Da relação contratual e necessidade de manutenção de imóveis locados na posse de empresa em recuperação judicial
Desde o início do ano passado até o presente momento, as relações contratuais vêm alterando, em especial nos contratos de Locação de Espaços em Shopping Centers espalhados por todo o Brasil.
quinta-feira, 22 de abril de 2021
Atualizado às 08:57
Com o descontrole da pandemia, que levou a economia mundial à uma recessão, o número de desempregos, incapacidade de geração de novas receitas por pessoas jurídicas e alto endividamento bancário, o número de empresas que estão pedindo recuperação judicial cresceu absurdamente.
Ainda, neste mesmo cenário, desde o início do ano passado até o presente momento, as relações contratuais vêm alterando, em especial nos contratos de Locação de Espaços em Shopping Centers espalhados por todo o Brasil, o que é o foco deste trabalho.
As empresas de varejo, em geral, foram drasticamente afetadas, especialmente nesta nova fase emergencial que obrigou todos os lojistas a fecharem as portas (e não sabemos, ainda, quantas outras medidas de isolamento serão adotadas).
Diante das dificuldade para o cumprimento dos contratos, as relações de todas as empresas e ,em especial, as de varejo, se viram acuadas a renegociar dívidas e ingressar com a denominada revisão contratual, com a possibilidade do devedor modificar equitativamente as condições do contrato e, caso não seja possível a revisão, a rescisão contratual, nos termos do artigo 393, parágrafo único do Código Civil, se mostrando adequada ao caso fortuito ou de força maior, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.
Diante desses eventos, o que vemos é totalmente o oposto ao cenário da relação contratual, ocorrendo inúmeras ações de despejo e rescisão contratual em massa, obrigando o locatário a desocupar sua única fonte de renda.
Diante desse quadro, a falta de recurso e o acúmulo de dívidas, o ordenamento jurídico brasileiro, põe à disposição do Empresariado a possibilidade de ajuizamento de uma Recuperação, seja ela Judicial ou Extrajudicial (lei 11.101/05), com o objetivo de que a empresa salde suas dívidas, a fim de se reerguer no mercado.
Percebe-se que, o regramento contido no art. 6º, § 4º, da lei 11.101/05, que estabelece que "o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor", não vem sendo usado para as empresas de varejo em recuperação.
Referida suspensão, além de possibilitar a viabilidade do plano de recuperação judicial, também garante ao devedor a manutenção de suas atividades empresariais, o que não ocorrerá caso seja despejado.
Embora a ação de despejo movida pelo proprietário locador, para retomada da posse direta do imóvel locado à sociedade empresária em recuperação judicial, com base nas previsões da lei específica (lei do Inquilinato 8.245/91), não se submete à competência do Juízo universal da recuperação, prudente a análise de caso a caso, pois quando se trata de empresas de varejo onde sua atividade principal depende de referidos espaços, automaticamente, a essencialidade do estabelecimento para suas atividades e consequentemente o soerguimento almejado na recuperação judicial se mostra evidente.
Neste aspecto, defende-se o direito de propriedade do locador em detrimento a preservação da atividade empresarial em recuperação.
Ressalte-se que, embora haja divergência de entendimentos em nossa jurisprudência e em alguns casos aponte para a não submissão da efetivação da ordem de despejo ao juízo da recuperação, penso que a prática do ato de constrição (retomada do imóvel) adotada na esfera exclusiva da ação de despejo deve exigir cautela, porquanto poderá conduzir, muitas vezes, a situações de completa inviabilidade das atividades da empresa em recuperação judicial.
Defender o direito de propriedade do locador em detrimento a preservação da atividade empresarial em recuperação, colide com o artigo 47 da lei 11.101/05.
Em tese temos conflitos quanto a norma da lei de Inquilinato (lei 8.245/91) e da Recuperação Judicial (lei 11.101/05), onde devemos levar em consideração o critério de interpretação da norma, isso porque devemos conceber o ordenamento jurídico como um sistema aberto, em que há lacunas, ou seja, a notória antinomia, com a presença de duas normas conflitantes, válidas e emanadas de autoridade competente, sem que se possa dizer qual delas merecerá aplicação em determinado caso concreto.
O problema de antinomia propõe a aplicação de alguns critérios, sendo ele o critério cronológico (ver qual norma é mais antiga e se a segunda não revogou a anterior); critério hierárquico (aplicar o sistema hierárquico das normas) e por fim o critério da especialidade (quando a antinomia não for resolvida pelos critérios cronológico e hierárquico, aplica-se o da especialidade, no qual a lei especial afasta a aplicação da lei geral).
No caso em comento, deve-se aplicar o critério cronológico, em especial ao do artigo 47 da lei 11.101/05, quanto a Preservação da Empresa, a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.
Estes princípios norteadores da legislação falimentar são, igualmente, tratados elencados na Constituição Federal Brasileira, ou seja, norma superior que defende a preservação da empresa.
Enfim, caso não seja possível a remoção do conflito normativo, ante a impossibilidade de se verificar qual é a norma mais forte, surgirá a antinomia real ou lacuna de colisão. Deve-se valer dos metacritérios, ou seguir a mais justa ou a mais favorável, procurando salvaguardar a ordem pública ou social.
Cabe deixar claro que a questão de propriedade e posse são coisas diferentes e não se está discutindo o direito de propriedade do locador, mas sim a questão prematura do pedido de despejo em detrimento aos valores sociais, iniciativa privada e ordem econômica.
De um lado temos o direito de propriedade, porém, do outro temos grandes empresas que geram postos de trabalho, arrecadação de impostos e manutenção de sua fonte produtiva.
Além do que, em diversos precedentes nos Tribunais brasileiros, a cobrança de valores, ou seja, objeto da ação de despejo, se encontra sujeito à Recuperação Judicial, posto serem valores anteriores à distribuição da Recuperação, evidenciando-se, portanto, a incidência do art. 6º, caput, da lei de Recuperação.
Esse entendimento decorre do fato de que, enquanto as ações de despejo, possa não afetar o patrimônio da empresa submetida à recuperação, a retirada do espaço locado, o qual dá subsídio para manutenção de suas atividades e geração de renda, afeta totalmente a atividade da empresa de varejo, quanto mais a cobrança de valores que, ao revés, após a exigibilidade do crédito correspondente (motivo para o despejo), terá repercussão direta no processo de soerguimento da empresa, sujeitando-se, em contrapartida, aos efeitos da recuperação judicial, tudo nos termos do Art. 49 da lei de regência.
Portanto, diante do princípio de preservação da empresa, compartilhamos o entendimento de ser proibida a realização de despejos de imóveis em que os créditos estão sujeitos aos efeitos da recuperação judicial em detrimento a propriedade locatícia, posto ser objeto de essencialidade as atividades empresariais e geração de subsídios para seu soerguimento.
Ana Paula Nazareth Babbulin
OAB/SP 187.306 - DASA Advogados.