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As audiências virtuais e a transferência da imediatidade para o TRT

Se antes, na produção da prova oral, apenas o juiz presidente da audiência estabelecia contato direto com as partes e testemunhas, doravante, ao TRT, também será possível conectar-se ao momento dos depoimentos, possibilitando novas impressões e interpretações acerca do acervo probatório.

segunda-feira, 19 de abril de 2021

Atualizado às 17:08

Como anota o eminente processualista Mauro Schiavi, "a Justiça do Trabalho, na expressão do cotidiano, é uma justiça popular, em que o Juiz do Trabalho tem um contato maior com as partes"1, o que se dá fundamentalmente no momento da audiência - ponto alto do processo trabalhista -, não apenas por conta da forma como o processo judicial laboral foi concebido e está estruturado na CLT, mas principalmente pelos traços fortes do que se convencionou chamar de princípio da imediatidade ou imediação, regente do sistema processual do trabalho.

Não é à toa que, em reiterados provimentos jurisdicionais de segundo grau, os TRT's - instância revisora - referenciam explicitamente o citado princípio, repercutindo no especial valor dado às impressões do juiz instrutor - primeiro grau de jurisdição - a respeito da prova oral colhida, consequência do contato direto que o magistrado de piso estabelece com as partes e testemunhas em audiência.2

Com a inteligência que lhe é peculiar, o preclaro desembargador Luiz Otávio Linhares Renault sintetiza de forma primorosa a temática em estudo, fazendo uma instigante reflexão sobre o fenômeno probatório ínsito à jurisdição trabalhista e o relevo atribuído às percepções e ao sentir assimilados pelo julgador condutor da audiência de instrução, como se extrai da ementa abaixo:

"JUIZ INSTRUTOR - IMPORTÂNCIA DA VALORAÇÃO DO CONJUNTO PROBATÓRIO POR QUEM MANTÉM CONTATO DIRETO COM A CONFECÇÃO DOS ELEMENTOS, DOS MEIOS E DOS INSTRUMENTOS DA PROVA - SISTEMA DA PERSUASÃO RACIONAL. O juiz instrutor, vale dizer, aquele que colhe e tem contato direto com o conjunto probatório, é como que o cardiologista do processo: é quem melhor ausculta a verdade; é quem sente o pulsar, o palpitar, o ritmo e a coerência interior e exterior da prova, principalmente daquela de natureza testemunhal. A prova, de certa forma, é um retorno ao passado; por intermédio dela - meios e elementos - reconstituem-se fatos pretéritos, para que o juiz possa aplicar o Direito, construindo democraticamente com as partes a sentença. As maiores dúvidas, isto é, o que mais aflige ao julgador, via de regra, estão relacionadas com a matéria fática e não com o Direito. No processo do trabalho, esta angústia é mais intensa, porque quase todos os pedidos envolvem controvérsia de natureza fática. A palavra "audiência" tem origem no Latim "audire". Muito embora este vocábulo, ao longo do tempo, haja acumulado vários significados, no sentido próprio sempre reteve a ideia fundamental de "ouvir", de "estar com os ouvidos atentos"; de "escutar". A prova é o conjunto de elementos de fato, assim como dos respectivos instrumentos, que contribuem para que o juiz estabeleça a verdade a respeito das alegações das partes. De conseguinte, o juiz que ouve, escuta, e avalia as respostas, as palavras, os depoimentos, os comportamentos, as reações e as sensações das testemunhas, está mais apto à percepção e à apreensão da verdade dos fatos, embora também possa cometer equívocos. Por essa razão, o princípio da imediatidade é extremamente importante e relevante para o processo e, por conseguinte, para o julgamento dos pedidos, eis que coloca o magistrado que realizou a audiência de instrução em contato direto e imediato com os elementos da prova, partes e as testemunhas, permitindo-lhe, com base na experiência, nas impressões, na razoabilidade, na ponderação, assim como nas linguagens verbal e gestual dos depoentes, avaliar e sopesar, com maior riqueza de detalhes, inclusive de natureza sensorial, os instrumentos da prova, formando a sua persuasão racionalmente.3

E assim caminha - ou caminhava - o processo do trabalho, até que outra realidade se apresenta e novas leituras e possibilidades se impõem, sobretudo após a grave pandemia vivida nos dias de hoje, a qual determinou um ritmo ainda mais acelerado na virtualização dos espaços e das relações, atingindo também, no campo da jurisdição laboral, a forma tradicional como certos atos processuais eram feitos, notadamente a audiência trabalhista.

Neste prisma, se em época anterior, das audiências presenciais, ao TRT, como instância recursal, cabia simplesmente o exame da letra fria dos depoimentos registrados por escrito na ata, tendo que se socorrer, por vezes, para elucidar o material probatório, ao sentimento revelado na sentença pelo juiz condutor da instrução que, dada a posição privilegiada na coleta das provas, afirmava ou retirava a credibilidade dos depoentes ou das declarações por eles prestadas em juízo - princípio da imediatidade ou imediação -, nos tempos atuais, das audiências virtuais, em que se dispensa a transcrição em ata das oitivas das partes e de suas testemunhas, permitindo documentá-las por meio audiovisual - gravação, o próprio tribunal de segundo grau passa a conectar-se com o acontecimento da audiência e ter contato visual e auditivo com os depoentes, o que seguramente possibilita ao órgão colegiado extrair suas próprias impressões e interpretações no tocante à prova oral e seus personagens.

Afinal de contas, o TRT passa a ver, ouvir e sentir a audiência e os sujeitos que dela participam não mais somente pelos olhos, ouvidos e registros do juiz que a preside, mas também por seus próprios sentidos.

Se no âmbito da audiência presencial, apenas o magistrado instrutor tem contato com as partes e testemunhas, o que lhe confere melhores condições de examinar o comportamento dos depoentes e a veracidade de cada informação, doravante, na sistemática das audiências virtuais, com a gravação audiovisual dos depoimentos pessoais e oitivas testemunhais, e sua disponibilização em links, o tribunal também passa a desfrutar desta mesma posição privilegiada, porquanto passa a assistir a tudo, exatamente como ocorreu, o que certamente qualifica a função recursal do órgão de segunda instância de (re)avaliar fatos e provas.

E conquanto a novidade ainda cause incômodo, apreensão e insegurança aos que militam na Justiça Especializada, trata-se de caminho já pavimentado na lei e em atos-infralegais emanados dos órgãos responsáveis por disciplinar a matéria.

O artigo 367, § 5º do CPC preceitua que "a audiência poderá ser integralmente gravada em imagem e em áudio, em meio digital ou analógico, desde que assegure o rápido acesso das partes e dos órgãos julgadores, observada a legislação específica".

Por sua vez, o artigo 2º da Resolução 105 do CNJ estabelece que "os depoimentos documentados por meio audiovisual não precisam de transcrição".

Já o artigo 23, §4º da Resolução 185 do CSJT prescreve que "os depoimentos gravados em áudio e vídeo deverão ser disponibilizados às partes, sem necessidade de transcrição, sendo que, em caso de solicitação de fornecimento de cópia, a mídia deverá ser fornecida pelo interessado".

Neste novo cenário, portanto, a imediatidade, ou imediação, fica a cargo não apenas do magistrado de piso, mas também do próprio tribunal, que tem a oportunidade de assistir, ouvir e sentir os depoimentos pessoais das partes e de suas respectivas testemunhas, posicionando-se em patamar tão privilegiado quanto ao ocupado pelo juiz instrutor, o que permitirá aos desembargadores, na esfera recursal, extrair, para além das impressões apregoadas pelo julgador sentenciante, suas próprias conclusões sobre o comportamento, a segurança, a coerência e a credibilidade dos depoentes e de suas declarações.

______________

SCHIAVI. Mauro. Manual de Direito Processual do Trabalho. 15ª edição - São Paulo: LTr, 2018, p. 603.

2 A título de exemplo, recomenda-se a leitura dos precedentes a seguir enumerados, todos originários do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região: 0010612-26.2020.5.03.0086; 0010298-48.2020.5.03.0129; 0010070-92.2020.5.03.0058; 0011182-78.2019.5.03.0043.

3 TRT 3ª Região, 0010897-88.2017.5.03.007, Primeira Turma, Relator Des. Luiz Otávio Linhares Renault, Disponibilização 7/3/18.

Conrado Di Mambro Oliveira

Conrado Di Mambro Oliveira

Advogado especialista em Direito Individual e Coletivo do Trabalho. Pós-MBA em Negociação Empresarial pela FGV. Pós-graduado em Direito de Empresa e Direito Processual Civil. Diretor departamental de Direito do Trabalho do Instituto dos Advogados de Minas Gerais. Conselheiro fiscal da Associação Mineira dos Advogados Trabalhistas. Membro da Comissão de Direito Sindical da OAB/MG. Coordenador e professor de cursos de pós-graduação em Direito do Trabalho. Sócio do escritório Mantuano & Di Mambro Advocacia.

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