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O âmbito de proteção do direito à alimentação

Uma breve apresentação da perspectiva pós-positivista acerca das garantias asseguradas pelo direito à alimentação, incluído no art. 6º da Constituição Brasileira por meio da Emenda Constitucional 64/10.

sexta-feira, 16 de abril de 2021

Atualizado às 10:26

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Introdução

Diante de um cenário em que o direito à alimentação representa um tema pouco explorado no Direito brasileiro, muitas vezes sendo confundido com o direito à saúde, um direito social já bastante consolidado, a presente contribuição, visa apresentar, sucintamente, a definição do âmbito de proteção do direito à alimentação no Brasil, tomando como base a dissertação de mestrado desta autora, intitulada "O âmbito de proteção do direito à alimentação: uma perspectiva pós-positivista deste direito fundamental social", defendida em 03 de maio de 2019, pela faculdade de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora e publicada, em resumo, na obra Direito à Saúde: judicialização e pandemia do novo coronavírus (ARAÚJO, 2020).

Direito à alimentação: um direito fundamental social em ascensão no Direito brasileiro 

Por ser um direito fundamental, o direito à alimentação é regulado, constitucionalmente, sob a forma de uma norma da natureza dos princípios, refletindo um mandado de otimização. À luz da Teoria dos Direitos Fundamentais (ALEXY, 2015), tal norma ordena que o seu âmbito de proteção seja garantido na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes no caso concreto.

Consequentemente, o direito à alimentação encontra-se constantemente sujeito a inúmeras colisões com os demais direitos fundamentais assegurados pela Constituição (BRASIL, 1988).

Além de um direito fundamental, no Ordenamento Jurídico Brasileiro, o direito à alimentação representa, ainda, um direito fundamental social, ou seja, trata-se de um direito humano constitucionalmente positivado e que demanda prestações em sentido estrito do Estado para a sua garantia e efetividade.

De acordo com Robert Alexy (2015) os direitos fundamentais sociais são direitos que caso os indivíduos possuíssem meios financeiros suficientes para demandá-los e houvesse oferta suficiente no mercado, poderiam ser obtidos através de particulares, contudo, ante a falta de tais elementos, necessitam ser oferecidos pelo Estado, que figura, portanto, como o seu destinatário originário.

Além disso, segundo a concepção de Toledo (2017), os direitos fundamentais sociais são direitos subjetivos justiciáveis, ou seja, caso sejam desrespeitados (violados) pelo seu destinatário originário, tornar-se-ão imediatamente arguíveis perante o Judiciário, Poder competente para intervir e sanar as omissões ou violações causadas pela atuação (ou falta de atuação) dos Estados na garantia dos direitos fundamentais sociais. Destarte, sendo o Estado o destinatário originário do direito à alimentação, sempre que houver uma abstenção ou violação daquele quanto a garantia ou efetividade de tal direito fundamental social, o mesmo tornar-se-á, imediatamente, arguível perante o Poder Judiciário.

Daí a importância de apreender o âmbito de proteção de um direito fundamental, pois assim os sujeitos (coletiva ou individualmente) tornam-se capazes de compreendam as garantias decorrentes deste direito fundamental e, consequentemente, podem exigi-lo do Estado, especialmente quando houver uma omissão ou uma violação, seja pelo Poder Público, ou por terceiros.

O âmbito de proteção de um direito fundamental é, portanto, tudo aquilo que é protegido pela norma constitucional, englobando inúmeras condutas, situações e posições jurídicas, as quais estão sujeitas a restrições (SILVA, 2010).

Com o intuito de aferir as garantias asseguradas pelo direito à alimentação, as quais devem representar os parâmetros para a formulação de políticas públicas, o liame para elaborações legislativas e, ainda, o subsídio para eventuais ações judiciais, levando em consideração a análise dos fatores sociais, culturais, políticos e econômicos, desenvolvi em minha dissertação de Mestrado¹ um estudo com o objetivo de definir o âmbito de proteção deste direito fundamental social.

No estudo foram adotadas, entre as muitas contribuições do Pós-Positivismo, as seguintes premissas básicas:

(i) o reconhecimento do forte conteúdo valorativo dos direitos fundamentais e a compreensão da natureza jurídica das normas de direitos fundamentais sociais. No Pós-Positivismo a norma deixa de ser pura representação do Direito, passando a englobar, em seu conteúdo, os valores, representados pelos princípios, e a observância destes, quando da interpretação e aplicação do Direito, passou a ser vinculante (DWORKIN, 2002).

(ii) a distinção das normas constitucionais em regras e princípios. Para a concepção Pós-Positivista o termo norma passou a ser definido como gênero do qual são espécies as regras e os princípios, sendo as regras aquelas normas são aplicadas na medida do tudo ou nada e os princípios, por sua vez, as normas que são aplicadas na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e fáticas que permeiam cada caso concreto (DWORKIN, 2002 e ALEXY, 2015).

(iii) o reconhecimento da força normativa dos direitos fundamentais sociais. Na concepção de Hesse (1991), as normas constitucionais devem ser expressão tanto de um ser, quanto de um dever ser, ou seja, elas devem ser um reflexo das condições fáticas de sua vigência, particularmente, as forças sociais e políticas e, ao mesmo tempo, devem ser dotadas de normatividade. Consequentemente, os direitos fundamentais, entre eles o direito à alimentação, detém força normativa, possuindo a capacidade, intrínseca a sua natureza de norma constitucional, de ordenar e conformar a realidade, ao mesmo tempo em que é lapidado e construído pela realidade histórica em constante evolução.

(iv) a percepção da existência de garantias, restrições e limites aos direitos fundamentais. Contribuições teóricas que detiveram o importante papel de sedimentar a ideia de que o direito à alimentação, por ser um direito fundamental, possui um espectro de proteção amplo, ou seja, o seu âmbito de proteção engloba inúmeras condutas, situações e posições jurídicas, as quais estão sujeitas a inúmeras colisões. Nesse sentido, é importante que tais restrições ao direito fundamental sejam submetidas ao crivo da proporcionalidade², a fim de garantir a racionalidade da decisão que, eventualmente, afaste, em concreto, o direito à alimentação.

Após desenvolver o substrato teórico necessário para a compreensão dos conceitos utilizados como premissas básicas, a pesquisa ateve-se a análise da trajetória de construção e aperfeiçoamento das garantias decorrentes do direito à alimentação no cenário internacional e nacional, evidenciando um percurso que ainda se encontra em processo de evolução, contando com um intenso trabalho de construção multidisciplinar.

Para uma definição a priori das garantias do direito à alimentação, as quais, diga-se por importante, encontram-se em um vertiginoso e importante processo de estruturação, especialmente em razão da proximidade muito grande entre a alimentação e a dimensão cultural das relações sociais, a pesquisa tomou como principais fundamentos as contribuições trazidas pelo Comentário Geral número 12 (ONU, 1999) no contexto internacional e pelo Guia Alimentar para a População Brasileira (BRASIL, 2014), no contexto nacional.

A conclusão alcançada, em suma, foi a de que o direito à alimentação, atualmente, deve ser compreendido como sendo o direito de todos à uma alimentação adequada e, uma alimentação adequada, por sua vez, deve levar em consideração um conjunto de elementos que buscam em sua essência assegurar a todos o acesso físico, econômico e social à alimentação adequada, suficiente, segura e nutritiva, considerando-se, ainda, as especificidades alimentares individuais que demandam terapias nutricionais especiais e as tipicidades culturais de cada região do país (ARAÚJO, 2020).

No Brasil, mais especificamente, concluiu-se que o direito à alimentação deve ser compreendido como sendo o direito de todos ao acesso a uma alimentação baseada especialmente em alimentos in natura ou minimamente processados e, portanto, saudáveis e nutritivos ou naqueles indispensáveis para as dietas que demandam terapias nutricionais especiais, devendo tais alimentos ser produzidos de forma sustentável, tal alimentação deve, ainda, ter como fundamento a disponibilidade de alimentos produzidos de forma sustentável, além de ser realizada regularmente e em ambientes apropriados e de modo planejado, permitindo-se, assim, que o alimentante dedique a ela o tempo que merece, observada, ainda, a cultura culinária de cada região do país e o prazer decorrente do ato de comer adequadamente (ARAÚJO, 2020).

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1. Pesquisa Intitulada "O âmbito de proteção do direito à alimentação: uma perspectiva pós-positivista deste direito fundamental social", defendida na data de 03 de maio de 2019, pela faculdade de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora. Disponível aqui

2. A máxima da proporcionalidade representa importantíssima contribuição proposta por Alexy para o estudo dos direitos fundamentais, eis que, após serem observadas as suas máximas parciais (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito), permite identificar, em concreto, a regra jurídica que, enquanto mandamento definitivo, será aplicada por subsunção à situação empírica, sem que seja deixado espaço para arguir eventual subjetividade (TOLEDO, 2017).

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ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2015.

ARAÚJO, L. L. R. O âmbito de proteção do direito à alimentação: uma perspectiva pós-positivista deste direito fundamental social. In: Luciana Gaspar Melquíades Duarte; Víctor Luna Vidal. (Org.). Direito à Saúde: judicialização e pandemia do novo coronavírus. 1ed.São Paulo: Thomson Reuters, 2020, v.  p. 489-522.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988.

BRASIL. Guia alimentar para a população brasileira: promovendo a alimentação saudável. 2. ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2014.

DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1991

ONU (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS). Comentário Geral número 12: O direito humano à alimentação (art. 11). Comitê de Direitos Econômicos, Sociais Culturais do Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU. 1999.

SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos Fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2. ed. São Paulo. Malheiros, 2010.

TOLEDO, Cláudia. Mínimo existencial - A Construção de um conceito e seu tratamento pela Jurisprudência Constitucional Brasileira e Alemã. Revista de Propriedade Intelectual - Direito Contemporâneo e Constituição, Aracaju, Ano VI, v. 11, 01, p. 102-119, fev. 2017.

Larissa Ladeira Resende Araújo

Larissa Ladeira Resende Araújo

Mestre em Direito e Inovação pela UFJF, especialista em Direito Processual Civil pela Faculdade Damásio; Graduada em Direito pela UFJF; Advogada há 6 anos, com experiência em direito médico e da saúde

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