Algumas perspectivas para o direito da insolvência em 2021
Vale comentar sobre algumas das inovações trazidas em razão da aprovação das modificações no microssistema da insolvência.
quinta-feira, 8 de abril de 2021
Atualizado em 13 de abril de 2021 08:45
O ano de 2021 traz boas novidades para o direito das empresas em crise com a entrada em vigor da lei 14.112/20, responsável pela modificação da lei 11.101/05 (lei de recuperação Judicial e Falência - "LRF") e a possível aprovação do Projeto de lei 5.516/19 que propõe a criação do chamado Clube Empresa, cujo tema parece ganhar mais chances de tramitação acelerada com a eleição de Rodrigo Pacheco para a presidência do Senado.1 Nesse sentido, vale comentar sobre algumas das inovações trazidas em razão da aprovação das modificações no microssistema da insolvência.
Primeiramente, pode-se destacar que houve modificações com o potencial de (i) trazer maior segurança e estímulo aos investimentos e negócios com empresas em crise, (ii) ampliar a abrangência e as possibilidades de reestruturação do passivo e (iii) aumentar a velocidade dos processos falimentares, tudo de modo geral beneficiando todos os stakeholders envolvidos.
No que diz respeito a esse primeiro aspecto, entende-se que a partir de agora haverá ainda mais segurança para determinados atores, (v.g. investidores), no sentido de que dificilmente serão responsabilizados pelas dívidas da empresa em crise pelo simples fato de terem negociado e investido com a mesma durante a crise. Nessa linha, uma modificação relevante diz respeito à conhecida UPI (Unidade Produtiva Isolada). Trata-se da possibilidade, já hoje existente, de venda de uma unidade da empresa em recuperação judicial (unidade fabril ou filial, por exemplo) que tem o atrativo de vir limpa de dívidas para quem a adquire. Hoje, a UPI poderá ser constituída pela totalidade da empresa em recuperação judicial (e não apenas uma unidade ou uma filial), com a condição de que seja garantido aos credores que não aprovem a recuperação judicial ou não estejam a ela sujeitos, condições de pagamento semelhantes àquelas que teriam na hipótese de falência (art. 50, XVIII, LRF), bem como o adquirente não sucederá nas dívidas do devedor, não apenas as tributárias e trabalhistas mas também , sem a elas se limitar, as de natureza ambiental, regulatória, administrativa, penal, anticorrupção, tributária e trabalhista, conforme nova redação do parágrafo único do art. 60 da LRF.
Além dessa, há uma segunda alteração que merece destaque e certamente trará maior segurança para credores, investidores e novos administradores, relacionados às empresas em crise. Agora, a lei traz a vedação expressa da responsabilização desses sujeitos por dívidas de qualquer natureza detidas pelo devedor, em razão de terem, respectivamente, convertido todo o seu crédito em participação societária/capital do devedor, feito aportes no devedor e assumido a administração do devedor (art. 50, § 3º, LRF). Isso é relevante na medida em que há um receio geral de investidores quanto ao relacionamento com empresas em crise justamente em razão da não incomum suspeição sobre todos os negócios do devedor que não se recupera e acaba por ir à falência.
As modificações trazidas pela lei incluem, também, outros aspectos extremamente positivos para fomentar a continuação dos negócios com as empresas em crise. Nesse sentido, pode-se mencionar que a LRF traz a possibilidade expressa de o plano de recuperação judicial tratar de forma especial, em melhores condições, o crédito dos credores que continuem a fornecer normalmente bens e serviços à empresa mesmo após a mesma entrar em recuperação judicial (art. 67, parágrafo único, LRF). Essa modificação ratifica o entendimento de que esses credores fazem jus a um tratamento diferenciado, o que de modo geral já era bem aceito pelos Tribunais, "desde que seja estabelecido um critério objetivo, justificado no plano de recuperação judicial, abrangendo credores com interesses homogêneos, ficando vedada a estipulação de descontos que impliquem em verdadeira anulação de direitos de eventuais credores isolados ou minoritários", como já decidiu o próprio Superior Tribunal de Justiça2.
Ainda, pode-se mencionar outro estímulo relevante, que consiste no tratamento ainda melhor para aqueles que investem em empresas em crise na hipótese de eventual falência. Com efeito, aqueles que financiarem uma companhia em recuperação judicial, na hipótese de posterior falência, receberão seus créditos apenas depois daqueles (i) relacionados à indispensável administração da Massa Falida (como, por exemplo, segurança e luz de um estabelecimento que fechou as portas) e (ii) da dívida trabalhista vencida nos três meses anteriores à falência até o limite de 150 salários por trabalhador (artigos 84, I e II c/c 150 e 151, LRF). Essa super prioridade de pagamento para aquele que investiu na sociedade empresária em recuperação deve melhorar o acesso ao crédito para as empresas em dificuldade e incrementar as oportunidades para investidores que têm interesse em investir em empresas em recuperação judicial (art. 84, LRF). Embora, até antes da aprovação da nova lei, tal credor também fosse extraconcursal, hoje, dentre os credores extraconcursais e de restituição, o investidor que se torna credor está melhor posicionado.
Em relação ao Fisco, importante destacar que a dívida tributária com a Fazenda Nacional poderá ser parcelada em até 120 prestações mensais com valores progressivos (art. 10-A da lei 10.522/02, com a redação dada pela nova lei), podendo alternativamente ser utilizado prejuízo fiscal para quitação de 30% da dívida e o saldo em 84 parcelas mensais, sem prejuízo de o devedor optar por aderir a outro tipo de parcelamento instituído por lei.
Já no âmbito da falência, a nova lei também promete avanços no quesito celeridade, certamente hoje um dos grandes problemas dos processos falimentares. Nesse ponto, vale destacar a necessidade de venda dos bens da falência em até 6 meses contados da apresentação da sua relação no processo (arrecadação), salvo impossibilidade fundamentada (art. 99, §3º, LRF), bem como a possibilidade de extinção das obrigações do falido em até 3 anos da decretação da falência (art. 158, V, LRF), permitindo uma retomada veloz ao mercado do empreendedor e o não falecimento empresarial que acontecia na prática.
Em outra frente, também se espera a aprovação do Projeto de lei do Clube Empresa. De acordo com o referido diploma, clubes de futebol poderão ser constituídos como sociedades empresariais (empresas que podem ter lucro e distribui-los, dentre outros aspectos) e, consequentemente, haveria a possibilidade de os mesmos se utilizarem da ferramenta da recuperação judicial para reestruturarem as suas dívidas.
A propósito, hoje, independentemente da aprovação do referido projeto, a mencionada possibilidade é cada vez mais viável, uma vez que há clubes de futebol que exercem essencialmente atividade empresária (ou seja, são sociedades empresariais na prática, embora constituídos sob a forma de associação), motivo pelo qual não haveria óbice para o seu enquadramento como empresário, nos termos da LRF. Inobstante, sem prejuízo dos clubes de futebol, já há casos também de outras instituições classicamente não empresárias reestruturando suas dívidas por meio do procedimento recuperacional, como é o caso recente da Universidade Cândido Mendes, instituição de ensino superior localizada no Rio de Janeiro, que mesmo sob a forma jurídica de associação, requereu recuperação judicial e teve o deferimento do processamento de seu pedido junto ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro no final do ano passado. E, recentemente, o Figueirense foi o primeiro clube de futebol a ter confirmada pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina a possibilidade de se utilizar da LRF para realizar reestruturação das suas dívidas.
Portanto, o ano que se inicia traz perspectivas animadoras para o sistema legal da insolvência, com destaque para as modificações mencionadas que contribuirão para conferir uma maior segurança aos investimentos e, consequentemente, melhores possibilidades de soerguimento para as empresas em dificuldade. Esse conjunto inclui impactos sociais relevantes, como a manutenção de empregos, recolhimentos de tributos mais eficiente, manutenção de atividades de empresas viáveis e bom aproveitamento de ativos.
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1. Disponível aqui.
2. STJ, REsp 1700487/MT, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Rel. p/ Acórdão Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/04/19, DJe 26/04/19.