A confidencialidade como atrativo à arbitragem: Análise quanto à eficiência da mitigação da confidencialidade arbitral pelo juízo estatal
A arbitragem apresenta como vantagens a solução rápida, confidencial e especializada do conflito, que, por sua vez, estão diretamente ligadas aos interesses empresariais.
sexta-feira, 9 de abril de 2021
Atualizado às 12:38
A arbitragem vem ganhando cada vez mais força no cenário brasileiro como método alternativo heterocompositivo de resolução de conflitos, em face dos percalços enfrentados pelas partes perante o Poder Judiciário na obtenção da tutela jurisdicional.
Isso, porque, a arbitragem apresenta como vantagens a solução rápida, confidencial e especializada do conflito, que, por sua vez, estão diretamente ligadas aos interesses empresariais, os quais exigem soluções eficientes para as mais diversas problemáticas complexas e específicas, de forma rápida e, em especial, sigilosa, objetivando evitar "que suas demandas se tornem públicas, posto que escancarar as entranhas corporativas pode significar o fim do negócio"1.
Porém, como recentemente noticiado pelos mais diversos portais jurídicos, a confidencialidade arbitral vem sendo suprimida pelo Poder Judiciário, tendo em vista o afastamento do segredo de justiça em algumas discussões relativas à arbitragem, deixando em cheque a eficiência da opção das partes pela confidencialidade e até mesmo do próprio instituto da arbitragem.
Pautada no princípio da autonomia da vontade, a confidencialidade, quando estipulada contratualmente pelas partes, torna-se em um dever atribuído aos sujeitos que participam do procedimento arbitral - sejam as partes ou o árbitro - pelo qual têm de guardar sigilo em relação às informações ou documentos que obtiveram ao participar da arbitragem2.
O CPC, privilegiando o sigilo das informações contidas no procedimento arbitral, traz em seu art. 189, inc. IV, que tramitam em segredo de justiça os processos que "versem sobre arbitragem, inclusive sobre cumprimento de carta arbitral, desde que a confidencialidade estipulada na arbitragem seja comprovada perante o juízo".
Não obstante, em recentes decisões emblemáticas, estas previsões foram maculadas pelo Poder Judiciário. Por exemplo, no julgamento do Agravo de Instrumento nº 2263639-76.2020.8.26.0000, em que se discutia a nulidade da sentença arbitral, a 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJ/SP rejeitou a tramitação do feito em segredo de justiça por, supostamente, o art. 189, IV, do CPC, violar os arts. 5º, LX, e 93, IX, da Constituição da República.
Neste julgamento, os desembargadores paulistas concluíram pela inconstitucionalidade do dispositivo por buscar privilegiar somente interesses puramente privados e, de acordo com os comandos constitucionais, deve-se observar o amplo acesso aos atos processuais, pois "a regra é a publicidade, que apenas pode ser restringida para salvaguardar a intimidade ou o interesse social"3.
Em que pese o aprofundamento argumentativo do julgado, destaca-se que a mencionada decisão, ao declarar a inconstitucionalidade do dispositivo do CPC, acabou por violar o art. 97 da Constituição, o qual exige a participação da maioria absoluta dos membros do Tribunal no julgamento ou dos membros do respectivo órgão especial.
Destaca-se que, sem observância à cláusula de reserva de plenário, a decisão retira a confidencialidade - um dos principais diferenciais e atrativos da arbitragem - até então considerada como garantia das partes, transformando-a em incerteza, prejudicando o sistema arbitral, atualmente muito eficiente e considerado vantajoso pelas partes, violando a própria autonomia da vontade frente à opção pelo sigilo do feito.
Desse modo, se faz necessária a análise das consequências fático-jurídicas no que diz respeito à quebra da confidencialidade pelo indeferimento do sigilo judicial, as quais poderão influenciar as partes que utilizam da arbitragem como meio de resolução de disputas, bem como o próprio instituto. Para tanto, utiliza-se de um importante instrumento do direito que poderá vislumbrar a eficiência das medidas tomadas: a Análise Econômica do Direito (AED).
A AED é um instrumento de interpretação do âmbito jurídico a partir da aplicação das premissas econômicas a esse contexto. Partindo da máxima de que os recursos são escassos e os agentes envolvidos buscam realizar trocas, as quais potencializam os seus resultados, os indivíduos buscarão a eficiência em um ambiente onde estarão sujeitos à influência de incentivos.
Naquilo que tange à eficiência - objeto deste artigo - parte-se de três perspectivas de investigação: clássica, Pareto e Kaldor-Hicks. A primeira caracteriza-se pela concepção de que algo seria eficiente quando o indivíduo consegue maximizar os seus resultados com a menor utilização de recursos. A segunda, por sua vez, entende que uma situação será eficiente quando a melhora do resultado de um indivíduo não implique na perda de outro. Por fim, a terceira linha entende que a eficiência é atingida quando o ganho de um agente compensa a perda do outro4.
Como visto, a confidencialidade é uma característica tradicional da arbitragem e traz benefício às partes aderentes, pois permite a proteção das informações compartilhadas no procedimento, corroborando ao resguardo de dados sobre produtos, core business, entre outros, os quais poderiam estar envolvidos e influenciar negativamente a parte se forem divulgados.
Assim, o afastamento da confidencialidade em eventuais ações sob a jurisdição estatal importa em um aumento no custo de oportunidade, isto é, o custo inerente à opção ou não de uma oportunidade existente ao agente. Com esse aumento, infere-se que existe um desincentivo às partes a aderirem à arbitragem, pois não poderiam mais contar com um dos diferenciais que sustentavam o pagamento do procedimento, isto é, o sigilo no tratamento de informações sensíveis e privilegiadas da sua operação.
Ademais, como consequência do exposto, entende-se que a retirada da confidencialidade pode gerar um incentivo ao comportamento oportunista de agentes, pois terceiros que não têm relação com a causa poderão ter acesso ao conteúdo tratado no procedimento - na maioria das vezes muito sensível - e a própria parte que se sentiu lesada com a decisão poderá prejudicar a outra com a busca do judiciário somente para expor os dados da demanda.
Por fim, ressalta-se que a medida importa na criação de desincentivos para o ambiente comercial nacional, seja entre empresas brasileiras ou estrangeiras, as quais optaram pela sede arbitral no Brasil, pois o ambiente de incertezas quanto à confidencialidade de suas informações pode inibir a realização de novas transações no país - atingindo, ao fim, o interesse público. Além disso, entende-se que o próprio Poder Judiciário poderá restar ainda mais moroso com a migração de demandas complexas para a sua jurisdição.
Dessa forma, infere-se que o afastamento da confidencialidade com o indeferimento do sigilo de justiça não é eficiente, já que aumenta os custos inerentes à relação, bem como o suposto ganho não compensa as perdas causadas pela medida, vez que, no final, resta prejudicado o interesse público em suas outras dimensões. Portanto, conclui-se que a retirada sumária da autonomia das partes em convencionar a confidencialidade do procedimento arbitral quando da apreciação pelo juízo estatal deve ser analisada cautelosamente, a fim de não gerar efeitos que possam ir ao desencontro do fundamento da medida adotada.
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1 SCAVONE JUNIOR. Luiz Antonio. Arbitragem - Mediação, Conciliação e Negociação. 10. ed. - Rio de Janeiro: Forense, 2020. p. 6.
2 FICHTNER, José Antonio; MANNHEIMER, Sergio Nelson; MONTEIRO, André Luís. Teoria Geral da Arbitragem. 1ª ed. - Rio de Janeiro: Forense, 2019. p. 595.
3 TJ/SP. AI 2263639-76.2020.8.26.0000, Rel. Des. Cesar Ciampolini, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, J. 2/3/21.
4 SALAMA, Bruno Meyerhof. O que é pesquisa em direito e economia?. São Paulo: FGV, 2008. p. 22-24. Disponível clicando aqui . Acesso em 5 abr. 2021.
Rafael Henrique Reske
Colaborador do escritório Passinato & Graebin Sociedade de Advogados. Graduando do curso Law Experience - Direito Integral da FAE Centro Universitário. Membro do grupo de arbitragem FAE.
Vitor Henrique Malikoski
Pós-graduando em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributário - IBET. Bacharel em Direito pela FAE Centro Universitário. Membro do grupo de arbitragem da FAE. Advogado do escritório Gaia Silva Gaede Advogados.