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A legalidade da prisão preventiva na ausência da revisão do art. 316, § único do Código de Processo Penal

O Pacote anticrime de 2019 incluiu no art. 316 do CPP o parágrafo único que determina a revisão nonagesimal da manutenção da prisão preventiva, sob pena de ilegalidade, como entende a jurisprudência acerca deste tema?

segunda-feira, 19 de abril de 2021

Atualizado às 17:51

A lei 13.964/19, também conhecida como pacote anticrime alterou, em seu art. 3º, diversas disposições contidas no Código de Processo Penal, dentre as quais, incluiu o parágrafo único ao art. 316 do CPP, que passou a prever a revisão da necessidade da segregação cautelar a cada 3 meses, pelo próprio órgão que decretou a medida, de ofício.

Ocorre que muita divergência se dá diante da interpretação desse dispositivo legal (o que na nossa opinião não deveria acontecer) uma vez que o poder judiciário entende que não há a ilegalidade automática na ausência do cumprimento do requisito determinado pela lei.

Assim sendo, pretendemos discorrer acerca da ilegalidade gerada pela ausência do requisito da revisão da necessidade da manutenção da prisão preventiva a cada 90 dias por parte do órgão judicial prolator da decisão segregacional.

Primeiramente, cumpre dizer que em momento anterior a vigência do pacote anticrime o art. 316 do CPP vigorava com a seguinte redação: "o juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no correr do processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem", tal redação foi dada ao dispositivo pela lei 5.349/67, que alterou a lei original.

Veja que a partir da alteração promovida em 1967 o juiz a qualquer momento que verificasse o esvaimento das circunstâncias que ensejaram o decreto prisional preventivo poderia revogar a segregação cautelar do indivíduo, no entanto, a partir de 2019, o caput do art. 316 do CPP passou a vigorar com redação que permitia ao juízo mediante requerimento, ou de ofício revogar a prisão preventiva ante a superação de seus motivos, bem como a possibilidade de nova decretação caso aparecessem novos motivos para tal.

A principal diferença de 1967 para 2019 foi a nova determinação de que é necessária a revisão da necessidade da prisão a cada 90 dias, o que antes era inexistente no ordenamento processual penal.

O art. 316, parágrafo único do CPP prevê tal necessidade sob pena de ilegalidade da prisão, no entanto, o Supremo Tribunal Federal já proferiu decisão dizendo que a inexistência da revisão trimestral prevista no parágrafo único do art. 316 do CPP não torna a prisão automaticamente ilegal, todavia discordamos dos fundamentos desta decisão, por se tratar, em nossa visão, de requisito de ordem objetiva para a manutenção da prisão sendo que sua ausência violaria o princípio da legalidade.1

O que se deve ter em mente é que o que estipula o art. 316, § único do CPP é que tal revisão deve ser feita de ofício pelo juiz, no entanto, entendemos que a prisão que não segue os requisitos legais, seja a ausência de revisão trimestral, seja a revisão feita mediante provocação do juízo, originará vício formal o que por si só já seria capaz de ensejar a ilegalidade da medida segregacional.

Outro ponto importante a ser ressaltado é que o dispositivo legal determina de forma expressa que a revisão deverá ser realizada de ofício, assim, entendemos que no caso levado a julgamento no pretório excelso foi impetrado Habeas Corpus contra decisão que determinou que o juízo de piso procedesse à referida revisão, no entanto, esse ato judicial que determinou a revisão pelo juízo de piso não está de acordo com a lei, uma vez que esta dispõe claramente exceção à inércia jurisdicional ao dizer que o juízo prolator deverá proceder à revisão da prisão de ofício.

Ficamos do lado do entendimento do Decano do STF, Ministro Marco Aurélio Mello, ao passo que a lei é clara ao determinar a necessidade da revisão de ofício do decreto prisional cautelar pelo órgão que a expediu, sendo que alterar a interpretação do que expressamente previu a legislação feriria a separação de poderes tão prestigiada no ordenamento Constitucional brasileiro. Nesta senda, o Supremo estaria invadindo a competência de produção legiferante, o que não lhe cabe.2

A tese fixada pelo Supremo, no entanto, foi no sentido de que a inobservância do prazo nonagesimal do Artigo 316, do CPP, não implica automática revogação da prisão preventiva, devendo o juiz competente ser instado a reavaliar a legalidade e a atualidade dos seus fundamentos.

Ocorre que a tese fixada no STF é contra legem, ao passo que instar o juízo prolator da medida cautelar prisional preventiva a proceder com sua revisão nonagesimal é violar o que prevê o dispositivo legal no tocante ao procedimento ex officio de revisão da prisão preventiva trimestralmente.

O que verificamos é que a prisão que não seguiu o que determina o art. 316, parágrafo único, seja pela ausência de revisão, seja pela necessidade de se violar a oficialidade da revisão determinada na lei, será ilegal e não poderá subsistir, assim sendo, a solução que a interpretação da lei nos permite chegar para este conflito seria o relaxamento da prisão que se tornou ilegal e se houverem motivos subsistentes para que o indivíduo seja mantido no cárcere preventivamente, o julgador poderá decretar novamente a medida cautelar.

A conclusão não é de fácil assimilação, ao passo que quando a prisão está eivada de ilegalidade, o indivíduo deverá ser posto em liberdade para gozar de liberdade plena, no entanto, se presentes o fumus comissi delicti ou periculum libertatis o magistrado poderá impor medidas cautelares, inclusive decretar novamente a prisão do indivíduo, o que não se pode fazer é passar-se por cima da lei, instando que órgão jurisdicional superior, após provocação invocando a ilegalidade da medida inste o órgão que tinha o dever de realizar o procedimento de ofício a proceder à revisão da medida, pois assim, o ato estará eivado de nulidade também.

A solução do Supremo Tribunal Federal não segue a linha de nosso entendimento, ao passo que até mesmo o STJ já decidiu por ser possível a imediata decretação de outra medida cautelar (incluindo-se novo decreto de prisão preventiva) imediatamente após o relaxamento da medida ilegal.3

O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, determinou que a legislação seja relativizada no que tange a oficialidade do órgão prolator da medida segregacional cautelar, pois ao analisar a ilegalidade da ausência da revisão da decisão que determinou a prisão preventiva decidiu pela possibilidade dos órgãos judiciais quando provocados para analisarem a ilegalidade da prisão preventiva em que não houve a revisão de que dispõe a o parágrafo único do art. 316 do CPP.

Dessa forma, embora não concordemos com a solução jurisprudencial, por verificarmos que a ausência do requisito legal é suficiente para eivar o ato de ilegalidade, devendo ser a medida ser relaxada, sem prejuízo de nova decretação em caso de subsistirem o fumus comissi delicti e o periculum libertatis, a jurisprudência permite que a oficialidade do juízo prolator da decisão seja relativizada para que seja instado a realizar o procedimento previsto na lei em momento que órgão superior seja provocado para análise da ilegalidade da medida.

________________

1 HC 189.948/MG - Rel. Min. Gilmar Mendes

2 STF, MEDIDA CAUTELAR NO HABEAS CORPUS 191.836 SÃO PAULO, Rel. Min. Marco Aurélio.

3 STJ, RHC 0819767-61.2017.8.13.0000/MG, 5ª T, Rel. Min. Jorge Mussi. J. 13/3/18..

Matheus Salviato Rodrigues

Matheus Salviato Rodrigues

Graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie com conclusão em julho/21, Estagiário na Advocacia Casagrande, Membro do Centro de Pesquisa e Extensão em Ciências Criminais da USP, Membro do Grupo de Estudos Riscos e Desafios Contemporâneos no combate à corrupção e ao Crime Organizado; Membro do Grupo de Estudos; Membro do Grupo de Estudos Fundamentos do Processo Penal Constitucional.

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