O fim dos D. Quixotes
Existem os heróis que resistem à tentação do deus-dinheiro, mas são muito poucos, mal formam uma pequena quadra.
segunda-feira, 3 de maio de 2021
Atualizado às 12:25
Existem muitos D. Quixotes pelas cercanias do mundo. D. QUIXOTE de la Mancha é o símbolo do engenhoso, puro, destemido, intrépido homem que se pôs a lutar contra o mal, que magoa a vista e o coração dos bons e da humanidade. Esses D. Quixotes sempre existiram, existem e existirão. Vide o mutirão contra a fome. Vide médicos e enfermeiros na luta contra a covid-19. Vide Sérgio Moro e tantos outros jovens juízes embalados nesse bom exemplo, da luta indômita contra a corrupção.
Quantos D. Quixotes subindo as rampas malcheirosas das favelas, para levar aos miseráveis uma palavra de carinho e um pouco de alimento! D. Quixote idealizado por Cervantes, de seu alto estudo e funda observação, desse estranho animal chamado homo sapiens, coletou vários tipos de heróis cuja luta contra o mal só acode aos sem juízo, (no bom sentido).
Contra tantos e tão poderosos corruptos, espalhados por todos os cantos e poderes, quem se mete a enfrentá-los, só pode ser mentecapto, pois quem há de poder contra tantos, e tão poderosos? A história de que o bem vence o mal, em realidade, não passa de história. O mal tem a seu favor o Investidor: o deus-dinheiro; deus esse colhido à farta na árvore dadivosa da corrupção. E para onde pende o deus-dinheiro, para aí pende a vitória.
O dinheiro fácil, e a riqueza volumosa comandam as mentes e os corações. Existem os heróis que resistem à tentação do deus-dinheiro, mas são muito poucos, mal formam uma pequena quadra. Diz Cervantes que D. Quixote "tomadas, pois, essas providências, não quis aguardar mais tempo para pôr em prática o seu pensamento, premendo-o a isso a falta que ele pensava que cometia contra os bons e a humanidade com sua tardança, tais eram os agravos que pensava em desfazer, os tortos que endireitar, as sem-razões que emendar, e os abusos que corrigir e as dívidas que satisfazer", e a indômita corrupção que desmantelar. (Miguel de Cervantes, O Engenhoso Fidalgo D. Quixote de la Mancha).
O começo dessa luta insana foi a de atracar-se contra o gigante de imensos braços, (moinho de ventos), cuja uma das pás lhe acertou em cheio no elmo de ferro enferrujado, que, no meio de faíscas e gritos foi atirado, ele e o cavalo Rocinante, a várias braçadas.
É ler-se novamente a história de D. Quixote de la Mancha, e seu desventuroso retorno à velha Quinta, onde silenciou a vida, sem ter colhido uma só vitória, entre tantas prometidas! Mesmo assim, esse heroico menino-velho (ânimo de menino) fechou os olhos, em paz consigo mesmo, sem saber que sua luta não foi em vão. Havia conquistado o mundo, e, com ele, a maior de todas as vitórias; que não consiste em vencer o mal, porém, em não se deixar suplantar por ele, nem por suas multifacetadas formas; mas, viver honestamente, não machucar o próximo e viver em paz. Pois, a maior de todas as venturas é a coroa do bom combate!
Antonio Bonival Camargo
Mestre e doutor em Direito do Trabalho pela USP. Sócio do escritório Camargo e Camargo Advogados.