Panorama da lei 14.133, de 1º de abril de 2021 - Nova Lei de Licitações
Para quem não tem tempo, esse resumo destaca os principais pontos na nova lei.
sexta-feira, 23 de abril de 2021
Atualizado às 15:01
O Projeto de Lei (PL) do Senado 4.253/20 foi aprovado no dia 10/12/20 e seguiu para sanção presidencial, originando a lei 14.133, de 1º de abril de 2021, a nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos.
Ela irá substituir a lei 8.666, de 1993, que trata das modalidades tradicionais de licitação; a lei 10.520, de 2002, que rege o Pregão; e a parte da lei 12.462, de 2011, que cuida do Regime Diferenciado de Contratações (RDC).
Além disso, nota-se que foram incorporadas normas infralegais como as da Instrução Normativa nº 5, de 2017, da Secretaria de Gestão do então Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão (IN 5), além de entendimentos consolidados na jurisprudência.
Há alguns pontos que merecem ser ressaltados, não por sua novidade na prática, mas por passarem a constar no texto legal. Outros, de fato, representam novidade.
Fica claro que a nova lei não se aplicará às estatais, às contratações feitas no exterior, às realizadas com recursos provenientes de acordos internacionais (conforme as condições neles previstas) e à gestão das reservas internacionais (o estoque de moeda estrangeira de que o país é titular). Especificamente quanto às estatais, porém, também são aplicáveis os crimes estabelecidos ao final de seu texto, que compõe um novo Capítulo do Código Penal.
Entre os princípios, foi previsto o planejamento, essencial para que as contratações alcancem os fins almejados, evitando-se desperdício de recursos públicos e, com isso, contribuindo para a concretização das políticas públicas.
Foi ampliado o rol de definições em relação à legislação a ser substituída. As definições, de um lado, trazem mais segurança para a aplicação da lei. Por outro, podem gerar situações indesejáveis, seja ao permitir abarcar hipóteses que mereceriam tratamento diverso, seja ao deixar de tratar de hipóteses não previstas, engessando, de certa forma, a abrangência da lei para inovações da vida real. É um desafio enfrentado desde a antiguidade, que até hoje só encontra solução no emprego da adequada interpretação.
Entre as definições trazidas estão por exemplo as de obra, serviço contratado por escopo, serviço com emprego de mão de obra exclusiva, estudo técnico preliminar, serviço de engenharia, contratações de grande vulto (que passam a ser as de valor superior a R$200 milhões), anteprojeto, matriz de risco, prestação de serviço associado, diálogo competitivo e contrato de eficiência.
Quanto ao contrato por escopo, previu-se a possibilidade de prorrogação deste para a conclusão de seu objeto. Trata-se de algo controvertido, pois o vencimento do prazo de execução de contratos dessa natureza não tem o condão de extinguir a obrigação contratual, fato que só ocorreria com a entrega da prestação. É necessário, isso sim, que a Administração avalie e decida se irá rescindir o contrato ou se a prestação ainda é útil e se permanece o interesse em recebê-la, o que poderia ser feito por mero apostilamento, uma vez que o contrato não seria alterado. Trata-se de tema, contudo, que merece ulteriores reflexões.
Apesar do esforço nas definições mencionadas, nota-se que não houve sucesso em algumas delas. Continua não sendo clara, por exemplo, a distinção entre obra e serviço de engenharia. E talvez nem fosse necessária essa distinção na medida em que praticamente todo o texto legal submete ambas as atividades ao mesmo regime jurídico. Uma exceção é o prazo específico para obras serem divulgadas no Portal Nacional de Contratações Públicas. Outra é o conceito de reforma, abrangido pelo conceito de obra, que permite aditivos de até 50% do valor inicial atualizado do contrato. A maior relevância está em distinguir obras e serviços de engenharia dos demais serviços, pois nesse caso sim há regimes distintos.
O texto legal traz para seu teor a possibilidade de que o agente público envolvido na contratação, que houver seguido as orientações de seu órgão jurídico e venha a ter seu ato questionado, seja defendido pela advocacia pública, algo que na esfera federal já era parcialmente contemplado pelo art. 22 da lei 9.028, de 1995.
Nos objetivos da contratação, ao dispor que a Administração deve procurar a vantagem inclusive tendo em conta o ciclo de vida do objeto, indica que essa vantagem não pode significar simplesmente o preço menor. É necessário que todas as propostas sejam comparadas em relação a todos os aspectos relevantes, que devem estar previamente e obrigatoriamente descritos no edital. Isso porque, se o julgamento é realizado com base no preço, as propostas precisam ser semelhantes. Assim, quando se menciona o aspecto do ciclo de vida, isso significa que nem sempre um produto mais barato será o mais vantajoso, se sua vida útil for menor do que a vida útil de um produto com preço maior.
Ainda entre os objetivos é reiterada a preocupação com o planejamento e com a integridade nos processos de contratação, além de expressamente determinar que se evite apego ao excessivo formalismo, até porque este pode prejudicar a própria Administração ao excluir propostas melhores.
Institucionaliza-se como regra geral que a disputa anteceda a habilitação. Para inverter essa ordem, deverá haver justificativa, uma vez que, em regra, ao se permitir uma maior participação na fase competitiva, isso tende a gerar um ambiente que estimula os concorrentes a oferecerem um preço melhor para a Administração. Ocorre que a aplicação dessa norma exige cautela, pois muitas vezes empresas sem qualificação tem condições de baixar seus preços justamente porque não possuem o custo necessário para terem a habilitação exigida. Daí, podem estimular até mesmo as boas empresas a apresentarem preços que se mostrarão inviáveis ao longo do tempo. Problemas relativos a essas situações foram estudados por Paul Milgrom e Robert Wilson, que formularam teorias a respeito dos leilões e ganharam o Prêmio Nobel de Economia em 2020. O fato é que essa forma de conduzir a contratação, ainda que traga preços mais vantajosos, levará sempre à necessidade de uma análise mais acurada a respeito da exequibilidade das propostas.
Quanto ao planejamento, foram incorporadas normas infralegais que, na esfera federal, já previam a necessidade de uma organização prévia anual das contratações a serem realizadas no exercício seguinte, além do alinhamento estratégico dessas contratações com os fins institucionais da entidade.
Para tornar mais eficientes os procedimentos de contratação, houve a preocupação com o estabelecimento de padrões nas especificações de alguns objetos a serem contratados e mesmo de modelos de instrumentos convocatórios e contratuais.
Uma grande inovação, mencionada acima e ligada ao planejamento, diz respeito à prévia repartição dos riscos entre as partes, algo essencial tanto para uma correta formulação de propostas quanto para uma solução rápida e eficiente em caso de concretização dos riscos previstos. Essa previsão dos riscos é mera decorrência do princípio da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro. Com efeito, as partes firmam contrato tendo em mente determinado contexto e circunstâncias subjacentes que influenciam sua vontade. Ao se alterar significativamente esse contexto, o contrato precisa ser reequilibrado. Muitas vezes, contudo, não é tão fácil estabelecer quem deve arcar com os custos. Pense-se em um exemplo de uma contratação em que o fornecedor planejou a entrega de um bem pela via rodoviária. Supondo que, após a contratação, uma ponte existente no trajeto seja demolida e que a única forma de realizar a entrega passe a ser pela via aérea e que o custo se majore, a quem caberia arcar com a diferença de custo? Problemas dessa natureza também já foram tratados pela teoria econômica rendendo o Prêmio Nobel para Oliver Hart e Bengt Holmström em 2016.
Há, entretanto, que se ponderar que uma matriz de riscos que reflita a realidade não é de fácil elaboração, razão pela qual a Administração precisará capacitar seus servidores para que estes consigam trabalhar os dados obtidos e estipulem uma repartição de riscos que seja justa para ambos os pactuantes. Conforme a complexidade do objeto, poderá ser necessário contratar serviço técnico especializado para essa elaboração.
Outro exemplo de incorporação de norma infralegal já vigente no âmbito federal diz respeito ao tratamento da forma de se estimar os preços da contratação. E o orçamento elaborado, como regra, passa a ser público, podendo, todavia, em caso de justificativa, ser tornado sigiloso. A ideia de permitir o orçamento sigiloso é evitar expor ao mercado quanto a Administração está disposta a pagar. Isso porque, quando um comprador pretende adquirir algo e já expõe o preço até quanto está disposto a pagar, isso pode gerar uma tendência de o vendedor oferecer o produto por esse preço mesmo quando puder fazer um preço menor. Além disso, na prática, ao se divulgar o orçamento, percebe-se que as empresas acabam disputando os preços muito próximos ao valor revelado. Mas não se nega que a concorrência, conforme o caso, pode resolver o problema.
Houve incorporação da distinção infralegal entre reajustamento em sentido estrito e repactuação. Não se resolveu, contudo, a questão que surge quando um contrato possui mão de obra associada ao emprego de insumos e materiais. Na prática, reajuste independe do pedido da contratada e importa mera aplicação de índice de correção monetária. Já a repactuação depende de pedido da contratada e comprovação da majoração dos custos. Para solucionar o tratamento desses contratos, tem-se exigido o pedido de repactuação da empresa, mas, quanto aos materiais e insumos, aceita-se como comprovação da majoração dos custos a mera demonstração da variação dos índices de correção monetária. O fundamental é ter em mente a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro, de modo que se deve eleger os elementos que melhor representem as variações dos custos de mercado.
Uma preocupação social trazida para o texto legal foi a possibilidade de o contrato impor a obrigação de a empresa contratada ter em seus quadros um número determinado de empregados egressos do sistema prisional ou de mulheres vítimas de violência doméstica. Em que pese seja louvável tal inserção, sua efetivação dependerá de regulamentação de muitas instâncias e o fato de ter sido admitida como "possibilidade" poderá fazer com que esta preocupação social nunca saia do papel.
Possibilitou-se ainda a estipulação de margem de preferência para produtos nacionais, sustentáveis e mesmo de outros países do Mercosul. Quanto aos nacionais, sujeita essa estipulação a decisão fundamentada do Poder Executivo. Surgirá controvérsia sobre se essa regulamentação poderá ser feita por qualquer autoridade ou apenas pelo Presidente.
Entre as modalidades licitatórias, a inovação está no diálogo competitivo, utilizado quando a Administração possui um problema, mas não conhece a melhor solução disponível no mercado para tratá-lo nem possui condições de comparar as soluções simplesmente com base no preço.
Dos critérios de julgamento, cabe destaque para a ampliação das hipóteses de aplicação do maior retorno econômico, que antes era restrito ao RDC. Esse critério é destinado a ser utilizado nos contratos de eficiência, isto é, naqueles em que o objeto consiste em obter economia para a Administração, sendo o contratado remunerado pela aplicação de um percentual sobre essa economia.
Para as contratações de obras e serviços de engenharia, o projeto incorpora algumas normas voltadas à sustentabilidade.
Possibilitou-se a contratação de mais de um prestador para o mesmo serviço, quando devidamente justificada essa necessidade.
A fiscalização das obrigações trabalhistas das contratações que envolvam mão de obra com dedicação exclusiva é mais um exemplo de incorporação de normas da IN 5.
Houve veto do dispositivo que mencionava responsabilidade do órgão de assessoramento jurídico que emite parecer sobre a contratação. Embora esse dispositivo previsse corretamente que essa responsabilização somente ocorreria de forma regressiva e apenas em casos de dolo ou fraude, ele abria margem para algumas controvérsias, além de dispor sobre matéria já tratada em outras leis.
Vale salientar que os ditames constitucionais conferem independência para a atuação dos membros das Funções Essenciais à Justiça. Para assegurar essa independência, até mesmo os erros são perdoáveis. O ordenamento apenas não tolera a vontade livre e consciente de violação do sistema jurídico e é somente nessa hipótese que cabe a responsabilização.
É nesse sentido o regime presente na lei 13.327, de 2019, que em seu art. 38, §2º, reconhece a responsabilização do advogado público apenas nas hipóteses de dolo ou fraude. Com relação aos demais servidores públicos, segundo o Decreto-Lei 4.657, de 1942, (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), vale mencionar que é possível a responsabilização por erro, mas apenas o erro grosseiro, que, segundo o art. 12 do Decreto 9.830, de 2019, é aquele cometido com culpa grave, ou seja, elevado grau de imprudência, negligência ou imperícia.
Prosseguindo na análise da Lei, ao fixar os prazos para apresentação de propostas, permitiu que eles fossem reduzidos pela metade, justificadamente, nas contratações do Ministério da Saúde no âmbito do SUS.
Foi permitida a exigência de garantia da proposta, nas mesmas modalidades das garantias contratuais.
Quanto à habilitação, destaque para a possibilidade de exigência de comprovação de capacidade técnico-operacional, algo que foi vetado na Lei nº 8.666, de 1993. Para serviços contínuos, possibilitou-se exigir comprovação de experiência mínima não superior a 3 anos.
Um problema que agora foi sanado expressamente diz respeito aos critérios para as contratações de pequeno valor. Esse valor deve ser considerado levando em conta o período do exercício financeiro da unidade gestora e o somatório das despesas com os objetos de mesma natureza, que seriam os do mesmo ramo de atividade. Unidade gestora é, no âmbito federal, "a unidade orçamentária ou administrativa que realiza atos de gestão orçamentária, financeira ou patrimonial, cujo titular, em consequência, está sujeito à tomada de contas anual", nos termos do art. 2º do Decreto 7.185, de 2010.
Entre os instrumentos auxiliares, foi tratado expressamente do credenciamento e do procedimento de manifestação de interesse, que pode ser voltado principalmente à contratação de "startups" para fornecimento de soluções inovadoras.
No sistema de registro de preços, passou a ser possível a prorrogação da ata de registro por um ano.
Como condição de eficácia dos contratos é necessária sua divulgação no Portal Nacional de Contratações Públicas. Porém, em caso de urgência admite-se sua eficácia desde a assinatura.
Quanto à garantia, merece ser mencionada a possibilidade de uma seguradora assumir a execução do contrato, mas isso deverá ser compatibilizado com a necessidade de o executor do objeto também respeitar os requisitos de habilitação.
Manteve-se a impropriedade da vinculação da duração do contrato à disponibilidade do crédito orçamentário. Com efeito, disponibilidade orçamentária diz respeito à quantidade de recursos. Duração do contrato diz respeito ao tempo necessário para sua execução. Para contratar, basta possuir os recursos disponíveis. Como as leis orçamentárias são anuais, há uma tradição equivocada de associar a duração dos contratos a esses prazos, até porque, normalmente, contratos de execução mais longa costumam demandar recursos de mais de um orçamento. Mas o que se quer evitar é que o Estado se comprometa por períodos longos e com orçamentos futuros, pois desde o nascimento do liberalismo se pretendeu limitar o poder do soberano, fazendo-o submeter anualmente suas pretensões de gastos à decisão do parlamento. Dito de outra forma, o Direito Financeiro busca evitar o comprometimento de orçamentos futuros, ou seja, o comprometimento do Estado e não o das empresas a serem contratadas. Assim, se os recursos disponíveis em um orçamento forem suficientes para custear determinada contratação cuja execução dure diversos anos, a situação muda completamente de figura. Mas essa é uma questão que demandaria aprofundamento em outro local.
Ainda sobre a duração, o texto expressamente permitiu que os contratos de serviços e fornecimentos contínuos sejam firmados desde o início já com prazo de cinco anos prorrogáveis por mais cinco anos, com a única cautela de anualmente verificar disponibilidade orçamentária e manutenção de vantagem. Em algumas hipóteses de dispensa de licitação, também se permitiu contratos com prazo inicial de 10 anos.
Se houver falha na fiscalização das obrigações trabalhistas, a Administração poderá responder subsidiariamente, caso a contratada não arque com suas obrigações, ou seja, trata-se aqui de mera incorporação do entendimento jurisprudencial no texto da lei.
Houve permissão para o pagamento antecipado em hipóteses excepcionais, bem como o pagamento variável, conforme desempenho do contratado.
Meios alternativos para solução de controvérsias, como a arbitragem, passam a ser aceitos para conflitos relacionados a "direitos patrimoniais disponíveis", cujo âmbito de aplicação continua sem delimitação legal. O texto apenas elenca como exemplos o reequilíbrio econômico-financeiro, inadimplementos de obrigações e cálculo de indenizações.
Quanto às sanções, foram fixados limites para os valores das multas contratuais. Possibilitou-se a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica para casos em que, por exemplo, uma pessoa jurídica é criada pelos mesmos sócios de uma outra sociedade impedida de licitar com o único propósito de burlar essa sanção.
Houve uma normatização específica quanto ao controle das contratações. Por um lado, se tal conjunto de normas for entendido como a implantação de mecanismos institucionais inteligentes para apuração de desvios, trata-se de inovação nobre. Cite-se, por exemplo, a utilização da Lei de Newcomb-Benford para apuração de fraudes, o uso de inteligência artificial, de "Big Data" e de outras novidades que permitem realizações nunca sequer imagináveis à humanidade. Mas a previsão legal também pode ser vista como inútil, pois os mecanismos nela previstos já poderiam e deveriam estar implantados por força das normas existentes ou da boa técnica administrativa. Além disso, se tais normas implicarem apenas a instauração de mais controles em estrutura já altamente burocratizada, irão acarretar sobreposição de funções, ampliação de gastos e consolidação de estruturas como fins em si, quando deveriam ser meros meios a uma Administração mais eficiente. Seria algo como repetir as mesmas condutas com a esperança de resultados diferentes. E como já reconheceram os filósofos, em muitas situações "as leis são desnecessárias para os bons e inúteis para os maus".
A nova lei passa a ser aplicável subsidiariamente às leis 8.987, de 1995 (permissões e concessões de serviços), 11.079, de 2004 (parcerias público-privadas), e 12.232, de 2010 (serviços de publicidade).
Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, poderão adotar a regulamentação existente na esfera federal.
Embora a Lei entre em vigor na data de sua publicação, ela conviverá por dois anos com a lei 8.666, de 1993, com a lei 10.520, de 2002, e com os arts. 1º a 47 da lei 12.462, de 2011 (RDC). Nesse período o gestor poderá escolher a legislação a ser adotada, desde que não misture os regimes de leis diversas.
Boa parte da Lei, apesar de vigente, não pode ser aplicada em razão da necessidade de regulamentação. O principal entrave é o fato de qualquer contrato precisar ser publicado no PNCP para ter eficácia (art. 94). Se toda a lei é feita objetivando tratar das contratações, o fato de os contratos não terem eficácia parece deixar clara a dependência dessa regulamentação. A exceção ficaria apenas para os Municípios com menos de 20 mil habitantes, que não necessitariam utilizar por enquanto o PNCP (art. 176).
Com a nova Lei, entre as mudanças esperadas, está a concretização da presunção de inocência e de boa-fé das pessoas. Isso deve valer, seja no tratamento da Administração para com os administrados, seja no controle do trabalho do gestor.
Quanto aos administrados, por exemplo, devem ser evitadas exigências de comprovações inúteis que podem beirar a ofensa à honra das pessoas. A presunção da boa-fé já consta, por exemplo, do art. 3º, XV, da Lei nº 14.129, de 29 de março de 2021, e algumas medidas relacionadas a essa presunção e à redução do formalismo constam do art. 12.
Quanto aos gestores, é necessário superar o "Direito Administrativo do medo"1. O gestor, por estar mais perto da vida real, tem condições de saber a melhor solução para o caso concreto diante dos limitados recursos disponíveis e das dificuldades impostas. Por isso, ainda que eventual controle possa desfazer sua decisão, não se pode puni-lo se não houver dolo ou ao menos erro grosseiro decorrente de culpa grave. Somente essa segurança pode trazer tranquilidade e liberar a criatividade e a inovação. Sempre que houver dúvida quanto à decisão cabível no caso concreto entre alternativas juridicamente válidas, espera-se que valha a sentença: "In dubio pro administrator".
Enfim, novidades efetivas são poucas. Mas quem sabe o efeito simbólico de uma nova lei possa ensejar a mudança de mentalidades, culturas e práticas?
A Lei é boa? Conta Heródoto que Creso, rei da Lídia, prestes a ser queimado na fogueira pelo rei Ciro, gritou o nome de Sólon. Curioso, o rei Ciro mandou retirá-lo da fogueira e o questionou quem seria esse deus chamado Sólon. Creso esclareceu que Sólon não era um deus, mas um sábio que o visitou certa vez. Na visita, Creso mostrou todo seu poder e riqueza. Após isso, perguntou quem seria a pessoa mais feliz que Sólon já havia visto. Duas vezes Sólon indicou pessoas comuns do povo que tinham tido uma vida comum junto de sua família e que tinham morrido honradamente. Encolerizado, Creso criticou o fato de ser comparado a homens comuns e perguntou por que ele não poderia ser considerado feliz. Ao que Sólon respondeu: somente após a morte é possível dizer se alguém foi feliz. Prestes a morrer na fogueira, Creso entendeu a lição de Sólon. Tocado pela história, Ciro tornou Creso seu conselheiro.
Por isso, talvez seja cedo para julgar a lei.
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1 SANTOS, Rodrigo Valgas dos. Direito Administrativo do Medo: Risco e fuga da Responsabilização dos agentes públicos. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2020.