Influenciadores digitais e as eleições 2020
Mesmo quem não consume diretamente conteúdo político seria "bombardeado" com a publicação, caracterizando o objetivo-fim da contratação de impulsionamento de conteúdo: aumentar o alcance da publicação.
segunda-feira, 10 de maio de 2021
Atualizado em 11 de maio de 2021 07:19
1. Introdução
A intensa participação de influenciadores digitais (ou influencers) em redes sociais como o Instagram é realidade há alguns anos. Especialmente agora em 2020, após o surgimento da pandemia e a determinação de medidas de isolamento, a população passou ainda mais tempo conectada às redes. Pode-se dizer que os influenciadores digitais cresceram em número de seguidores, mas também em responsabilidades.
Acontece que muitos influencers, talvez a maioria, ainda não possuem a dimensão da importância da sua ocupação. Talvez porque essa atividade ainda não seja regulamentada como profissão. Ou talvez porque persista a ideia de que não devem admitir que ganham dinheiro com isso.
Aliás essa atividade é hoje muitíssimo bem remunerada, garantindo o sustento dos influenciadores, que chegam a ganhar milhares ou milhões de reais com propagandas de marcas, produtos e serviços.
Quanto a isso não há nenhum problema. Não se trata de atividade ilícita, desde que absolutamente todas as regras existentes sejam respeitadas.
Porém, infelizmente, não é o que se observa na grande parte dos perfis de influencers do Instagram. Eles insistem em não sinalizar quando se trata de publicidade (publi post ou parceria paga). Ou, quando sinalizam, o fazem por simples hashtags como #publi, #ad.
E, apesar do Instagram oferecer ferramenta para identificar na parte superior da postagem que se trata de parceiro de negócios, o que se verifica é a total ausência do uso da ferramenta.
A transparência com o consumidor, princípio basilar do Código de Defesa do Consumidor (CDC) é na maioria das vezes violada por esses perfis. Assim como também são as regras estabelecidas pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR).
Todavia, independentemente da obediência aos preceitos consumeristas, não podemos negar a grande inserção desses influenciadores sobre a vida de seus seguidores. Considerando que eles compartilham suas experiências e seus estilos de vida com os seguidores, a mensagem "publicitária" parece mais confiável do que a publicidade tradicional.
Dessa forma, os influencers são utilizados como estratégia de marketing pelas marcas que desejam propagar seu conteúdo com mais confiabilidade (COELHO et al, 2017). Os seguidores acabam consumindo naturalmente o que eles propagam pelo simples fato de pretenderem ser iguais a eles.
Na ótica do consumo, o influenciador digital funciona como um ídolo, simbolizando o ideal que o consumidor aspira ser, de forma que passam a imitá-los porque reconhecem neles modelos de sucesso (HEARN e SCHOENHOFF, 2015).
Na visão das empresas, os influencers são um instrumento de propaganda eficaz e barato. Sobretudo se comparados às mídias tidas como tradicionais (TV, revistas, jornais). O custo da propaganda nessas mídias clássicas é muito maior do que a quantia despendida para a contratação de influenciadores digitais, sendo o alcance desses mais segmentado e, por isso, mais efetivo.
A questão da não observância das regras relativas à publicidade e propaganda tem sido objeto de muitas pesquisas científicas, bem como de ações junto ao CONAR e ao Judiciário.
Todavia, recentemente, em época de período eleitoral, surge o questionamento acerca da contratação de influencers para realizar propaganda de candidato.
A propaganda eleitoral é a principal forma dos candidatos em pleito conseguirem votos. Sua importância é tamanha que uma legislação própria foi editada para garantir a lisura e proibir possíveis abusos perante as propagandas dos mais diversos candidatos.
A lei nº 9.504/1997 (Lei das Eleições) regulamenta as normas gerais das eleições, assim como as propagandas permitidas, forma de execução e possíveis vedações. Todo esse sistema possui o objetivo de proteger a livre manifestação do eleitor, além de garantir o principal pilar da atual ordem constitucional brasileira: a vontade soberana do povo.
Apesar de possuir uma seção destinada especialmente a propaganda eleitoral na internet (arts. 57-A ao 57-J, além de dispositivos esparsos no próprio diploma), não há regulamentação para a atuação de influencers em campanha eleitoral.
Importante frisar o disposto no art. 57-B, IV, alínea "b", da Lei das Eleições. O dispositivo em comento foi modificado pela lei 13.488, de 2017:
"Art. 57-B. A propaganda eleitoral na internet poderá ser realizada nas seguintes formas:
IV - por meio de blogs, redes sociais, sítios de mensagens instantâneas e aplicações de internet assemelhadas cujo conteúdo seja gerado ou editado por: (Redação dada pela lei 13.488, de 2017)
a) candidatos, partidos ou coligações; ou (Incluído pela lei 13.488, de 2017)
b) qualquer pessoa natural, desde que não contrate impulsionamento de conteúdos.
§ 1o Os endereços eletrônicos das aplicações de que trata este artigo, salvo aqueles de iniciativa de pessoa natural, deverão ser comunicados à Justiça Eleitoral, podendo ser mantidos durante todo o pleito eleitoral os mesmos endereços eletrônicos em uso antes do início da propaganda eleitoral.
§ 3o É vedada a utilização de impulsionamento de conteúdos e ferramentas digitais não disponibilizadas pelo provedor da aplicação de internet, ainda que gratuitas, para alterar o teor ou a repercussão de propaganda eleitoral, tanto próprios quanto de terceiros."
Portanto, a legislação proíbe a contratação de empresas especializadas em produção de conteúdo e marketing digital, uma vez que a permissão legal apenas abrange os próprios candidatos, partidos, coligações ou pessoa natural.
Sobre a questão da pessoa natural, há mais uma vedação: a contratação de impulsionamento de conteúdos. Sendo assim, qualquer pessoa - influencer ou não - que contratar impulsionamento de conteúdos não poderá realizar propaganda eleitoral na internet.
Entretanto, dois questionamentos surgem e são o ponto central do presente artigo: (i) A própria contratação de um influencer não seria uma forma indireta de contratar impulsionamento de conteúdo de propaganda eleitoral? (ii) a "natureza jurídica" do influencer não se aproxima de empresa especializada em produção de conteúdo publicitário?
O método utilizado foi o levantamento bibliográfico acerca do tema de direito eleitoral, de marketing e influenciadores digitais.
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Flávia de Oliveira Santos do Nascimento
Advogada. Professora da graduação e pós graduação da Universidade Católica de Santos. Presidente das Comissões da Mulher Advogada e de Fashion Law da OAB Santos.