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Da prescritibilidade da ação indenizatória por violação a Direitos Morais do autor

A pretensão de ser indenizado por violação ao direito moral de autor (como no caso concreto) configura reparação civil e, portanto, está sujeito ao prazo prescricional.

segunda-feira, 12 de abril de 2021

Atualizado às 12:24

Em 2 de fevereiro de 2021, o Superior Tribunal de Justiça julgou o Recurso Especial 1.862.910/RJ, sob Relatoria do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, oportunidade na qual reafirmou ser prescritível a ação indenizatória por violação a direitos morais do autor, aplicando-se ao caso o prazo de prescrição trienal previsto no art. 206, § 3º, V, do Código Civil. O precedente reformou decisão de tribunal estadual que havia reconhecido a imprescritibilidade da ação indenizatória por violação a direitos morais de autor.

No caso concreto, trata-se de ação de indenização por danos materiais e morais, ajuizada em 2011, por autor contra gravadora afirmando ser de sua autoria a obra fotográfica indevidamente modificada para ilustrar CD, lançado em 2004.

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro deu parcial provimento ao recurso do autor e condenou a empresa ao pagamento de indenização por dano moral no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), sob o fundamento de que a pretensão indenizatória por violação a direito moral do autor, por configurar expressão do direito da personalidade, seria imprescritível.

No Brasil o direito autoral é inspirado no sistema francês, compreendendo direitos morais e patrimoniais do autor (artigo 22 e seguintes da lei 9.610/98). Carlos Alberto Bittar define esses direitos da seguinte forma:

"Com efeito, cada bloco de direitos cumpre funções próprias: os direitos de cunho moral se relacionam à defesa da personalidade do criador, consistindo em verdadeiros óbices a qualquer ação de terceiros com respeito à sua criação; já os direitos de ordem patrimonial se referem à utilização econômica da obra, representando os meios pelos quais o autor dela pode retirar proveitos pecuniários."1

Assim, conclui Carlos Alberto Bittar que "o direito moral é a base e o limite do direito patrimonial que, por sua vez, é a tradução da expressão econômica do direito moral."2 O artigo 27 da Lei de Direitos Autorais preceitua os direitos morais do autor como "inalienáveis e irrenunciáveis". Por ser compreendido como um direito da personalidade, é reconhecido na doutrina que os direitos morais também devem ser tidos como imprescritíveis.

Como bem ressaltado pelo STJ, a imprescritibilidade garante que o autor possa impor a quaisquer terceiros, que violem os direitos morais, obrigações de fazer ou não fazer visando a preservá-los. Assim, pode o autor exigir, a qualquer tempo, que terceiro mantenha a integridade de sua obra ou aponte o seu nome como autor (reivindicar autoria), sob pena de multa ou outras medidas coercitivas previstas na legislação processual.

Contudo, a pretensão de ser indenizado por violação ao direito moral de autor (como no caso concreto) configura reparação civil e, portanto, está sujeito ao prazo prescricional previsto no art. 206, § 3º, V, do Código Civil3. Como bem destacado pelo STJ, referido dispositivo "não faz qualquer diferença quanto à natureza do direito cuja violação deu origem à pretensão de reparação civil".

Nesse mesmo sentido, defende Rodrigo Moraes: "O que é imprescritível é a pretensão de garantir o exercício do direito moral, e não a de reparar pecuniariamente eventual dano sofrido. Por isso, a inércia do autor acarreta a perda da pretensão à reparação decorrente de seu direito violado."4

O Ministro Moura Ribeiro pediu vista para complementar o voto do ministro relator Paulo de Tarso Sanseverino e, no mesmo sentido do voto do Relator, teceu valiosos esclarecimentos sobre a prescritibilidade da pretensão do autor de obter indenização pela violação de seus direitos morais:

Por serem inerentes aos direitos da personalidade, os direitos morais do autor não se exaurem pelo não uso ou pelo decurso do tempo, sendo autorizado ao autor, a qualquer tempo, pretender a execução específica dessas obrigações de fazer ou não fazer.

Por outro lado, a cobrança dos direitos decorrentes da reprodução da obra fotográfica sem a prévia e expressa autorização do autor se insere na pretensão de reparação civil, uma vez que a ausência de pagamento dos valores referentes aos direitos autorais implica inobservância de um dever legal, com inegável prejuízo ao titular ou beneficiário.

Nesse passo, a retribuição pecuniária por ofensa ao direito moral do autor se submete ao prazo prescricional de três anos previsto no art. 206, § 3º, do CC/02. (pg. 22/23)

O precedente do STJ é relevante, portanto, por reafirmar a diferenciação entre o prazo para o exercício dos direitos morais de autor e para o exercício da pretensão indenizatória por violação a tais direitos. Ainda que os direitos morais sejam tidos por imprescritíveis, a pretensão de reparação civil por violação a tais direitos prescreve no mesmo prazo trienal da pretensão reparatória por violação aos direitos patrimoniais de autor (art. 206, § 3º, V, do Código Civil).

A decisão do STJ restabelece segurança jurídica quanto ao prazo prescricional em casos semelhantes, haja vista que a imprescritibilidade deve ser sempre a exceção, e não a regra, no ordenamento jurídico, a depender de expressa previsão legal. Vale destacar, ainda, que o próprio STJ tem jurisprudência consolidada5 no sentido de admitir que, no caso de violação continuada a direitos autorais, cada nova violação faz surgir uma pretensão indenizatória, de maneira que o autor prejudicado tem tempo mais do que suficiente para buscar reparação por violação ao seus direitos autorais.

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1 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor. 4ª edição. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008, p. 46.

2 Ibidem, p.  47

3 Art. 206. Prescreve:

§ 3º. Em três anos:

V - a pretensão de reparação civil.

4 MORAES, Rodrigo. Os direitos morais do autor: repersonalizando o direito moral autoral. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008, p. 14)

5 Nesse sentido, AgRg no AREsp 661692/RJ, 3ª Turma, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 27.6.17 e REsp 1014624/RJ, 3ª Turma, Rel. Min. Vasco Della Giustina, julgado em 10.3.09.

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*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.
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Carlos E. Strasburg Jr.

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Associado de Pinheiro Neto Advogados

Beatriz Pyrrho

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