Proibição de animais domésticos em condomínio: Necessidade de flexibilização das regras
Não é incomum vermos, principalmente nas Convenções mais antigas, a total e indiscriminada proibição à manutenção e guarda a qualquer animal de estimação, vedação essa abusiva e ilegal.
quarta-feira, 7 de abril de 2021
Atualizado às 12:41
A vida em condomínio, seja ele de casas ou apartamentos, embora "cômoda", nem sempre é pacífica e exige dos seus moradores condutas e posturas condizentes com a vida em comunidade. Para tanto, Direitos individuais poderão ser relativizados em prol do bem comum; e novos deveres serão criados com a finalidade de reger a vida naquela comunidade específica.
Muitas são as questões polêmicas que envolvem a convivência em condomínio, tais como: barulhos excessivos, locação de unidade privativa por aplicativos (Airbnb), utilização dos espaços de garagem e guarda e manutenção de animais de estimação dentro das unidades, tema desse texto.
A legislação brasileira, especialmente o Código Civil e a lei 4.591/64, é omissa sobre o assunto, limitando-se os textos legislativos a instituir um conjunto mínimo de Direitos e deveres a serem obedecidos pelos Condôminos e moradores, deixando à cargo dos primeiros a aprovação de outras normas que entenderem justas, necessárias e adequadas (caput do art. 1.334 do CC/02 e § 3º, art. 9º da lei 4.591/64).
É certo que a sociedade mudou, e muito, desde 1964, quando foi editada a lei 4.591. Entretanto, o Código Civil, publicado em janeiro de 2002, observando as mudanças sociais, também não se preocupou em regular o assunto, deixando, assim, a cargo do Poder Judiciário, quando provocado, pôr fim aos litígios, com a consequente criação de jurisprudências paradigmas.
De acordo com o Instituto Pet Brasil em parceria com o IBGE, o Brasil possuía, em 2018, 139,3 milhões de animais de estimação, sendo os cães (54,2 milhões) e as aves (39,8 milhões) os mais comuns nos lares brasileiros, seguidos de gatos, peixes, répteis e pequenos mamíferos. O aumento no número de casas com animais de estimação revela, aos institutos de pesquisa, que cada dia mais e mais pessoas buscam um animal de estimação para fazer-lhes companhia, passando, assim, a serem tratados como verdadeiros membros da família, aos quais se dispensam não apenas afeto e atenção, mas, também, cuidados com a alimentação, saúde e higiene.
Extrapolando, muitas vezes, o Direito que lhes é conferido pelo Código Civil e pela lei 4.591/64, as Convenções Condominiais, em especial as mais antigas, não raro, vedam, genérica e completamente, sem nenhuma justificativa, o Direito do condômino ou morador possuir, dentro da sua unidade privativa, qualquer animal de estimação.
O Direito à propriedade, previsto e resguardado pela Constituição Federal no inciso XII do artigo 5º, é entendido, legal e doutrinariamente, como o Direito da pessoa física (ou jurídica) de usar, gozar e dispor de um bem, seja ele corpóreo ou não, bem como reivindicá-lo de quem o detenha de forma injusta.
Seguindo esse entendimento, o inciso I, art. 1.334 do Código Civil institui, como Direito dos condôminos e, no que couber, dos moradores, "usar, fruir e livremente dispor das suas unidades". O art. 19 da lei 4.591/64, ainda, vai além, assim dispondo: "Cada condômino tem o Direito de usar e fruir, com exclusividade, de sua unidade autônoma, segundo suas conveniências e interesses (...)"
Condicionam, entretanto, as legislações em comento, o Direito de propriedade às normas de convivência em condomínio: manutenção do sossego, salubridade, segurança e bons costumes.
Em linhas gerais e de forma preliminar, assim, vê-se, desde logo, que a conduta proibitiva e indiscriminada adotada por alguns Condomínios possui, então, contornos de abusividade e, consequentemente, ilegalidade.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), na análise do Recurso Especial 1.783.076/DF, em 2019, ao decidir sobre um caso concreto, trouxe, no corpo da decisão, situações paradigmas que deverão ser observadas, caso a caso, de modo a identificar a possibilidade de manutenção da proibição imposta por uma Convenção Condominial, ou não, a saber: omissão das normas condominiais sobre o assunto; normas condominiais que vedam a guarda, criação e permanência de animais que causam incômodo ou expõem a risco os demais moradores; normas condominiais que vedam, de forma indiscriminada, a guarda e criação de animais de estimação.
No primeiro caso, quando as normas condominiais são totalmente omissas em relação ao assunto, devem, os interessados, socorrerem-se das leis vigentes: Código Civil e lei 4.591/64. Nesse passo, inexistindo proibição da legislação, presumir-se-á que os condôminos ou moradores poderão guardar e criar animais de estimação dentro das suas unidades autônomas, respeitadas as condições impostas no inciso IV, art. 1.336 do Código Civil (manutenção do sossego, salubridade e segurança).
Observe-se que o fato de inexistir previsão nas normas condominiais não significa que o condômino ou morador pode transformar a sua unidade privativa em verdadeiro criadouro, tampouco abrigar animais de porte desproporcional à sua área exclusiva ou que possam, de qualquer forma, expor os demais moradores e frequentadores do Condomínio à situação de risco. É preciso, nesse caso, que ambas as partes tenham prudência e bom senso.
Na segunda hipótese levantada pelo STJ, a proibição, expressa convencionalmente, ou não, de animais de estimação que causem incômodo ou exponham os demais moradores e frequentadores do Condomínio à risco, é, em teoria, plenamente justificável, uma vez que deve prevalecer o bem comum em detrimento do Direito individual.
Deve-se ter em mente, porém, que os conceitos de incômodo e risco são subjetivos, e deverão ser analisados caso a caso, de modo que não se pratique ou perpetue nenhuma restrição indevida ao Direito do condômino ou morador.
A última hipótese, por sua vez, trata da proibição indiscriminada a todo e qualquer animal de estimação, sem que, para tanto, haja qualquer justificativa plausível.
Entende o STJ que, nesses casos, a proibição possui contornos de abusividade, mostrando-se uma conduta desproporcional e, em certo modo, descabida, uma vez que a vedação somente encontra respaldo na preservação da segurança, higiene, saúde e sossego. Inexistente quaisquer desses "fatores", a proibição deve ser revista e afastada.
Lembra, ainda, a Corte, que nem todo animal apresenta risco à incolumidade e à tranquilidade dos demais moradores e frequentadores do Condomínio, como nas hipóteses de animais de pequeno porte, inofensivos e com cuidados adequados.
Ainda que os Tribunais, hoje, possuam entendimento predominante no sentido de ser abusiva a proibição genérica e indiscriminada de guarda e criação de animais de estimação em unidades autônomas integrantes de Condomínios, a questão está longe de ser pacífica.
Sabe-se que o meio mais adequado a resguardar os Direitos de todos é a criação de regras mínimas de convivência, que deverão ser observadas e respeitadas pelos guardiões e tutores de animais de estimação.
As regras deverão observar os princípios da razoabilidade e viabilidade, pautadas pelas condições e limitações impostas pelo inciso IV, art. 1.336 do Código Civil e parte final do art. 19 da lei 4.591/64, sob a pena de serem objeto de novas disputas judiciais.
Danielle Mansani
Advogada e sócia fundadora do escritório Mansani e Martins Sociedade de Advogados. Graduada em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.