia criativa4, sem previsão correspondente na legislação federal;
- garantia do direito à informação, também sem previsão correspondente na legislação federal;
- o "reconhecimento e aceitação do risco tecnológico, endógeno ou exógeno às atividades de pesquisa e desenvolvimento, corrente para a simplificação e flexibilização de procedimentos e normas para adoção de desafios tecnológicos e concurso de projetos inovadores"5, que inova ao considerar o risco como inerente às atividades de pesquisa e desenvolvimento.
Em se tratando de definições, passou-se a conceituar os ambientes promotores da inovação, bem como ecossistemas de inovação e mecanismos de geração de empreendimentos; o risco tecnológico; figuras como a startup com base no conhecimento, de natureza incremental e de natureza disruptiva; e empresas com base no conhecimento; além do prêmio tecnológico e da inovação colaborativa no serviço público, ambos voltados às startups com base no conhecimento6.
A definição do risco tecnológico e seu reconhecimento representa um passo importante para o desenvolvimento da cultura de inovação e pesquisa, uma vez que uma das principais barreiras à inovação é a dificuldade de considerar o erro como parte do processo criativo. No que se refere à matéria de contratações públicas, a lei de inovação reformou a lei Estadual 15.608/07 (que estabelece normas sobre licitações, contratos administrativos e convênios no âmbito dos Poderes do Estado do Paraná), também para incluir a figura do risco tecnológico nesse âmbito e trazer mais segurança jurídica aos gestores públicos.
Há uma série de estímulos à inovação à disposição das entidades previstas no art. 30. Apesar do caput do referido artigo ser bem próximo ao do art. 19 da lei 10.973/04 (lei de inovação federal), vale ressaltar algumas diferenças. Primeiramente, o título do capítulo inclui o terceiro setor como um dos atores incentivados que, por meio da nomenclatura de "entidades sem fins lucrativos", é considerado apenas no caput da lei 10.973/04. Diferentemente da lei federal, mais atores foram incluídos à título de incentivo, quais sejam: criadores e inventores independentes, startups e empresas com base no conhecimento do Estado do Paraná, consórcio público de inovação e entidades brasileiras do terceiro setor.
Em relação aos instrumentos de estímulo (art. 30, parágrafo 2º, incisos I a XV), a lei paranaense inclui outros três não abrangidos pela lei federal: o prêmio tecnológico, o capital semente7 e a inovação colaborativa no serviço público. Segundo a conceituação da própria lei:
(i) prêmio tecnológico: prêmio em pecúnia ou apreciável em pecúnia ofertado a startups com base no conhecimento, previsto em plano de ações de órgãos e entidades da Administração Pública, referente à autorização de uso precário de infraestrutura, móveis e equipamentos de pesquisa e desenvolvimento tecnológicos, e custeio de serviços tecnológicos especializados, ou transferência de tecnologia, quando estes forem insumos para desenvolvimento do projeto, nos termos do regulamento próprio do Poder Executivo do Estado do Paraná;
(ii) capital semente: modelo de financiamento dirigido a projetos empresariais em estágio inicial ou em fase de projeto de desenvolvimento, antes da instalação do negócio, no qual um ou mais grupos interessados investem os fundos necessários para o início do negócio, de maneira que ele tenha fundos suficientes para se sustentar até atingir um estado no qual consiga manter-se sozinho ou receba novos aportes financeiros;
(iii) inovação colaborativa no setor público: prática da Administração Pública Direta e Indireta em dar publicidade por meio de chamamento público ou ainda pela modalidade de concurso, a desafios de gestão para startups com base no conhecimento, buscando soluções a partir dos problemas ou finalidades públicas expostas, para criação e desenvolvimento de serviços públicos inéditos ou que contemplem potencial de inovação, sob as premissas de incerteza no processo inovativo e não vinculação da administração à aquisição de produtos e serviços resultantes das atividades de pesquisa e desenvolvimento.
A proposta da inovação colaborativa do serviço público lembra a modalidade do diálogo competitivo trazida pela nova lei de Licitações (lei 14.133/21), pois ambas envolvem a apresentação de necessidades do poder público, objetivando a construção de solução inovadora e/ou tecnológica por meio da interação com setor privado.
Além disso, estão previstos estímulos como o chamamento público para coleta de ideias; concurso de projetos na área de PD&I, com possibilidade de contratação, que será realizada caso as metas definidas previamente no contrato de pesquisa e desenvolvimento da inovação tecnológica sejam alcançadas, com o objetivo de fornecer produto, design, serviço ou processo exitoso.
Para incentivo da inovação colaborativa do setor público e fomento de novos negócios, o parágrafo sexto do art. 30 estipula mais uma iniciativa interessante - a oferta de dados públicos. De acordo com a lei:
Art. 30 (...) § 6º O Estado fomentará a criação de novos negócios aplicando a política de dados aberto[s] anonimizados, ofertando para o ecossistema de inovação a base de dados dos vários segmentos de serviços públicos e de polícia administrativa, cujo acesso, consumo e utilização dos dados se dará, sempre, de forma gratuita, respeitadas as classificações legais de sigilo e segredo, bem como respeitadas as limitações previstas na lei Federal 13.709, de 14 de agosto de 2018 [lei Geral de Proteção de Dados Pessoais - LGPD].
O conceito de novos negócios parece permitir a inclusão de entidades sem fins lucrativos e demais iniciativas que atuem na temática, como negócios de impacto social. Mas por se tratar de recente alteração legislativa, essa interpretação ainda carece de maturação e acompanhamento.
Na matéria de governança, o art. 22 passou a considerar obrigatória a instituição do Núcleo de Inovação Tecnológica (NIT), tanto para ICTs públicas, como para as ICTs privadas. O Marco Legal da Inovação (lei 10.973/04, alterada pela lei 13.243/16), fazia referência expressa ao NIT apenas no que se refere às ICTs públicas (art. 16).
Dentre as competências no NIT, encontra-se: "incentivar a conexão de startups, empresas, criadores e inventores, visando o desenvolvimento de seus produtos, serviços e processos para inserção no mercado", ao passo que a legislação federal prevê de maneira mais genérica "promover e acompanhar o relacionamento da ICT com empresas"
O art. 24, por sua vez, estendeu as obrigações de repasse de determinadas informações também às ICTs privadas, que agora deve informar à Superintendência Geral de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (SETI): (i) a política de propriedade intelectual da instituição; (ii) as inovações desenvolvidas no âmbito da instituição; (iii) as proteções requeridas e concedidas; (iv) os contratos de licenciamento ou transferência de tecnologia firmados. Cabe ressalvar que a previsão carece de regulamentação pela SETI, conforme parágrafo único do mesmo artigo.
Outro compromisso importante é o da desburocratização no exercício de competências regulatórias e de poder de polícia administrativa em relação às atividades de PD&I, incentivadas pela lei. Na prática, pretende-se simplificar requisitos, procedimentos e regulamentos, bem como dar prioridade na tramitação de processos e na edição de atos administrativos pertinentes às atividades públicas e privadas de ciência, tecnologia e inovação.
Quanto ao investimento de recursos públicos e implementação da lei, serão observadas ainda diretrizes como:
Art. 39 (...). I - priorizar, nas regiões menos desenvolvidas do Estado, ações que visem a dotar as entidades integrantes do Sistema Paranaense de Inovação e o sistema produtivo de capacidade científica e tecnológica e recursos humanos adequados ao esforço de desenvolvimento sustentável; II - priorizar ações que visem consolidar as entidades integrantes dos ecossistemas de inovação locais e regionais já existentes com capacidade científica e tecnológica e recursos humanos adequados ao esforço de desenvolvimento sustentável; III - assegurar tratamento prioritário as micro e pequenas empresas, startups e terceiro setor.
Em resumo, pode-se dizer que a nova lei além de incorporar e alinhar previsões das legislações e decretos federais mais recentes sobre o tema, aprofundou e especificou algumas determinações. Além disso, a consideração expressa da participação e priorização do terceiro setor no processo e ecossistema de inovação traz respaldos e garantias relevantes ao desenvolvimento das atividades de ICTs privadas, negócios de impacto social formatados como associações ou fundações e entidades sem fins lucrativos em geral na matéria.
A atualização normativa dos entes subnacionais se faz fundamental para avanço da política de inovação no país, sobretudo considerando que, até 2019, apenas oito estados haviam implementado alterações em face da Emenda Constitucional 85 e da lei 13.243/16, segundo levantamento do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC).8 Em que pese o alcance regional da medida, a lei paranaense traz boas referências para edição e atualização das leis estaduais voltadas à regulação da inovação nos demais estados brasileiros.
1. Artigo 1º, parágrafo único, inciso VI da lei 20.541/21.
2. Artigo 1º, parágrafo único, inciso V da lei 10.973/04, incluído pela lei 13.243/16.
3. Artigo 1º, parágrafo único, inciso II da lei 20.541/21.
4. Artigo 1º, parágrafo único, inciso VII da lei 20.541/21.
5. Artigo 1º, parágrafo único, inciso XVIII da lei 20.541/21.
6. Segundo o art. 2º, inciso VII, as startups com base no conhecimento são empresas legalmente constituídas, cujos produtos, design, processos ou serviços sejam preponderantemente decorrentes dos resultados de suas atividades de pesquisa, desenvolvimento tecnológico e de inovação, além de cumprirem com determinadas exigências, como despesas de pesquisa e desenvolvimento iguais ou superiores a 20% de sua receita bruta.
7. A figura do capital semente já era prevista na antiga lei de Inovação do Paraná (lei 17.314/12), conforme o seu art. 8º: "O Estado, suas autarquias, fundações e empresas por ele controladas, direta ou indiretamente, poderão participar de sociedades ou parcerias, cuja finalidade seja aportar capital semente em empresas que explorem criação desenvolvida no âmbito de ICTPR com ou sem parceria com outras entidades, observados os arts. 35 e 36 da lei Estadual 15.608/07, os comandos da lei Complementar 101, de 4 de maio de 2000, e os procedimentos do art. 28 desta lei, no que couber".
8. Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC). Guia de Orientação para Elaboração da Política de Inovação nas ICTs. p. 11. Disponível aqui.
Aline Gonçalves de Souza
Sócia de Szazi, Bechara, Storto, Reicher e Figueirêdo Lopes Advogados. Doutoranda em Administração Pública e Governo pela Fundação Getúlio Vargas.
Rebeca de Oliveira Souza
Advogada de Szazi, Bechara, Storto, Reicher e Figueirêdo Lopes Advogados.