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Do efeito suspensivo do recurso hierárquico no contencioso administrativo tributário federal

A ausência do efeito suspensivo, além de afrontar o Código Tributário Nacional, pode trazer sérios danos ao contribuinte durante o período em que o recurso é analisado.

segunda-feira, 5 de abril de 2021

Atualizado em 7 de abril de 2021 09:03

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Nos termos do artigo 56 e seguintes da lei 9.784/99, que cuida do processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, cabe recurso das decisões administrativas, em face de razões de legalidade e de mérito, o qual deverá ser dirigido à própria autoridade que proferiu a decisão.  Salvo previsão legal expressa, a interposição do recurso independe de qualquer tipo de garantia ou caução1.

O prazo para interposição do recurso é de dez dias, contado a partir da ciência ou divulgação oficial da decisão recorrida. Recebido o recurso, a autoridade que prolatou a decisão recorrida tem o prazo de cinco dias para reconsiderá-la, caso contrário, deverá remeter os autos do processo administrativo à autoridade imediatamente superior.

Ao seu turno, o artigo 61 dispõe que, salvo previsão legal expressa em contrário, o recurso hierárquico não tem efeito suspensivo. Por outro lado, o seu parágrafo único ressalva que, caso haja justo receio de prejuízo de difícil ou incerta reparação decorrente da execução, a autoridade recorrida ou a autoridade superior poderá, de ofício ou a pedido, dar efeito suspensivo ao recurso2.

Ao analisar o dispositivo, por meio do Parecer Normativo 03, de 4 de novembro de 2016, a Receita Federal esclarece que, em seu entendimento, o recurso hierárquico interposto perante este Órgão só terá efeito suspensivo quando houver expressa disposição na legislação tributária.

Isso pois, no entender da Receita Federal, considerando que "as decisões da Administração, em princípio, são presumidamente legítimas (verdadeiras e conforme o Direito), bem como podem ser exigidas e executadas sem prévia manifestação do Poder Judiciário, é perfeitamente razoável que o recurso em sede administrativa seja destituído de efeito suspensivo".

Em relação à exceção estabelecida no parágrafo único do citado artigo 61, o qual permite a atribuição de efeito suspensivo em casos de justo receio de prejuízo de difícil ou incerta reparação decorrente da execução da decisão administrativa, a Receita Federal é enfática:

O parágrafo único do art. 61, sobretudo por estabelecer o conceito jurídico indeterminado de "justo receio de prejuízo de difícil ou incerta reparação" como critério para que a autoridade administrativa conceda, excepcionalmente, efeito suspensivo ao recurso hierárquico, confere uma discricionariedade que não pode ser aplicada no âmbito da Administração Tributária e Aduaneira.

Destarte, no entendimento da Receita Federal, só pode haver atribuição de efeito suspensivo ao recurso hierárquico quando existir previsão legal específica nesse sentido. Nem mesmo o justo receio de prejuízo ou incerta reparação da decisão prolatada pode ser justificado para que, de forma discricionária, a autoridade administrativa confira efeito suspensivo ao recurso.

Nesse sentido, infelizmente, ao que parece, a jurisprudência judicial segue a mesma trilha de entendimento, dispondo não haver efeito suspensivo no recurso hierárquico em matéria tributária3.

Ao assim se manifestar, a Receita Federal ignora que o próprio Código Tributário Nacional prevê em seu artigo 151, inciso III, que suspendem a exigibilidade do crédito tributário "as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo".

Logo, ao interpretarmos o supracitado artigo 61, caput, da lei 9.784/99, que se aplica genericamente à Administração Pública Federal, devemos considerar que, no âmbito da Administração Tributária, o CTN impõe o caráter suspensivo dos recursos e reclamações administrativas, dos quais o recurso hierárquico é espécie.

Além disso, é notório que decisões expedidas pela Receita Federal produzem efeitos que, se aplicados de imediato, podem causar prejuízos ao sujeito passivo da relação jurídico-tributária. É o caso, por exemplo, do despacho decisório expedido para considerar uma compensação tributária como "não declarada".

Com efeito, o artigo 74 da lei 9.430/96 e o artigo 75 e seguintes da Instrução Normativa RFB 1.717/17 trazem as hipóteses em que a compensação efetuada pelo contribuinte será considerada como "não declarada", isto é, não produzirá qualquer efeito ou repercussão na esfera jurídica.

Nesse caso, a citada IN RFB 1.717/17 prevê em seu artigo 138 a possibilidade de que o contribuinte apresente recurso hierárquico, no prazo de dez dias, o qual será analisado por auditor-fiscal da Receita Federal. Caso não haja reconsideração, o recurso será encaminhado ao titular da delegacia da Receita Federal. Na hipótese de também não haver reconsideração pelo titular, o recurso é encaminhado, por fim, ao superintendente da respectiva região fiscal.

De acordo com o entendimento da Receita Federal expressado linhas acima, o débito que foi objeto da compensação "não declarada" permanecerá por todo esse tempo sem ter sua exigibilidade suspensa, o que, com certeza, pode trazer enormes prejuízos ao contribuinte.

Imaginemos, por exemplo, que um dado contribuinte tem sua compensação tida por "não declarada" por meio de despacho decisório expedido pela Receita Federal, em face do qual interpôs tempestivamente o cabível recurso hierárquico. Após oito meses de tramitação, finalmente o recurso foi provido pelo superintendente da Receita Federal de sua região fiscal.

Durante esse período, sem a suspensão da exigibilidade, o respectivo débito permaneceu como devedor nos sistemas da Receita Federal, impossibilitando a renovação da certidão de regularidade fiscal do contribuinte. Para prejudicar ainda mais sua situação, o débito foi inscrito no CADIN e encaminhado à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional para inscrição em dívida ativa e posterior ajuizamento de Execução Fiscal.

Veja que, embora na situação hipotética a decisão inicialmente negativa tenha sido revertida pela superintendência da Receita Federal, o contribuinte padeceu de grave prejuízo enquanto o recurso era analisado pelas autoridades competentes, o que demonstra de forma nítida que o recurso hierárquico interposto pelo contribuinte deve sim ter reconhecido o seu efeito suspensivo no âmbito tributário.

Percebe-se, portanto, que a suspensão da exigibilidade do crédito tributário no caso em que cabível a apresentação de recurso hierárquico é medida que se faz necessária, em primeiro lugar, por conta da previsão expressa do artigo 151, inciso III, do CTN, e, em segundo lugar, diante do evidente risco de prejuízos ao contribuinte no caso concreto.



1. Art. 56. Das decisões administrativas cabe recurso, em face de razões de legalidade e de mérito.

§ 1o O recurso será dirigido à autoridade que proferiu a decisão, a qual, se não a reconsiderar no prazo de cinco dias, o encaminhará à autoridade superior.

§ 2o Salvo exigência legal, a interposição de recurso administrativo independe de caução.

§ 3o Se o recorrente alegar que a decisão administrativa contraria enunciado da súmula vinculante, caberá à autoridade prolatora da decisão impugnada, se não a reconsiderar, explicitar, antes de encaminhar o recurso à autoridade superior, as razões da aplicabilidade ou inaplicabilidade da súmula, conforme o caso. 

2. Art. 61. Salvo disposição legal em contrário, o recurso não tem efeito suspensivo.

Parágrafo único. Havendo justo receio de prejuízo de difícil ou incerta reparação decorrente da execução, a autoridade recorrida ou a imediatamente superior poderá, de ofício ou a pedido, dar efeito suspensivo ao recurso.

3. Cita-se, por exemplo: DIREITO TRIBUTÁRIO. ADMINISTRATIVO. AGRAVO INOMINADO. MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO FISCAL. RESTITUIÇÃO. RECURSO HIERÁRQUICO. EFEITO SUSPENSIVO. DESCABIMENTO. RECURSO DESPROVIDO. 1. Caso em que a impetrante formulou pedido administrativo de restituição de crédito, por pagamento indevido ou a maior da COFINS com a inclusão na base de cálculo do ICMS, o qual foi considerado não formulado, pois não provada a impossibilidade de uso do programa PER-DCOMP, devida a inclusão do ICMS na base de cálculo da COFINS, e inviável de reconhecimento de inconstitucionalidade pela autoridade administrativa, resultando em manifestação de inconformidade fundada no artigo 66 da IN SRF 900/2008 e artigo 15 do Decreto 70.235/72. 2. Posteriormente, ofertou PER-DCOMP, que gerou o PA 11.442.720005/2012-11, sendo proferida decisão, considerando a compensação não declarada, com base no artigo 74, § 12, II, f, da lei 9.430/96, por estar fundada em inconstitucionalidade de lei, sobrevindo recurso com esteio no artigo 56 da lei 9.784/99 e artigo 74, § 9º, da lei 9.430/96, com pedido de efeito suspensivo. 3. A sentença concedeu em parte a ordem para o processamento do recurso, interposto no procedimento fiscal de compensação, com efeito suspensivo, porque, embora proibido pelo artigo 74, § 13, da lei 9.430/96, seria aplicável, em substituição, o recurso previsto na lei 9.784/99, inclusive com efeito suspensivo, e em respeito ao princípio constitucional do contraditório e o da ampla defesa. 4. Todavia, a sentença, como proferida, contraria a jurisprudência firme e consolidada dos Tribunais, no sentido de que, no caso de compensação reputada "não declarada", não pode ser admitida a recorribilidade suspensiva com fundamento na lei 9.784/99. 5. Agravo inominado desprovido (TRF-3, Sexta Turma, Apelação/Remessa Necessária n. 0002262-78.2012.4.03.6111, relator Desembargador Federal Johonsom Di Salvo, sessão de 10/12/15)

Rodrigo Carvalho Samuel

Rodrigo Carvalho Samuel

Sócio do Cirino Ferreira Advogados. Mestre em Direito Constitucional e Processual Tributário, PUC/SP. Especialista em Direito Tributário, COGEAE-PUC/SP. Bacharel em Direito, PUC/SP.

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