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Com nova lei, licitações podem ter análise de riscos aprimorada

Obrigatória em algumas situações, e aparentemente opcional em outras, ela impele os gestores a dar mais atenção às consequências econômicas e jurídicas de determinados eventos relacionados à execução do objeto licitado.

terça-feira, 4 de maio de 2021

Atualizado às 07:51

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

A nova lei de licitações e contratos administrativos (lei 14.133/21) confere especial importância à etapa de planejamento das contratações públicas. Orienta o gestor sobre os itens que devem analisar para assegurar uma licitação robusta. Neles se destaca a chamada "matriz de riscos", instrumento relevante da etapa instrutória do processo de licitação.

Obrigatória em algumas situações, e aparentemente opcional em outras, ela impele os gestores a dar mais atenção às consequências econômicas e jurídicas de determinados eventos relacionados à execução do objeto licitado.

A novidade é fruto do amadurecimento das experiências vivenciadas com o RDC (lei 12.462/11), que prevê expressamente a possibilidade de contemplar matriz de alocação de riscos (art. 9º, § 5º); a Lei das PPPs (lei 11.079/04), na qual a "repartição de riscos entre as partes" também consta no diploma legal (art. 4º, § 6º); e a Lei das Estatais (lei 13.303/16), onde a matriz de riscos é cláusula contratual necessária (art. 69, X).

O legislador se arriscou em nova definição e tratamento legais. Críticas podem ser feitas, mas é um avanço importante exigir tratamento claro aos impactos de possíveis variáveis relacionadas aos contratos firmados com o Poder Público previamente à celebração.

O tema na nova lei

Matriz de risco, pela definição trazida na lei 14.133/21, é: cláusula contratual definidora de riscos e de responsabilidades entre as partes e caracterizadora do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, em termos de ônus financeiro decorrente de eventos supervenientes à contratação (art. 6º, XXVII).

Na prática: a matriz de alocação de riscos é instrumento de fixação (I) do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos, (II) da remuneração das partes pela assunção de riscos que possam se efetivar ao longo da execução do objeto, (III) e de estratégias de gerenciamento de determinados eventos ou da mitigação de seus impactos no contrato.

Visa a antever quais acontecimentos podem impactar, de maneira positiva ou negativa, a execução de um contrato, e contemplar, previamente, uma solução para o gerenciamento, os ônus ou bônus decorrentes desses eventos.

Na letra da lei: a matriz de alocação de riscos definirá o equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato em relação a eventos supervenientes e deverá ser observada na solução de eventuais pleitos das partes (art. 103, § 4º).

Antever riscos e mitigadores nem sempre é simples. Portanto, a tarefa de planejamento exigirá maior empenho dos atores envolvidos no processo de contratação. Isso diz com a tônica da nova lei. Na norma, há 10 artigos dedicados à instrução do processo licitatório - que consiste, basicamente, no planejamento e nas justificativas da contratação. É nesse momento, da etapa preparatória, que a matriz deve ser concebida.

Exigência?

Diz a lei que o edital da licitação poderá contemplar matriz de alocação de riscos. Trata-se, portanto, de ferramenta opcional, como regra, que poderá ser utilizada em quaisquer dos tipos de contratação, em que pese haja sua obrigatoriedade nos serviços de grande vulto, que ultrapassam o valor de R$ 200 milhões, bem como nas contratações integradas ou semi-integradas.

Em contraponto à faculdade como regra das cláusulas de matriz de risco, o art. 18, X, estabelece que na fase preparatória da licitação deverá haver a análise dos riscos que possam comprometer o sucesso da licitação e a boa execução contratual, disposição que reforça que os riscos deverão ser tratados em qualquer procedimento licitatório. Esse mandamento pode causar certa confusão. Se interpretarmos que a análise referida no inciso corresponde à matriz em si, ela seria cláusula obrigatória. Afinal, o art. 22 estabelece que o "edital poderá contemplar matriz" (caput).

Uma interpretação conforme aos demais dispositivos permite (I) entender que a matriz de riscos é obrigatória apenas nos serviços de grande vulto e nas contratações integradas ou semi-integradas; e que (II) nos demais contratos, ela seria uma faculdade.

Assim, a matriz não será uma exigência para a validade de todos os contratos regidas pela nova lei, mas pode ser tida como um dos atos preparatórios da licitação, e quiçá até ser submetida à audiência e consulta pública, mas não precisaria se traduzir em uma matriz de riscos no contrato, tal como descrita no art. 103.

A alternância entre o poder e dever de utilização de matriz de risco gera insegurança quanto à margem de discricionariedade do gestor público em determinados contratos. Sejamos, porém, otimistas. A lei pode impulsionar decisões pautadas em análises racionais e cuidadosas sobre o objeto contratado. Quando desnecessária, o gestor poderá justificar a inaplicabilidade da matriz de riscos.

Conclusões

Apesar das críticas possíveis, o texto contém avanço.

A lei não deixa margem de dúvida: riscos implicam custos e esses devem ser estimados na contratação.

O cuidado maior na etapa de planejamento poderá diminuir a quantidade de decisões administrativas baseadas em valores jurídicos abstratos. Com a difusão do uso, apostamos no aperfeiçoamento das metodologias para elaboração das matrizes de riscos.

Já o exercício de planejamento por meio da "análise dos riscos" conferirá mais previsibilidade e, por consequência, economicidade e racionalidade aos contratos. Com isso, a expectativa é que se diminuam os litígios relativos aos pleitos de reequilíbrio e aos aditivos contratuais.

Por fim, a análise de riscos poderá ser aperfeiçoada quando submetida à consulta ou à audiência pública que precederão as contratações mais complexas, traduzindo-se em cláusulas mais proporcionais, eficientes e compatíveis com os interesses da Administração, dos seus contratados, e dos cidadãos.

Pode não ser uma novidade perfeita. Mas, é uma das que poderão aperfeiçoar os novos contratos.

Maís Moreno

Maís Moreno

Advogada da banca Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados e atua em Direito Administrativo e Regulatório.

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