Conceito de acesso à justiça na contemporaneidade
Fenômenos da desjudicialização e da valorização dos métodos de solução consensual dos litígios
sexta-feira, 23 de abril de 2021
Atualizado às 12:43
A sociedade no mundo atual possui o hábito de levar seus conflitos para os tribunais a fim de buscar a prestação jurisdicional (judicialização), por ter em mente que o Poder Judiciário é a única fonte de acesso à justiça, culminando assim uma cultura do litígio no qual gerou a crise do Judiciário, pois tendo em vista o abarrotamento de processos, se encontra cada vez mais ineficiente e moroso.
Tendo em vista tal cenário crítico, a desjudicialização surge como importante instrumento capaz de proporcionar uma considerável redução do volume dos processos, com a finalidade de desobstruir o Poder Judiciário e auxiliar para que ocorra a prestação de tutela jurisdicional pretendida de forma mais eficiente as demandas que a aguardam, tendo em vista que pode ser considerado um meio alternativo de solução de conflitos, em razão de ser um método que possibilita também o efetivo acesso à justiça.
Cabe destacar que o Poder Judiciário não pode ser apontado como único meio de acesso à justiça, tendo em vista que é possível este acesso por meio de outras vias que não as judiciais, de maneira efetiva e em tempo razoável.
Diversos doutrinadores abordam a dificuldade do acesso à justiça e apresentam como exemplos três ondas renovatórias de universalização do acesso à Justiça, sendo a primeira se referindo a ampliação de acesso ao judiciário, podendo ser destacado o art. 5º, LXXIV da Constituição Federal de 1988, no qual concede a assistência judiciária aos pobres, através da remoção das barreiras econômicas.
A segunda onda versa sobre proteção dos interesses difusos e por último a terceira onda apresentou uma nova perspectiva de acesso à justiça, no qual englobou as demais ondas e as aperfeiçoou, no qual destacou a importância da utilização de técnicas alternativas visando a resolução de conflitos, como por exemplo conciliação, mediação e arbitragem, com a finalidade de tornar mais acessível a justiça e se apropriar a cada situação fática.
As técnicas mencionadas pretendem a resolução prévia dos conflitos no qual uma vez solucionados irão contribuir para o enxugamento do judiciário, mas deixando claro que não representa sua substituição, bem como não tem por finalidade reduzir seu poder, visando de forma ampla oferecer formas aliadas de solução de demandas, surgindo assim a desjudicialização como forma de assegurar o acesso à justiça.
A nomenclatura desjudicialização tem referência à propriedade de facultar às partes comporem seus conflitos fora da esfera judicial, contanto que as partes sejam juridicamente capazes e que tenham por objeto direitos disponíveis, na procura de soluções sem a tramitação habitual dos tribunais, considerada na maioria dos casos morosa.
O fenômeno da desjudicialização no Brasil se subdivide em duas formas sendo ela a jurisdição voluntária que pode ser conceituado como procedimentos sem lide, posto inexistirem direitos contrapostos, mas sim interesses comuns e jurisdição contenciosa no qual contém as partes em conflito, ou litígio, sendo comum e rotineiro que haja litigiosidade.. A última se subdivide em autocomposição e heterocomposição, a primeira tem seus conflitos autogeridos pelas próprias partes e a segunda necessita da intervenção de um agente exterior aos sujeitos do conflito para dirimi-lo.
Portanto, fica claro que a desjudicialização indica o deslocamento de certas atividades exercidas pelo poder judiciário, para o âmbito das serventias extrajudiciais, admitindo que tais órgãos consigam realizar os procedimentos por meio administrativo, com a finalidade de trazer celeridade as ações que não envolvam litígio e consequentemente reduz a crescente pressão sobre os tribunais, ora abarrotados.
O processo de tentativa de tentar diminuir o excesso de volume no Judiciário se destaca plataformas digitais como por exemplo o site consumidor.gov.br que permite um diálogo entre os litigantes com o intuito de solução de conflitos evitando assim o ajuizamento de ações perante principalmente os Juizados Especiais.
A desjudicialização no Brasil se tornou uma realidade especialmente a partir de 2007, com a edição de leis que favorecem a composição amigável de situações sociais por meio dos serviços extrajudiciais, procurando desta forma propiciar o desafogo do Poder Judiciário.
O Conselho Nacional de Justiça, criado em 2004 através da emenda constitucional 45 teve uma grande parcela de contribuição para a incrementação da desjudicialização, pois tal método avançou tendo em vista a edição de atos normativos que contribuíram para o avanço e melhoria dos tribunais, Todavia, tem que ser citado e destacada também o Código de Processo Civil de 2015 pois em seu teor trouxe diversos artigos que contribui para o avanço da desjudicialização como por exemplo artigo 571 que prevê a divisão e demarcação de terras particulares extrajudicial. A nova ordem processual civil tem como os pilares o acesso à justiça, a efetividade e celeridade processual, bem como a solução de conflitos devidamente incentivada pelo judiciário.
Destarte, fica nítido as inúmeras alternativas que a desjudicialização traz ao Judiciário cabendo destacar algumas formas na prática sendo por exemplo a realização de casamento homoafetivo nos cartórios de registro civil, possibilidade da lavratura de escritura pública nos cartórios e tabelionatos, para os casos de inventário, partilha, separação e divórcio consensual, diante de ausência de conflito e de partes menores ou incapazes conforme lei 11.441/07.
Porém, acontece que, mesmo com todo empenho para a melhoria do Judiciário, a mentalidade de alguns operadores do Direito ainda se encontram focada a luz do antigo Código, onde o litígio era visto como a única solução. Portanto, há uma necessidade de mudança de cultura, dirimir diversas dúvidas do sistema extrajudicial dos operadores do direito que se formaram com a vigência do antigo código e a implementação de atualização aos mesmos, demonstrando a importância da evolução do Direito visando a melhoria jurisdicional.
Cabe destacar que para que o fenômeno da desjudicialização para que seja um mecanismo apto precisa proporcionar o mesmo nível garantido no processo judicial, ou seja, é necessário realizar comunicação entre as esferas judicial e extrajudicial para entrar em comum acordo os atos a serem praticados sempre a luz das garantias fundamentais do processo.
Conclui-se, portanto, que a desjudicialização representa um avanço na resolução de conflitos e contribui significativamente para desafogar o Poder Judiciário, liberando-o para cumprir adequadamente o seu mister, nas demandas que forem levadas à sai apreciação, além de se traduzir em uma nova forma de acesso à Justiça. Portanto, o aperfeiçoamento e o desenvolvimento de mecanismos processuais, simplificando os procedimentos a fim de tornar mais acessível à justiça, visa a construção de um sistema jurídico prático e eficaz e a busca incessante do escopo síntese da jurisdição, ou seja, a pacificação social.
Andreia Menezes Alves
Advogada no escritório Chalfin, Goldberg & Vainboim Advogados. Pós-graduada em Direito Civil pela Universidade Cândido Mendes. Pós-graduanda em Direito Processual Civil na UERJ.