Inciso XL (art. 5°, CF) - Conflito de leis penais no tempo e o princípio da irretroatividade penal
A Lei Penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu". Esta é a letra do inciso XL, art. 5°, da Constituição Federal de 1988, que aborda o conflito das leis penais no tempo.
segunda-feira, 26 de abril de 2021
Atualizado em 27 de abril de 2021 12:35
A vida em sociedade pressupõe diversos interesses e propósitos. A evolução tecnológica, médica e social, é também acompanhada por uma evolução na esfera jurídica, que ao se aprimorar, edita novas leis e extingue outras. É deste ímpasse que nascem os conflitos entre leis novas e leis antigas.
A Constituição Federal deixa clara a possibilidade de existência de mais de uma lei que trate sobre o mesmo fato ou objeto, tendo estas, diferentes entendimentos e aplicações.
O inciso XL, art. 5°, CF, trata deste assunto, e tem como finalidade nortear o aplicador da lei quando se deparar com tais situações.
Através desta garantia fundamental, expressa magnamente, que ao réu são sempre garantidas as sanções mais leves (quando simultaneamente duas normas tratarem sobre o mesmo ato).
Para melhor entendimento sobre o assunto, devemos ter em mente que o conflito de leis ocorre quando uma nova lei entra em vigor. Com isso, esta nova norma acaba por "esvaziar" o sentido da lei que a antecedia, causando a revogação desta.
É importante ressaltar que no Direito é aplicado o princípio "tempus regict actum", que tem como comando: A lei rege os fatos praticados durante sua vigência. Ou seja, não alcança os eventos ocorridos antes de seu início, e nem deve ser utilizada para os fatos ocorridos após seu término (revogação).
Entre as hipóteses de conflito de leis penais no tempo, temos:
- Abolitio Criminis: esta hipótese trata da extinção de um tipo penal, ou seja, a nova lei descriminaliza uma conduta que antes era considerada criminosa. (Podemos exemplificar a abolitio criminis pelo Estatuto do Desarmamento.)
- Novatio legis Incriminadora: Nova lei "cria" um crime. Estipula um novo tipo penal, que antes era inexistente no ordenamento jurídico.
- Novatio legis in Pejus: Conduta em questão já era considerada crime, porém a nova lei tem aplições mais severas que a anterior.
- Novatio legis in Mellius: Nova lei possui aplicação mais branda.
Em hipóteses de conflito, a lei mais branda sempre prevalecerá, independentemente de ser lei velha, ou ser nova em relação ao fato.
Fazendo a leitura do inciso XL, art. 5°, CF, é possível quebrá-lo em duas premissas. Primeiramente na regra: A Lei Penal não será aplicada para fatos anteriores a sua vigência; e, na exceção: salvo quando para benefício do réu. Ou seja, aquelas leis que começarem a gerar efeitos após a data dos fatos deverão ser aplicadas quando benéficas.
Em suma, quando a norma for benéfica (favorável) ao réu, irá prevalecer.
Diante do exposto, podemos concluir que o inciso XL trata do Princípio da Irretroatividade da Lei Penal Mais Gravosa, ou ainda, Princípio da Retroatividade da Lei Penal mais benéfica.
Levando em conta que a retroatividade da lei é a exceção, esta só irá ocorrer quando para beneficiar o réu. Além disso não deverá atingir algumas premissas; entre elas a coisa julgada, o ato juridicamente perfeito e o direito adquirido. (outras garantias previstas no art. 5° da CF.)
É importante ainda, abordar alguns princípios constitucionais consagrados que fazem ampla relação com o inciso XL:
O primeiro deles é o Princípio da Igualdade. Isto porque a irretroatividade de lei mais grave, garante que ninguém irá responder pela mesma conduta com maior rigor que os demais. Garante impessoalidade por parte da lei, afinal: não é racional continuar a punir alguém por uma conduta que outro indivíduo poderá praticar e não ser punido (ou o ser de forma menos grave).
O segundo é o da Proporcionalidade, pois se a nova norma é mais favorável ao réu, também será mais satisfatória para solucionar os demais conflitos (sociais por exemplo).
Em terceiro, temos o Princípio da Segurança, muito relacionado também ao Princípio da Legalidade, uma vez que a lei deve limitar o poder do Estado, e garantir a liberdade individual dos cidadãos.
Quando o juíz, consagrado pelo Princípio do Juíz Natural, se tornou o aplicador da lei, era claro para a sociedade como um todo que somente através da lei seria possível garantir igualdade. Neste âmbito, os princípios da Legalidade e da Irretroatividade da Lei Penal estão diretamente ligados, pois asseguram que poder do Estado não é absoluto, e ainda mais, é limitado pela lei.
No Brasil houve grande preocupação, por parte do constituinte, com a irretroatividade da Lei Penal. Esta intenção fica clara quando se observa através da ótica do direito comparado que a maioria dos países tratam do tema através de leis infra-constitucionais.
Nos Estados de Direito, principalmente nas democracias, a garantia de que as regras sejam pré-estabelecidas garante a segurança dos cidadãos, na medida em que permite que cada um paute suas condutas de acordo com as regras já dispostas. Se não existisse o Princípio da Irretroatividade, a segurança jurídica das leis estaria comprometida.
Com todo o exposto, é notório que o inciso XL, art. 5°, CF, nos traz uma regra e uma exceção que são fundamentais para o Estado de Direito no qual vivemos, sendo uma das mais importantes garantias fundamentais no ordenamento jurídico brasileiro.