A relação da mulher no futebol 80 anos após sua proibição
O histórico patriarcal carregado pela modalidade traz resquícios até os dias atuais; mesmo após 80 anos de sua proibição a realidade ainda é muito difícil.
sexta-feira, 16 de abril de 2021
Atualizado às 16:13
No início dos anos 40, a prática do futebol feminino vinha ganhando espaço -em especial no subúrbio- e se consolidando de forma comedida, mostrando aos poucos o seu potencial econômico e crescendo no interesse e organização popular, de modo que alguns times femininos chegaram a fazer preliminares de jogos importantes. Mas, essa realidade não era vista com bons olhos por todos. Além de vencer as adversárias, as jogadoras precisavam lutar contra o machismo.
Criado durante a Era Vargas e vigente por quatro décadas, o Decreto Lei 3.199 de 14 de abril de 1941 que estabelecia as bases de organização dos desportos em todo o país, trouxe em seu artigo 54 a vedação da prática de esportes incompatíveis com as condições de natureza das mulheres, restando proibido, para elas, o exercício de esportes como o futebol.
Durante o regime militar a proibição foi expressa pelo Conselho Nacional de Desportos, por meio da deliberação número 7 de 1965: "Não é permitida a prática feminina de lutas de qualquer natureza, futebol, futebol de salão, futebol de praia, polo, halterofilismo e beisebol", fato que deixou as mulheres no futebol ainda mais expostas à ilegalidade.
Durante o período, a censura não afetou a paixão e a vontade das mulheres de praticarem o esporte, de modo que por muitas vezes o faziam à noite, sendo muito comum ainda a aparição repentina da polícia, que considerava o fato um escândalo. Assim são os primeiros traços da história das mulheres no futebol: marcados por um grande retrocesso.
Apenas em 1979, com a revogação da deliberação número 7 e a partir do aumento das liberdades individuais, que surgiram os primeiros times e ligas não clandestinas de futebol feminino. A regulamentação da modalidade ocorreu apenas 4 anos depois, em 1983, autorizando a categoria a competir, criar calendários e utilizar estádios. Mas, ao invés de melhores condições, as regras trazidas reforçavam a ideia de sexo frágil; entre elas, ficou determinado que o jogo deveria ter 70 minutos e não 90, a trave tinha que ser menor, a bola mais leve e não era permitida a cobrança de ingressos.
O histórico patriarcal carregado pela modalidade traz resquícios até os dias atuais; mesmo após 80 anos de sua proibição a realidade ainda é muito difícil. O pouco incentivo e a falta de patrocinadores, além da desigualdade de gênero e a disparidade salarial entre o futebol feminino e masculino explicitam a luta a ser travada diariamente. Esse último ficou evidente em um levantamento feito em 2021 pelo UOL, que constatou que o melhor jogador brasileiro da atualidade, Neymar, passou a receber do PSG em 2020 US$70,5 milhões anuais (aproximadamente R$372,1 milhões), enquanto a melhor jogadora brasileira, Marta, passou a receber no mesmo ano do Orlando Pride US$50 mil anuais (R$236,9 mil).
Visando diminuir essa disparidade, desde 2019 alguns importantes passos rumo à consolidação do futebol feminino foram dados. A FIFA deu um grande destaque à modalidade, estipulando como meta que 60 milhões de mulheres pratiquem o esporte até o ano de 2026; seguindo o mesmo caminho, a Conmebol e a CBF criaram regras obrigando os grandes clubes a terem uma equipe feminina adulta e uma de base em seus quadros; e além disso, de forma inédita, a última Copa do Mundo de Futebol Feminino foi transmitida em grandes veículos da televisão brasileira.
Assim, após 80 anos do Decreto Lei que proibia a prática do futebol feminino no Brasil, finalmente a expectativa para os próximos anos é otimista, espera-se que haja uma devida valorização dessas profissionais, se pautando em grandes medidas e no importante apoio da mídia, de modo que o mercado as pague mais e (o mais importante) corretamente.