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O art. 28 da lei 11.343/06 frente aos direitos à privacidade e à autonomia individual

A Constituição Federal garante o direito à privacidade e à autonomia individual. Entrementes, em contrassenso à Carta Magna, o uso de drogas é criminalizado.

sexta-feira, 30 de abril de 2021

Atualizado às 16:45

A lei 11.343 promulgada em 2006 regula medidas preventivas e repressivas ao uso indevido de drogas e ao tráfico ilícito de substâncias entorpecentes. Em seu art. 28º a referida legislação tipifica o uso de entorpecentes e elenca a pena que, ainda que não consista em sanção restritiva de liberdade, implica na prestação de serviços à comunidade e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

De outro lado, verifica-se que a criminalização do uso de entorpecentes conflita com muitos princípios constitucionalmente previstos, dentre eles o direito à privacidade e à autonomia individual.

De acordo com o Ministro Luís Roberto Barroso, as razões jurídicas que fundamentam e legitimam a antinomia constitucional do art. 28 da lei 11.343/06, são o direito à privacidade, a autonomia individual e a desproporcionalidade da punição da conduta que não afeta bem jurídico de terceiros e que, nem sequer, é meio eficaz na promoção de saúde pública.1

Nesta toada, destaca-se que o Artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal garante o direito à intimidade e a vida privada de cada cidadão, o que contrapõe a tipificação do crime de uso de drogas, visto que a utilização de substâncias alucinógenas é uma autolesão que não coloca em risco o bem jurídico de terceiros, logo, ocorre dentro da esfera privada do indivíduo. Ressalta-se, ainda, que no Direito penal o direito a intimidade e vida privada se manifesta pela impossibilidade de punir o indivíduo que por meio de uma conduta lese apenas a si mesmo.

Neste panorama, diversos doutrinadores se posicionam no sentido de confirmar que o uso de substâncias entorpecentes é um direito que o sujeito possui em se autodeterminar, conduta esta que diz respeito somente a sua própria vida, não cabendo à ingerência do estado.

O STF, já mostrou sua tendência em descriminalizar a posse de entorpecentes para consumo pessoal ao julgar o RE 635.659/SP, em que o Ministro Gilmar Mendes pontuou em seu voto que a criminalização da posse de drogas para uso pessoal é inconstitucional, visto que atinge, em grau máximo e sem necessidade, o direito ao livre desenvolvimento da personalidade do indivíduo.2

De igual modo, neste mesmo recurso, o Ministro Edson Fachin votou defendendo que as regras de um sistema moral individual que valoriza a liberdade não podem impor modelos, nem tampouco julgar ações individuais de um cidadão. Neste pensar, o Ministro defende que os ideais de moral dentro da esfera individual de cada cidadão não devem ser impostos pelo Estado, mas sim escolhido por cada indivíduo, pontuando, por fim, que a capacidade de escolha é fundamental e autonomia privada de cada sujeito.3

Embora seja notório que o uso de drogas cause prejuízos físicos e, eventualmente, sociais, utilizar-se do direito penal para punir esta conduta é desproporcional e infringe a vida privada e a autodeterminação do sujeito.

Neste sentido o Delegado da Polícia Civil Jeferson Botelho Pereira descreve que, não obstante se entenda que a utilização de substâncias entorpecentes extrapole os limites de até que ponto sujeito pode se autodeterminar, ainda assim existem outras medidas alternativas à criminalização, como por exemplo: a proibição de consumo em lugares públicos, a limitação de quantidade compatível com o uso pessoal, a proibição administrativa de certas drogas sob pena de sanções administrativas, entre outras medidas. Ao ver deste professor, as supracitadas medidas se mostram menos rigorosas que o uso do direito penal.4

Diante do exposto percebe-se que a criminalização do uso de drogas é desarmônica com as garantias constitucionais. No cenário atual, se vislumbra esperança de mudança ao término do julgamento do Recurso Extraordinário 635659 do Supremo Tribunal Federal, neste ínterim, o art. 28 da lei 11.343/06 continua a subsistir.

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1 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 143798/SP. Relator: Ministro Roberto Barroso. Disponível clicando aqui. Acesso em: 20/4/21.

2 STF. Recurso Extraordinário. RE 635659/SP. Relator: Ministro Gilmar Mendes. Disponível clicando aqui. Acesso em: 22/4/21.

3 STF. Op. cit.

4 PEREIRA, Jeferson Botelho. STF - Descriminalização ou liberação da posse de drogas para uso pessoal? (2015). Disponível clicando aqui. Acesso em: 22/4/21.

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BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília, DF. Disponível clicando aqui . Acesso em: 22/4/21.

BRASIL. Lei 11.343/06. Disponível clicando aqui. Acesso em: 20/4/21.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 143798/SP. Relator: Ministro Roberto Barroso. Disponível clicando aqui. Acesso em: 22/4/21.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 635659/SP. Relator: Ministro Gilmar Mendes. Disponível clicando aqui. Acesso em: 22/4/21.

PEREIRA, Jeferson Botelho. STF - Descriminalização ou liberação da posse de drogas para uso pessoal? (2015). Disponível clicando aqui. Acesso em: 22/4/21.

Nathalie Aline Moura Tatin

Nathalie Aline Moura Tatin

Advogada. Pós-graduanda em direito penal e processual penal. Pós-graduanda em Direito Constitucional.

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