A CPI da pandemia
Afinal, quais os motivos que levam o presidente da República, Jair Bolsonaro, a não visitar um único hospital para se solidarizar com as vítimas e ver de perto o sofrimento de infectados e entubados?
segunda-feira, 17 de maio de 2021
Atualizado às 08:30
A conduta do presidente Jair Bolsonaro, diante da pandemia, pode ser dividida em três etapas. Na primeira adotou postura negacionista e se negou a reconhecer a letalidade do vírus. Na segunda desprezou o uso da máscara, estimulou aglomerações, acusou o governo chinês, combateu a vacina e passou a receitar o uso da cloroquina e da ivermectina. Na terceira S. Exa. exibe comportamento ambíguo: ou insiste em atribuir à China a paternidade do vírus, ou faz de conta que nutre preocupação com a tragédia humanitária.
Os depoimentos tomados aos ex-ministros da Saúde, Henrique Mandetta e Nelson Teich, ao presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, ao ex-secretário de Comunicação Social da Presidência, Fábio Wajngarten e ao presidente da Pfizer na América Latina, Carlos Murillo, robustecem as acusações de que a tragédia adquiriu tais proporções por criminosa negligência de quem não poderia deixar de adotar as medidas indicadas pela ciência médica.
Números fornecidos pelo Ministério da Saúde ao Consórcio de Imprensa revelam que tivemos cerca de 433 mil mortos, 15,5 milhões de infectados e 38,3 milhões de vacinados. Em perdas de vida superamos, no período compreendido entre 11/3/20 e 11/3/21, o México, a Índia, a Rússia e a Argentina (Media Lab Estadão, 21/3/21).
A campanha nacional de imunização, que prometia a aplicação de um milhão de vacinas por dia, está prejudicada pela falta de insumos e de imunizantes. Quem tomou a primeira dose não sabe se tomará a segunda. Quem não tomou, aguardará até estarem à disposição dos governos estaduais e prefeituras municipais.
A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) em curso no Senado tem como fundamento jurídico o artigo 58, § 3º, da Constituição Federal. Dispõe, portanto, "de poderes próprios de investigação das autoridades judiciais", além de outros previstos no respectivo Regimento Interno.
Durante a CPI a comissão investigadora agirá como tribunal especial, sendo-lhe facultado "a realização de diligências que julgar necessárias; podendo convocar Ministros de Estado, tomar o depoimento de qualquer autoridade, inquirir testemunhas, sob compromisso, ouvir indiciados, requisitar de órgão público informações ou documentos de qualquer natureza, bem como requerer ao Tribunal de Contas da União a realização de inspeções e auditorias que entender necessárias".
A aplicação subsidiária do Código de Processo Penal (CPP), prevista no artigo 153 do Regimento Interno, determina que "Toda pessoa poderá ser testemunha" e que "A testemunha não poderá eximir-se da obrigação de depor" (artigos 202 e 206 do CPP). "Se regularmente intimada, a testemunha deixar de comparecer sem motivo justificado, o juiz poderá requisitar à autoridade policial a sua apresentação ou determinar seja conduzida por oficial de justiça, que poderá solicitar o auxílio da força pública", ou seja, "debaixo de vara", na linguagem popular (CPP, artigo 218).
Observe-se, nesse sentido, o texto do artigo 148, § 2º, do Regimento Interno: "Os indiciados e testemunhas serão intimadas de acordo com as prescrições estabelecidas na legislação processual penal, aplicando-se, no que couber, a mesma legislação, na inquirição de testemunhas e autoridades."
O Presidente e o Vice-Presidente da República, senadores, deputados federais, ministros de Estado e outras autoridades arroladas no artigo 221 do CPP, não poderão se recusar a depor como testemunhas, mas "serão inquiridos em local, dia e hora previamente ajustados entre eles e o juiz". O parágrafo primeiro do dispositivo concede ao Presidente e ao Vice-Presidente o direito de "optar pela prestação de depoimento por escrito, caso em que as perguntas, formuladas pelas partes e deferidas pelo juiz, lhes serão transmitidas por escrito".
O Código de Processo Penal, aprovado pelo decreto-lei 3.689, de 3 de outubro de 1940, no interesse público da apuração da verdade dispensou tratamento igualitário a todos. Afinal, somos iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, como ordena o artigo 5º da Constituição de 1988. Não há, portanto, motivo jurídico ou político para alguns deterem odioso privilégio de se recusar a testemunhar sobre fatos que não podem desconhecer, por serem inerentes ao exercício do cargo ocupado.
A conduta do Presidente Jair Bolsonaro, e do ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, deve ser apurada pela CPI do Senado. Se conseguirem se justificar e explicar, de maneira convincente, as razões de falta de vacinas, serão inocentados. Se não conseguirem, centenas de milhares de mortos e milhões de infectados e sequelados estarão clamando por justiça.
Para encerrar deixo a pergunta: afinal, quais os motivos que levam o presidente da República, Jair Bolsonaro, a não visitar um único hospital para se solidarizar com as vítimas e ver de perto o sofrimento de infectados e entubados?