Falta de coesão do governo Bolsonaro e seus efeitos negativos
O centralismo sem igual do senhor presidente da República não consegue manter nos quadros da administração pessoas com visões técnicas, pois ele promove substituições sempre que tiver contrariado seus interesses pessoais.
quarta-feira, 14 de abril de 2021
Atualizado às 12:27
O senhor Jair Bolsonaro, eleito pela expressiva maioria da população como alternativa para a retomada do crescimento econômico, estabilidade das instituições públicas e combate à corrupção, desde o início, mostrou-se muito frágil na condução das políticas públicas, por conta de seu radicalismo de direita, e falta de um plano consistente nos dois primeiros anos de seu governo, situação que não foi corrigida no terceiro ano de mandato. Ao contrário, neste ano que antecede o pleito eleitoral de 2022, e em meio à fase mais aguda da pandemia, a falta de firmeza na condução das políticas públicas agravou-se sobremaneira com remanejamentos de titulares de importantes pastas ministeriais, inclusive, com a inusitada alteração simultânea no Comando das três forças singulares que compõem as Forças Armadas, criando uma situação, no mínimo, desconfortável no seio da corporação militar. Seguiu-se, também, o remanejamento nos cargos de segundo escalão: o diretor da Polícia Federal foi trocado pela 3ª vez, e o cargo de diretor da Polícia Rodoviária, igualmente, foi alterado.
O centralismo sem igual do senhor presidente da República não consegue manter nos quadros da administração pessoas com visões técnicas, pois ele promove substituições sempre que tiver contrariado seus interesses pessoais que são frequentemente confundidos com os interesses do Estado.
O quadro administrativo instável resulta em descontinuidade do serviço público e o governo acaba perdendo a sua articulação com o Poder Legislativo por ausência de um interlocutor efetivo, estável e eficiente.
Resultado dessa desorganização administrativa do governo Bolsonaro, caracterizada pela instabilidade dos cargos ministeriais, foi a aprovação do orçamento de 2021 com três meses de atraso, contendo R$ 27,2 bilhões a título de emendas parlamentares de obrigatória execução. Essas verbas são direcionadas para as despesas de investimentos que no total monta a R$ 56 bilhões, isto é, quase metade das despesas fixadas a esse título.
O ministro Paulo Guedes diz que é impossível a execução desse orçamento. Sustenta que houve extrapolamento do acordo firmado como o Parlamento, inicialmente, no valor de R$ 8 bilhões, e posteriormente ampliado para R$ 16 bilhões, mas, nunca 27,2 bilhões.
A Câmara dos Deputados se defende sustentando que houve acordo com o governo para chegar ao teto de R$ 27,2 bilhões. O ministro Paulo Guedes referiu-se ao episódio como "ministro fura-teto" sinalizando a interferência de outros ministros na ligação com o Congresso Nacional para proceder à discussão e votação do orçamento anual de 2021, resultando no desastre retroapontado.
Não se sabe se a desorganização administrativa do Executivo resulta de incapacidade de coordenação do dirigente maior, ou se é proposital o atropelamento do interlocutor natural nessa questão que é o ministro da Economia.
Seja como for, com vários governantes, resultante da mistura do sistema presidencialista de governo com o sistema parlamentarista de governo resultou no sistema promiscuista, eufemisticamente denominado de presidencialismo de coalizão.
Neste particular, diga-se a bem da verdade, não é culpa do senhor presidente da República. O problema reside na Constituição de 1988 com arcabouço próprio de um sistema parlamentar de governo, porém com a adoção formal do sistema presidencialista de governo por manobra de última hora do então presidente José Sarney. Desde então, inaugurou-se a atuação conjunto do Executivo/Legislativo na linha da parêmia "é dando que se recebe" ou "dá cá e toma lá".
O senhor presidente assumiu o cargo de primeiro mandatário da nação com o discurso de acabar com essa política de "dá cá e toma lá". Deu com burros n'água. E a velha política foi restabelecida com outro formato que inclui a aumento de verbas oriundas de emendas parlamentares. No primeiro ano de seu mandato foi promulgada a EC 100, 26-6-2019, introduzindo as emendas de bancadas de parlamentares dos Estado e do Distrito Federal, elevando consideravelmente as despesas de execução compulsória a cargo de parlamentares.
Governar é ato de direcionar a execução das despesas públicas. É por meio da execução dessas despesas que se exerce o governo.
Com tantos atores querendo governar (513 deputados) parece óbvio que o País vai à deriva. O governo deve ser de uma só pessoa eleita pelo voto popular. O exercício do poder é solitário, não comportando compartilhamento com familiares, amigos ou parlamentares. O presidente da República deve governar segundo as leis aprovadas pelo Congresso Nacional que, sabidamente, não tem função de governar como acontece com a aplicação de verbas resultantes de emendas parlamentares.
Como são visíveis os sinais para se impedir o veto a essas emendas parlamentares, ou a sua derrubada caso se concretize o veto, poucas manobras políticas restam ao governo para superar o impasse criado por conta da falta de coesão do governo que vive extinguindo Ministérios substituindo-os por Secretaria para pouco temo depois recriar os Ministérios extintos com a extinção das Secretarias. Nesse ritmo o mandato do senhor presidente Jair Bolsonaro irá se exaurir sem que ele tenha logrado efetuar, em definitivo, a composição de órgãos essenciais da administração pública.
O quadro financeiro do Estado está muito complicado. O Executivo deve fazer investimentos de acordo com o plano de governo, enquanto o Legislativo também disputa a primazia nos investimentos nas áreas de sua livre escolha, até o limite de R$ 27,2 bilhões.
Quando se confundem as funções de legislar com as de executar tudo se complica. O princípio da independência e harmonia dos poderes está sendo esvaziado por sucessivas emendas que não obedecem ao disposto no inciso III, do § 4º, do art. 60 da CF. Aliás, diga-se de passagem, nenhum dos três Poderes está obedecendo a Constituição.
Como tradicionalmente a LOA jamais foi cumprida em sua integralidade por nenhum dos governantes no pós Constituição de 1988, resta ao senhor presidente a execução do orçamento à sua descrição de forma a melhor atender aos interesses da sociedade, promovendo as despesas de investimento onde julgar necessários e imprescindíveis, com o fito de assegurar a expansão da capacidade produtiva do País, bastante abalado pelo prolongamento do estado de pandemia.
Uma forma de promover esses gastos de forma discricionária é a de lançar mão dos fabulosos recursos que compõem o Fundo sem nome, conhecido pela sigla DRU, composto de 30% da arrecadação de todos os tributos da União, excetuadas as arrecadações da contribuição previdenciária.
Os próprios parlamentares que tornaram inviável a execução orçamentária já reconhecem que eventual execução do orçamento com desvios de verbas não caracterizaria o crime de responsabilidade.
Afinal de conta o orçamento não é um fim em si mesmo, mas um meio para promover o bem comum, mediante execução de despesas públicas, preservando ao máximo o equilíbrio das contas públicas.
Por derradeiro, para azedar ainda mais o já complicado quadro político-institucional, o senhor presidente da República abriu uma crise com o STF ao atacar, em linguagem emotiva como é do seu estilo, o ministro Roberto Barroso que deferiu a medida liminar determinando a instauração da CPI da covid-19 nos estritos termos do § 3º, do art. 58 da CF. O dois Senadores oposicionistas que recorreram ao STF não deveriam ter judicializado essa questão política em meio a pandemia, que dificulta o funcionamento de uma CPI devido aos riscos de contaminação de seus membros, servidores do Senado e das pessoas a serem ouvidas. Afinal, nenhum órgão público está funcionando presencialmente, nem o STF. O que é pior, o resultado é presumível, pois nenhuma das três CPIs instauradas por determinação do STF deu qualquer resultado (CPI dos Bingos, CPI do apagão aéreo e CPI da Petrobras).
Porém, o ministro Barroso sorteado que foi como Relator limitou-se a aplicar o cristalino texto constitucional, pois não lhe cabe invocar juízo de oportunidade e conveniência para deferir ou não a medida pleiteada.
Por isso, atacar o ministro que deferiu a medida só irá contribuir para a desarmonia entre os Poderes causando o esvaziamento ou a inoperância da recém criada Comissão Nacional de Combate à Pandemia, composta por representantes dos três Poderes.