Políticas públicas baseadas em evidências na visão de quatro escola do pensamento
"A ciência e a evidência podem ser usadas mais ou menos de forma benigna para proteger os processos políticos da pressão de grupos de interesses que, por vezes, cinicamente é usada para tentar legitimar uma decisão tomada por outros motivos".
terça-feira, 11 de maio de 2021
Atualizado às 14:20
O movimento de elaboração de práticas baseadas em evidências (PBE) surgiu fortemente na medicina nos anos 1990, e a partir de então se espalhou por diversos campos do saber. Seu foco está na importância do uso de evidências nos processos de tomada de decisão, buscando diminuir a distância que existe entre a expectativa do criador de política pública e as condições concretas em que as ações serão executadas. Os primeiros estudos que se preocupavam com a tomada de decisão, não apenas na esfera pública, mas também na esfera privada, afirmavam que os tomadores de decisão deveriam seguir um método sistemático para chegar a decisões lógicas e eficientes. Assim, segundo REDDY, K. Srikanth; SAHAY, Seema1, o movimento de PBE reconhece a responsabilidade do tomador de decisões de usar evidências de forma consciente, prudente e sensata para desenhar, gerir e reformar sistemas de suporte a comunidades de uma forma previsivelmente capaz de trazer benefícios. Em teoria, movimento produz evidências empíricas para que os gestores públicos posam usar em suas decisões de elaborar e/ou implementar uma política pública.
Richard French2, professor da Escola de Pós-Graduação em Assuntos Públicos e Internacionais da Universidade de Ottawa no Canadá, publicou um artigo denominado "Evidence-Based Policy: Four Schools of Thought" ou, em uma tradução livre, Política Baseada em Evidências: Quatro Escolas do Pensamento, onde ele apresenta o conceito de evidência como sendo o "produto da pesquisa, ou seja, o conhecimento organizado produzido de acordo com os padrões das disciplinas acadêmicas relevantes".
Nesse texto, French sustenta que o movimento da PBE ainda é controverso e contestado, mas também há sinal de que existem grandes melhorias na formulação de políticas, tendo em vista que "a ciência e a evidência podem ser usadas mais ou menos de forma benigna para proteger os processos políticos da pressão de grupos de interesses que, por vezes, cinicamente é usada para tentar legitimar uma decisão tomada por outros motivos".
A pesquisa feita por French chegou a diversas conclusões, entre elas a de que a base de dados bibliográficos pesquisado como referência para a produção de livros e artigos acadêmicos nos últimos anos com o título "política pública baseada em evidência", chegou ao resultado de apenas 132 referências sobre o tema, enquanto isso, a título de comparação, outra pesquisa3 realizada no Brasil, em 2018, no Portal Capes, apresentou apenas 4 (quatro) resultados para o título "política pública baseada em evidência". A partir da análise da pesquisa, o pesquisador concluiu que a literatura utilizada atualmente como referência para a produção de conhecimento científico é antiga, há uma grande escassez de evidência empírica confiáveis, o modelo de PBE é um quebra cabeça de "provas" que tem muitas peças em falta, há uma grande variedade de abordagens e grande variedade de críticas sobre o tema e todos baseados em casos concreto, e que há muitas divergências entre as escolas de pensamento que estudam o movimento de PBE.
Mas afinal, quais são e o que pensam as escolas do pensamento que estudam a temática da elaboração e implementação de políticas baseadas em evidências?
A primeira delas é a Escola do Reforço (The Reinforce School), a qual defende que, se as políticas não são feitas baseadas em evidências, então certamente estão sendo usadas com outras motivações pouco edificante para elaborar e implementar as políticas públicas, tais como: interesse próprio, poder, ideologia, ignorância, cooptação por elites, etc. Diante disso, para essa escola, cabe a ciência dizer aos governos o que devem fazer, se isto ou aquilo, em uma verdadeira função de determinar o que deve ser feito. Porém, French aponta em seu artigo que essa é uma "visão ingênua da PBE" e, ao mesmo tempo otimista, de um tipo ideal de racionalidade abrangente, na qual os "formuladores de políticas são capazes de gerar um sentido claro de suas preferências, reunir e compreender todas as informações relevantes e fazer as melhores escolhas com bases nessas informações".
A segunda é a Escola da Reforma (The Reform School) que apresenta uma posição um pouco diferente da escola anterior, ao direcionar a prioridade na elaboração e implementação de PBE para o reconhecimento de que a evidência é mais provável de ser útil para esclarecer e educar os formuladores de políticas públicas do que de fornecer soluções prontas para problemas específicos e complexos. Na visão dessa Escola, a formulação de políticas difere das impressões ingênuas da escola do reforço e coloca o ônus do ajuste nos fornecedores de provas (os pesquisadores), concluindo, segundo Cairney, "que os sistemas democráticos possuem uma inércia que impede grandes mudanças no nome e na causa da elaboração de política baseada em evidência"4.
De outro lado, a Escola da Reinvenção (The Reinvent School) sustenta que existem grandes falhas nas premissas básicas na elaboração e implementação de políticas baseadas em evidências que elas só podem ser retificadas como evidência por meio de grandes alterações nas concepções dos modelos de gestão que os governos, de forma geral, adotam. Diante dessa visão, defende que o encorajamento de pesquisadores e formuladores de políticas públicas a fazer um pouco melhor, ao procurar estabelecer relações fundamentalmente novas entre pesquisa e política, em uma espécie de educar pela boa governança. Ou seja, a implementação de uma governança da evidência baseada, por um lado, na visão da demanda pelos formuladores de políticas e, de outo, pela oferta dos cientistas na avaliação do conhecimento, uma verdadeira cooperação estreita entre gestão e ciência, o que poderá proporcionar o alcance de melhores resultados na elaboração e implementação de políticas públicas baseadas em evidência.
Assim, a boa governança da evidência exigirá uma autorregulação do processo de elaboração de políticas pelos governos, especialmente, dos gestores que desejarem alcançar bons resultados para o bem-estar social. Isso porque os formuladores de políticas, por muitas vezes, não podem dizer quais estudos eles usaram ou acharam úteis, pois eles não se lembram, não catalogam referências em suas mentes, fundem a pesquisa em ciências sociais com outras fontes de informação e, geralmente, não tem clareza sobre o significado e uso da pesquisa, porém, segundo French, os teóricos da escola da reinvenção não descrevem como essa sistemática poderá ser implementada na prática da tomada de decisões no mundo real.
Nesse passo, a Escola Rejeição (The Reject School) não nega o valor das evidências para elaboração de políticas públicas, mas rejeita fortemente as pretensões do movimento da PBE de oferecer uma melhoria fundamental para as políticas públicas. Para tanto, em defesa de seu ponto de vista, apresenta duas abordagens: a primeira argumenta que o mundo real dos problemas políticos raramente é tão simples a ponto de oferecer muito espeço para pesquisa que, simultaneamente, atenderiam as normas disciplinares e atenderiam de forma significativa as necessidades dos formuladores de política; enquanto a segunda aponta que a distinção entre evidência e a formulação de políticas se desmorona em face da incorporação da ciência no sistema sociopolítico e dos cientistas como cidadãos portadores de valores. Dessa forma, William Byers5, nega que a elaboração de PBE é a melhor forma de se elaborar e implementar política pública, na visão de que "não existe certeza inequívocas que sustenta a ideia de que a ciência inevitavelmente nos salvará da ideologia", sendo que "ela mesma uma ideologia".
Anda na visão dessa escola, a ciência causa um grande dano quando se transforma em ideologia, quando começa a adorar a certeza. Outra dúvida levantada é: será que as provas fornecem solução? Conforme Sanderson6, "em um quadro de complexidades, os modelos científicos fornecem uma visão para a política, e não uma resposta para a política, tendo em vista que em um sistema complexo, simplesmente há muitas variáveis aleatórias sendo ampliadas", para que qualquer um possa prever o futuro e, assim, a teoria poderia ser muito mais confusa do que esperávamos, e muito menos útil.
Como vimos, há diversas visões, abordagens e críticas que podem ser feitas ao uso de evidências nas políticas públicas. Uma das críticas que podemos destacar, diz respeito à capacidade de o tomador de decisão público acessar, criticar e avaliar as evidências provenientes de diversas áreas do saber, pois, de acordo com a Escola da Rejeição, não se pode presumir essa capacidade, especialmente, dos trabalhadores do setor público que, na maioria dos casos, não dispõe de "ferramentas necessárias para avaliar a qualidade da evidência"7.
Por fim, segundo Mulgan8, no contexto da PBE, "conselheiros que pensam que são muito espertos enquanto todos ao seu redor são um pouco grossos, e que todos os problemas do mundo seriam resolvidos se os grossos escutassem os espertos, são passíveis de serem desapontados", pois a busca de uma verdade única e absoluta deve ser substituída pelo humilde respeito pela pluralidade de verdades que representam parcial e pragmaticamente o mundo, tendo em vista que "não se deve confiar muito nos especialistas", embora todos "tenham o direito de promover suas ideias e abordagens", elas devem ser combinadas com "as virtudes da modéstia, sinceridade e abertura" para que possa prevalecer.
_____________
1 Tradução livre de: "Evidence-based policy (EBP) acknowledges the responsibility of decision makers for the conscientious use of evidence to design, manage and reform systems of support for communities in a manner that predictably yield outcomes of benefit. In theory, EBP means-scientists produce evidence, which policy decision makers can use for decisions." REDDY, K. Srikanth; SAHAY, Seema. Voices of decision makers on evidence-based policy: a case of evolving TB/HIV co-infection policy in India. AIDS care, v. 28, n. 3, 2016, p. 397.
2 FRENCH, Richard D. Evidence-Based Policy: Four Schools of Thought. Canadian Public Administration, n. 61, i. 3, pp. 1-15.
3 CÔRTES, Pâmela de Resende., OLIVEIRA, André Matos de Almeida., LARA, Fabiano Teodoro de Rezende. Políticas públicas baseadas em evidências comportamentais: reflexões a partir do Projeto de Lei 488/17 do Senado. Revista Brasileira de Políticas Públicas. Volume 8, n. 2, agosto/2018, pp. 429-454.
4 Cairney, P. The Politics of Evidence- Based Policy Making. Houndmills, Basingstoke: Palgrave Macmillan. 2016, cap. 5.
5 Byers, W. The Blind Spot: Science and the Crisis of Uncertainty. Princeton: Princeton University Press. 2011, pp. 56, 68.
6 Sanderson, I.Intelligent policy making for a complex world: Pragmatism, evidence and learning. Political Studies, 57(4), p. 699-719.
7 FRENCH, Richard D. Evidence-Based Policy: Four Schools of Thought. Canadian Public Administration, n. 61, i. 3, pp. 1-15.
8 Mulgan, G. Experts and experimental government. In R. Doubleday and J. Wilsdon (Eds.), Future Directions for Scientific Advice in Whitehall. University of Cambridge Centre for Science and Policy and others, 2013, pp. 32-38.
_______________
REDDY, K. Srikanth; SAHAY, Seema. Voices of decision makers on evidence-based policy: a case of evolving TB/HIV co-infection policy in India. AIDS care, v. 28, n. 3, 2016, p. 397.
FRENCH, Richard D. Evidence-Based Policy: Four Schools of Thought. Canadian Public Administration, n. 61, i. 3, p. 5.
CÔRTES, Pâmela de Resende., OLIVEIRA, André Matos de Almeida., LARA, Fabiano Teodoro de Rezende. Políticas públicas baseadas em evidências comportamentais: reflexões a partir do Projeto de Lei 488/2017 do Senado. Revista Brasileira de Políticas Públicas. Volume 8, n. 2, agosto/2018, pp. 429-454.
Cairney, P. The Politics of Evidence-Based Policy Making. Houndmills, Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2016, cap. 5.
Byers, W. The Blind Spot: Science and the Crisis of Uncertainty. Princeton: Princeton University Press. 2011, pp. 56-68.
Sanderson, I.Intelligent policy making for a complex world: Pragmatism, evidence and learning. Political Studies, 57(4), p. 699-719.
FRENCH, Richard D. Evidence-Based Policy: Four Schools of Thought. Canadian Public Administration, n. 61, i. 3, p. 18.
Mulgan, G. Experts and experimental government. In R. Doubleday and J. Wilsdon (Eds.), Future Directions for Scientific Advice in Whitehall. University of Cambridge Centre for Science and Policy and others, 2013, pp. 32-38.