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Projeto de lei 533/19: Uma verdadeira ameaça ao acesso à Justiça

O risco de mitigação do direito constitucional de acesso à justiça por conta do projeto de lei 533/19.

quinta-feira, 29 de abril de 2021

Atualizado às 12:34

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Nos últimos dias, a imprensa noticiou a proposição do Projeto de lei 533/19, de autoria do Deputado Federal Júlio Delgado, na qual em seu texto original possui o intuito de acrescentar um parágrafo único no art. 17 do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/15), bem como de incluir um novo parágrafo no art. 491 do mesmo código.

Como condição para o acesso à justiça, quando se tratar de questão envolvendo os chamados direitos patrimoniais disponíveis, inicialmente a proposta legislativa fixa como condição para propositura de uma ação judicial a necessidade prévia de provocação da outra parte em busca de resolução do conflito, in verbis:

Art. 17. ........................

Parágrafo único: Em caso de direitos patrimoniais disponíveis, para haver interesse processual é necessário ficar evidenciada a resistência do réu em satisfazer a pretensão do autor.

No mesmo caminhar, mais especificadamente relacionada as decisões judiciais, como meio de auxiliar o juiz em seu processo de convicção, o intuito legislativo é de influenciar o convencimento decisório quando restar comprovada a resistência de uma parte em proporcionar a solução do conflito e de que houve prévia tentativa de conciliação, in verbis:

Art. 491 .....

§ 3º Na definição da extensão da obrigação, o juiz levará em consideração a efetiva resistência do réu em satisfazer a pretensão do autor, inclusive, no caso de direitos patrimoniais disponíveis, se o autor, por qualquer meio, buscou a conciliação antes de iniciar o processo judicial.

Houve ainda a apresentação de emenda ao projeto de lei, a fim de incluir a seguinte redação no art. 17 do CPC/15, in verbis:

§ 2º Tratando-se de ação decorrente da relação de consumo, a resistência mencionada no § 1º poderá ser demonstrada pela comprovação de tentativa extrajudicial de satisfação da pretensão do autor diretamente com o réu, ou junto aos órgãos integrantes da Administração Pública ou do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, presencialmente ou pelos meios eletrônicos disponíveis.

Nos dias atuais, pelo menos por enquanto, a redação prevista no art. 17 do CPC/15 prevê como requisitos processuais indispensáveis para propositura da ação a demonstração de interesse e legitimidade processual.

Já em relação ao previsto no art. 491, caput, do CPC/15, existe definição acerca dos possíveis desfechos de uma decisão judicial relativa à obrigação de pagar quantia certa.

Não obstante o intuito legislativo esteja dirigido ao fim de dar mais objetividade e celeridade aos processos judiciais, simplesmente não pode ser esquecida e até mesmo afrontada a previsão constitucional que possibilita o direito de acesso à justiça em caso de lesão ou ameaça a direito.

É que a Constituição Federal de 1988 (CF/88) em seu art. 5°, XXXV, prevê como direito e garantia fundamental a apreciação pelo Poder Judiciário de questão envolvendo lesão ou ameaça a direito.

Do mesmo modo, o art. 3° do CPC/15, prevê que "não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão de direito".

Aliás, quando do surgimento do movimento de defesa da democracia, a Constituição Pátria assumia força normativa que corrobora com a necessidade de preservação das garantias fundamentais.

No que lhe diz respeito, o Estado Democrático de Direito retomado com a CF/88, "foi importante medida no sentido de se tentar superar as desigualdades sociais e regionais e instaurar um regime democrático que realize a justiça social" (AFONSO, 2014, p. 124).

Além do mais, o "Estado Constitucional configura-se, portanto, como uma das grandes conquistas da humanidade, que, para ser um verdadeiro Estado de qualidades no constitucionalismo moderno deve ser um Estado Democrático de Direito" (MORAES, 2016, p. 27).

Ainda, sob a análise das linhas processuais relativas aos institutos fundamentais do direito processual civil, percebe-se a sua composição por meio da construção de atos jurisdicionais voltados ao exercício de possibilitar o acesso à justiça.

Tanto como, a lei 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor - CDC), ora voltada a proteção e defesa do consumidor, define como direito básico o acesso à justiça.

Nesse sentido, é o previsto no art. 6°, VII, do CDC, in verbis:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;

Sem mais delongas, simplesmente é absurda a tentativa legislativa de condicionar o acesso ao Poder Judiciário em relação a necessidade prévia de que seja comprovada a resistência do réu em satisfazer a pretensão e de busca prévia de solução por meio de conciliação.

Em sentindo contrário ao teor do projeto de lei, o intuito do legislador no momento de elaboração do CPC/15 foi de incluir a sistemática processual dentro de um contexto voltado à possibilidade e não a obrigatoriedade de as partes porém fim a lide por meio da mediação ou da conciliação.

Esta é exatamente a regra prevista no art. 3° nos parágrafos 2° e 3° do CPC/15, in verbis:

Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.

§ 2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos.

§ 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.

Apesar de já existir um movimento processual voltado a solução de conflitos por meio mediação ou conciliação, não pode restringir e até mesmo enfraquecer a importante conquista voltada ao direito constitucional de acesso à justiça.

Como se observa, certamente o projeto de lei 533/19 ainda será objeto de várias discussões acadêmicas e jurídicas de cunho polêmico, sendo que, por ora, encontra-se a questão sujeita à apreciação conclusiva pelas Comissões de Defesa do Consumidor e Constituição e Justiça e de Cidadania

Assim, com o intuito de evitar possíveis arguições de inconstitucionalidade e até mesmo de restringir o direito constitucional de acesso à justiça, realmente espera-se que o projeto de lei não seja admitido.

_________

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 33ª ed. São Paulo: Atlas, 2017, p. 27.

SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2014. p.124.

Caio Almeida Monteiro Rego

Caio Almeida Monteiro Rego

Graduado em Direito pelo Centro de Educação Superior de Brasília (IESB). Advogado do escritório Barreto Dolabella Advogados.

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