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O intitulado "pacote anticrime", a mudança legislativa envolvendo os crimes contra a honra e a teoria da pena

Alguns artigos foram vetados da lei 13.964/19, como por exemplo, a mudança legislativa no que tange à disposição geral dos crimes contra a honra, presente no artigo 141, §2 do Código Penal.

quinta-feira, 22 de abril de 2021

Atualizado às 13:20

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Diante a globalização e o decurso do tempo, Ulrack Beck denominou as sociedades pós industriais como as sociedades de riscos, causando diversas implicações na teoria do bem jurídico. Dessa forma, o Direito Penal passou a tutelar não somente aos bens jurídicos individuais, mas também aos bens jurídicos transindividuais.¹

"Artigo 66. A casa na qual tenha sido concluída a votação enviará o projeto de lei ao Presidente da República, que, aquiescendo, o sancionará."

No dia 19 de abril de 2021, o Senado Federal derrubou, por 50 votos a 6, vetos (VET 56/2019) realizados pelo Presidente da República. É sabido que o Presidente da República pode realizar vetos a projetos de lei devidamente aprovados no Congresso Nacional, como presente no artigo 66 da Constituição Federal "Artigo 66. A casa na qual tenha sido concluída a votação enviará o projeto de lei ao Presidente da República, que, aquiescendo, o sancionará."

Diante a isso, alguns artigos foram vetados da lei 13.964/19, como por exemplo, a mudança legislativa no que tange à disposição geral dos crimes contra a honra, presente no artigo 141, §2 do Código Penal.

Dessa forma, a partir de agora, salvo fatos futuros, uma vez praticado crimes contra a honra, quais sejam: calúnia, difamação e injúria, "cometidos ou divulgados em quaisquer modalidades das redes sociais de rede mundial de computadores" a pena será triplicada, sendo, portanto, a tipificação de uma pena abstrata permitindo ao magistrado cominar as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, diante o mínimo e máximo legal, sem falar da incidência de agravantes do artigo 61 do CP, como o crime praticado "contra criança, maior de 60 (sessenta) anos, enfermo ou mulher grávida"

Por conta disso, muito se analisa se esta alteração, inserindo o parágrafo 2 nas disposições gerais dos crimes contra a honra, seria ou não proporcional, motivo este utilizado para vetar a disposição supra.

O artigo 138 do CP trata do crime de calúnia, na conduta de "caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime", tendo como pena de detenção, de seis meses a dois anos e multa, portanto, um crime alternativo que terá influência na determinação de competência do artigo 78, inciso II, alínea a do Código de Processo Penal.

Nesta perspectiva, uma vez praticado em rede mundial de computadores, a pena passará a ser de 1 ano e 6 meses a 5 anos e multa. Logo, o que caberia anteriormente um regime inicial aberto somente, desde que não seja reincidente, conforme o artigo 33, §2, alínea C do CP, fará jus ao regime semiaberto, caso haja a cominação pós dosimetria da pena acima de 4 anos e que não seja reincidente.

Uma outra mudança legislativa mais gravosa no que se refere ao crime de calúnia, em conformidade com o artigo 141, §2 do CP, é referente ao artigo 44 do CP que trata da conversão de penas privativas de liberdade em restritivas de direito e, se partirmos da lógica da pena cominada acima de 4 anos e que não tenha sido praticada com violência ou grave ameaça, ou até que tenha sido, não poderá haver a aplicação de penas restritivas, em abstrato, conforme o artigo 44, inciso I do CP. O mesmo ocorre no artigo 44, §2 do Código Penal que trata da conversão em penas de multa ou restritivas de direito, reforçando a máxima supra, se a pena for igual ou inferior a 1 ano, mas se superior a 1 ano até 4 anos, sem violência ou grave ameaça poderá haver a cominação de penas de multa e restritivas ou duas restritivas.

Nada obstante, o instituto da multa também passou por uma mudança legislativa, como presente no artigo 51 do Código Penal. Logo, a multa passará, após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, a ser uma dívida de valor a ser executada perante o juiz da execução. É sabido que, a multa não pode ser inferior a um trigésimo do maior salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato, nem superior a 5 (cinco) vezes esse salário, aplicado a no mínimo 10 dias ao máximo de 360 dias-multa, permitindo o seu parcelamento, conforme o artigo 49, 50 e 51 do Código Penal.

Ademais, o artigo 139 do CP, qual seja "difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação", possui em sua norma penal secundária pena de detenção, de três meses a um ano, e multa. Com isso, praticado nas redes mundiais de computadores, passará a ter uma pena de 9 meses a 3 anos, o que configura um cenário menos gravoso referente ao crime de calúnia. Isto, pois, ainda continuará, em abstrato, a fazer jus ao regime aberto e a conversão da pena privativa em restritiva de direitos e\ou multa.

Por fim, o artigo 140 do CP trata do crime de injúria, sendo o tipo legal "injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro", com pena de um a seis meses ou multa, o que permite, uma vez praticado conforme o artigo 141, §2 do Código Penal, ser aplicado o artigo 44, §2 do CP.

Contudo, situação mais gravosa é referente a injúria racial, quando a injúria "consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência", tendo como pena de 1 a 3 ano e multa, logo, uma vez praticado nas redes sociais, passará a ter uma pena de três a nove anos e multa. Partindo deste pressuposto, o fato em questão passará a ter um tratamento mais gravoso, é dizer, após a dosimetria da pena, mesmo sendo cominado o mínimo lega, na hipótese de não haver agravantes e majorantes, aplicando as circunstâncias judiciais de modo favoráveis do artigo 59 do CP, fará jus, em abstrato, a um regime aberto, mas ao meu ver, não será possível a conversão da privativa em restritiva no que tange ao artigo 44, inciso I do CP, por ser, ao meu ver, um crime de violência moral e psíquica, mas se neste cenário posto acima, será possível aplicar o artigo 44, inciso III do CP.

Com isso, é necessário que não esquecemos da possibilidade de aplicação do artigo 141, caput do CP, referente a majorante de 1/3 quando os crimes supra forem praticados: i) contra o Presidente da República, ou contra chefe de governo estrangeiro; ii) contra funcionário público, em razão de suas funções; iii) na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da calúnia, da difamação ou da injúria; iv) contra pessoa maior de 60 (sessenta) anos ou portadora de deficiência, exceto no caso de injúria.

Por fim, por se tratar de um crime de ação penal de iniciativa privada, digo, o querelante é que detém da pretensão acusatória, sendo o legitimado extraordinário, poderá se retratar em face do querelado, o que permitirá, somente ao crime de difamação ou calúnia, a isenção da pena, podendo ser feita nos mesmos meios que os crimes dito supra foram praticados, isto se em redes mundiais de computadores, conforme o artigo 143, caput e PU, respectivamente, do Código Penal. Entretanto, somente não haverá a incidência da ação penal privada quando: i) da injúria resultar lesão corporal; ii) no artigo 141, inciso I do CP; iii) e mediante a representação do ofendido, presente no artigo 141, inciso II do CP; iv) e, por fim, na representação do ofendido no que tange a injúria racial. Por óbvio, aos crimes de ação penal pública condicionada, também caberá a retratação antes do oferecimento da denúncia, conforme o artigo 25 do Código de Processo Penal.

Assim, cominada uma sanção penal em abstrato, os crimes contra a honra cometidos nas redes sociais passarão a ter uma aplicação dogmática e legislativa mais gravosa, seja em sede de regime de pena, conversão de privativas para restritivas e até mesmo na dosimetria da pena.

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1. BECK, Ulrich. La sociedade del Riesgo Global. Madrid: Editora Siglo Veintiuno, 2002

Rodrigo Oliveira Bacellar Barbosa

Rodrigo Oliveira Bacellar Barbosa

Graduando de Direito da Faculdade Universidade Salvador.

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