A importância do Estado-juiz diante do exercício arbitrário das próprias razões
O exercício arbitrário das próprias razões é fruto da ausência Estatal?
segunda-feira, 3 de maio de 2021
Atualizado às 18:27
O exercício arbitrário das próprias razões, tipificado no Art. 345 do Código Penal, visa à punição do agente que busca satisfazer suas pretensões, embora legítima, com as próprias "mãos", inibindo o Jus Puniendi pelo Estado, o legítimo titular da justiça punitiva.
Diante de um cenário de impunidade e descredibilidade da justiça pela sociedade, a satisfação própria diante de um direito legítimo acaba se tornando recorrente, embora a legitimação em satisfazê-lo seja do Estado-juiz. A jurisdição particular em dirimir uma situação conflituosa, na maioria das vezes, dar-se por dois motivos: a morosidade do processual e a impunidade do agente.
Embora há Juizados Especiais Cíveis à disposição da sociedade, como um facilitador no ingresso e na manutenção da justiça, a sensação de impunidade acaba sendo maior, já que as causas, mesmo de menor complexidade, necessitam-se de tempo hábil para exaurir suas pretensões. Em 2019, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), relatou mais de 71 milhões de processos em tramitação, ou seja, equivale 1/3 da população brasileira, um número muito grande pela quantidade de agente para suprir a demanda, ficando, deste modo, o Poder Judiciário sobrecarregado.
O reflexo da lentidão da justiça é visível quando o exercício de ingressar em juízo para obter um direito legítimo é convertido no exercício arbitrário das próprias razões. Esse desprezo pela administração da justiça, em querer realizar as pretensões por contra própria, é comum em regiões com poucos habitantes, visto que o costume acaba sendo uma fonte predominante nesses locais.
Uma situação comum, por exemplo, é exigir que o locatário seja retirado à força após o seu período de vigência contratual de aluguel, fazendo, deste modo, o despejo por conta própria, sem uma liminar judicial de despejo. Outro caso, por exemplo, é retenção de um bem do devedor pelo credor diante de uma dívida (sendo muito comum essa pratica em oficina mecânica), sendo que a mera detenção do bem não pode ser retido enquanto não houver pagamento, podendo o credor utilizar os meios judiciais de cobrança, pois, caso contrário, estaria violando as prerrogativas legais de ressarcimento.
A retirada forçada do locatário e a retenção de bem, embora diante de um direito legítimo, são práticas que acontecem com frequência no Brasil, causando, deste modo, uma insegurança jurídica, já que são casos em que o Estado-juiz deve solucionar. A ausência do requerimento pela vítima ao Poder Público, às vezes, é devido à descrença em ver um direito legítimo sendo buscado pela via judicial, já que, na maioria das vezes, a demora e a impunidade do agente são entraves na busca pelo judiciário em solucionar pequenos litígios.
A prática do exercício arbitrário pode ser realizada por qualquer pessoa (crime comum), podendo ser executada de forma livre (forma livre), sendo consumada no momento da sua manifestação (crime formal), ou seja, não necessita do resultado para atingir o resultado. Trata-se crime de menor potencial ofensivo, já que a pena é de detenção - quinze dias a um mês, ou multa. A ação penal pode ser pública (caso ocorra violência física) ou privada. Para atingir o tipo penal elencado no Art. 345, a pretensão deve ocorrer diante de uma pretensão própria, em que a vítima tem direito, caso seja praticado com consciência da sua ilegitimidade o autor ocorrerá em outro crime.
O Exercício Arbitrário das Próprias Razões, portanto, é um crime que inibi a solução dos conflitos pelo Estado-juiz, já que a ausência do Poder Público para dirimir tais conflitos causaria uma insegurança jurídica, fomentando, deste modo, o caos social e a vingança privada, indo em contramão aos objetivos do Estado Democrático de Direito. A busca pelo judiciário, cada vez mais, reflete no aumento na quantidade de processos em tramitação, sendo um elemento negativo na busca da justiça. Sendo assim, meios alternativos de resolução de conflitos devêm ser fomentados mais ainda, como a conciliação, a mediação e a arbitragem, a fim de que o direito seja alcançado com mais celeridade, desafogando o judiciário das mazelas sociais.
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Jesus, Damásio de Parte especial: crimes contra a fé pública a crimes contra a administração pública - arts. 289 a 359-H do CP / Damásio de Jesus; atualização André Estefam. - Direito penal vol. 4 - 20. ed. - São Paulo: Saraiva Educação, 2020. Clique aqui