Os princípios do UNIDROIT relativos aos contratos comerciais internacionais na arbitragem internacional
Segundo a data-base do UNILEX , os princípios têm sido utilizados, majoritariamente, como meios de interpretação e integração da lei nacional.
quinta-feira, 1 de abril de 2021
Atualizado às 17:54
Os Princípios do UNIDROIT relativos aos Contratos Comerciais Internacionais ("Princípios") são regras transnacionais de direito implementadas pelo Instituto Internacional para a Unificação do Direito Privado (UNIDROIT), com o objetivo de se instituir regras de direito privado, emanadas de uma organização intergovernamental independente, composta por estudiosos de inúmeras jurisdições a fim de atualizar, modernizar e harmonizar o direito comercial dos Estados.
Conforme se vê do preâmbulo da mais recente versão (2016)1, os Princípios constituem um conjunto de regras multifacetado, podendo ser escolhidos pelas partes contratantes como (I) lei material do contrato e de eventual litígio, (II) princípio de direito, (III) lex mercatoria, (IV) meio de interpretação e integração dos direitos interno e internacional, (V) referência para legislações internas e internacionais e (VI) diretriz para a elaboração de contratos internacionais.
Segundo a data-base do UNILEX2, os Princípios têm sido utilizados, majoritariamente, como meios de interpretação e integração da lei nacional, tendo em vista a sua natureza de soft law e a desconfiança que instrumentos jurídicos não estatais geram nos operadores do Direito.
Apesar disso, sob o enfoque da arbitragem, há registros de 28 casos nos quais os árbitros consideraram os Princípios como as regras de direito apropriadas à solução de disputas arbitrais e 10 casos nos quais os Princípios foram utilizados como regras de direito tendo em vista a ausência de cláusula estabelecendo o direito aplicável ("choice-of-law clause").
A título ilustrativo, em um procedimento instaurado perante a Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional (CCI) sediado em Paris (França), tendo em vista a discordância das partes com relação ao direito material aplicável, o Tribunal Arbitral amparou-se nos Princípios como regras transnacionais de direito, aplicando-os à solução do caso concreto, conforme o artigo 21.1 das Regras de Arbitragem da CCI e artigo 1.511 do Código de Processo Civil Francês.
Irresignada com o resultado do julgamento, a parte sucumbente requereu a anulação da referida sentença arbitral perante o Tribunal de Apelação de Paris ("Cour d'appel de Paris") alegando, dentre outros motivos, que a norma de direito aplicável à hipótese era a lei estatal da Índia, e não os Princípios3.
Por sua vez, em fevereiro de 2020, o Tribunal de Apelação de Paris convalidou a sentença arbitral, determinando que, diante da discordância das partes quanto à aplicação da lei indiana, a escolha das normas de direito incumbia aos árbitros, aos quais é conferida vasta discricionariedade, não havendo necessidade de se proceder à análise de conflito de leis.
No caso, o Tribunal de Apelação reconheceu que a opção pelos Princípios se deu em razão da ampla internacionalidade do contrato celebrado entre as partes, de acordo com os costumes comerciais, além do artigo 21.1 das Regras de Arbitragem da CCI e artigo 1.511 do Código de Processo Civil Francês. Desta forma, os árbitros não decidiram o caso ex aequo et bono, mas consoante as regras de direito, o que é plenamente válido.
Sem embargo da atual resistência quanto ao emprego dos Princípios do UNIDROIT como a norma material do contrato e a regra de direito aplicável às disputas arbitrais, fato é que os Princípios constituem o retrato contemporâneo dos princípios, das regras e dos costumes comerciais internacionais.
Em disputas envolvendo partes de jurisdições diversas, a adoção dos Princípios pelo Tribunal Arbitral representa a utilização de regras de direito atualizadas de acordo com a necessidade dos contratos internacionais e desvinculadas das jurisdições das partes envolvidas.
É inegável que a utilização de regras de direito (e não apenas de lei em sentido estrito) em arbitragens foi incorporada por inúmeros ordenamentos jurídicos, na linha do disposto no artigo 28 da lei Modelo da UNCITRAL sobre Arbitragem Comercial Internacional4.
Na verdade, o mero fato de os Princípios não resultarem de um órgão legislativo formal não os desqualificam como regramento a ser aplicado em determinados casos concretos, principalmente em procedimentos arbitrais envolvendo contratos internacionais. Nesse diapasão, a alegação de que instrumentos de soft law acarretam insegurança jurídica não merece prosperar, já que a possibilidade de sua utilização foi previamente autorizada nas leis nacionais.
Em suma, muito embora a primeira edição dos Princípios remonte ao ano de 1994, a sua aplicação como lei material do contrato e da disputa arbitral ainda permanece tímida tendo em vista a sua natureza de soft law, fazendo-se necessária a divulgação deste regramento transnacional como alternativa válida para a solução de casos tanto na fase de tratativas contratuais quanto em arbitragens comerciais.
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4 O artigo 2º da lei 9.307/96 determina que as partes poderão livremente escolher as regras de direito aplicáveis à arbitragem, a qual poderá se basear em princípios gerais de direito, usos, costumes e regras internacionais de comércio, respeitados os bons costumes e a ordem pública.