A crise da pandemia como fator para a adaptação do plano diretor e do planejamento estratégico das cidades
Reordenação com vistas à cidade inclusiva e equivalente.
sexta-feira, 16 de abril de 2021
Atualizado às 12:47
[...] é preciso fazer a cidade reagir. Cutucar uma área de tal maneira que ela possa ajudar a curar, melhorar, criar reações positivas e em cadeia. É indispensável intervir para revitalizar, fazer o organismo trabalhar de outra maneira.1
1. Perspectiva pré-pandemia
Novas adversidades estavam por vir enquanto, no inverno de Nova York, imersa no 'Countryside, The Future' no Solomon R. Guggenheim Museum, pesquisava os desafios a serem enfrentados para viver com qualidade e dignidade nas cidades (lato sensu), num ambiente sustentável e inclusivo, em condições tais que efetivamente entreguem ao eleitor, o título de cidadania. A instigante exposição, pronuncia-se sobre questões ambientais, políticas e socioeconômicas voltados para os territórios rurais que, tal-qualmente os urbanos, formam a cidade. Os estudos que deflagraram a exposição foram realizados pelas lentes dos arquitetos urbanistas Rem Koolhaas2 e Samir Bantal (Office for Metropolitan Architecture - OMA), com contribuições de alunos da Harvard Graduate School of Design em Cambridge, Massachusetts, da Academia Central de Belas Artes de Pequim, da Universidade de Nairobi e da Universidade de Wageningen na Holanda.
O urbanista polonês, Kuba Snopek3, especialista em planejamento, habitação coletiva e preservação do patrimônio imaterial, num artigo que decifra a exposição 'Countyside, The Future', destaca 'O argumento básico da exposição: enquanto os arquitetos estavam ocupados fetichizando as cidades, a transformação verdadeiramente interessante estava acontecendo fora das áreas urbanas.' Conforme reflexões de Snopek, renomado pesquisador de espaços públicos urbanos, 'O que vem ocorrendo no "campo" - um termo que os próprios curadores chamam de "flagrantemente inadequado" - é emocionante, inspirador, cheio de energia inovadora e requer uma análise mais detalhada.'
Vale acentuar que Rem Koolhaas e Samir Bantal investigam o espaço pela premissa de que o campo é o território mais atraente e adequado para uma ampla ocupação, considerando 'a concepção moderna de lazer, planejamento em grande escala por forças políticas, mudança climática, migração, ecossistemas humanos e não humanos, preservação voltada para o mercado, coexistência artificial e orgânica e outras formas de experimentação radical que estão alterando paisagens em todo o mundo.'4
Naquele tempo, debruçados sobre estudos de modelos de uso e ocupação do solo, não imaginávamos que os desafios seriam ampliados por uma variável que deflagraria impactos indiscutivelmente significativos. Ao tempo em que pensávamos o futuro sob a perspectiva do que conhecíamos, associada a previsões aparentemente arrojadas e dinâmicas (hoje podem ser categorizadas como 'modestas'), o "vírus de Wuhan", invisível aos olhos das barreiras alfandegárias, silenciosamente, ultrapassava fronteiras, sem qualquer cerimônia com a soberania nas Nações. Enquanto isso, não obstante o receio de ocorrência de uma brusca ruptura de perímetros, acreditávamos que vírus estava guarnecido numa circunscrição geográfica além de nossos territórios e, nesse contexto de suposição, as notícias pautadas na percepção de 'surto' espraiavam-se e ainda assim, a despeito de vidrados nos noticiários, seguíamos a vida sem a consciência da aceleração dos riscos dada a 'imigração' em curso e, sobretudo, sem o conhecimento acerca da extensão dos efeitos do vírus e como combatê-lo.
Ocorre que o surto, consistente na disseminação repentina e inesperada da doença, dentro de uma área geográfica delimitada, em pouco tempo multiplicou-se e avançou para outras regiões, com índices alarmantes de contaminação, transmudando-se para epidemia. Em 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde - OMS informou a disseminação mundial da doença em escala intensa de infecção, declarando, através do pronunciamento de Tedros Adhanom Ghebreyesus, que a COVID-19 foi recategorizada, passando para o patamar de pandemia, demandando ações integradas envolvendo todos os chefes de Estados, ainda que em países com rara incidência naquele momento. Em apertada síntese, a OMS recomendou: 'preparem-se e estejam prontos'; 'detectem, protejam e tratem'; 'reduzam a transmissão'; 'inovem e aprendam'.5
Inicialmente conhecido como 'vírus de Wuhan', recebeu a designação oficial de SARS-CoV-2 (Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2) após as nomenclaturas 'novo coronavírus 2019' e 'vírus da Covid-19'. Em que pese tantos nomes, o que temos como assustador, são as tantas variantes do vírus, evento que exacerba e avulta os planos de ação destinados à sua inativação, tendo em vista que a nova cepa acresceu magnitude e severidade às contaminações e seus impactos na saúde pública, na economia e no modo de vida, criando situações propícias a vulnerabilidades, além de ampliar e agravar as condições de vulnerabilidade preexistentes.
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1 LERNER, Jaime. Acupuntura Urbana. Rio de Janeiro: Ed. Record. 2a ed., 2005, p.7.
2 Rem Koolhaas é um importante colaborador no ensino e na execução da arquitetura marcada pela transformação do modo de vida das pessoas. Em 1994 foi homenageado pelo MOMA, através de uma exposição sobre seus trabalhos. Na década de 70, ao lado de Madelon Vriesendorp, Elia e Zoe Zenghelis fundou o Office for Metropolitan Architecture - OMA, com sede em Rotterdam, que, dentre inúmeros trabalhos de destaque, elaborou o Plano Diretor do Euralille: 'Em 1989, a Euralille, uma parceria público-privada, contratou a OMA para planejar um vasto programa que consiste em mais de 800.000 metros quadrados de atividades urbanas - uma nova estação de TGV, shopping, escritórios, estacionamento, hotéis, habitação, uma sala de concertos, congressos - construído em 120 hectares no local das antigas fortificações da cidade de Vauban.' Disponível clicando aqui. Acesso em: 28 mar. 2021. Dentre um diversidade de trabalhos que concedeu notoriedade ao arquiteto, vale citar o projeto que desenvolveu ao lado de Ole Scheeren (OMA), a sede da Televisão Central da China, no centro financeiro de Pequim.
3 SNOPEK, Kuba. Por fora das metrópoles: decifrando a exposição "Countryside, The Future" de Rem Koolhaas. Tradução por SBEGHEN Camilla. Disponível clicando aqui Acesso em: 24 mar. 2021.
4 EUA. SOLOMON R. GUGGENHEIM MUSEUM. Disponível clicando aqui Acesso em: 24 mar. 2021.
5 OPAS-Organização Pan-Americana da Saúde. OMS afirma que COVID-19 é agora caracterizada como pandemia. Brasília. 2020. Disponível clicando aqui. Acesso em: 24 mar. 2021.
Vanusa Murta Agrelli
Pós-graduanda em Planejamento e Gestão de Cidades no Programa de Educação Continuada da USP. Especialista em Gestão Ambiental pela UFRJ. Mestre em Ciências Jurídicas pela Univali. Sócia do escritório Murta Agrelli Advocacia.