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Cuidados ambientais na constituição do patrimônio rural em afetação

A justificável empolgação do setor do agronegócio em relação ao PRA, novidade legislativa de enorme potencial, não dispensa a cautela natural a qualquer negócio ou ato jurídico.

quinta-feira, 25 de março de 2021

Atualizado em 26 de março de 2021 12:45

 Instituído pela lei 13.986/20 (carinhosamente chamada de "Lei do Agro"), na qual ocupa o "Capítulo II", o Patrimônio Rural em Afetação (representado pela sigla "PRA") se revelou às partes componentes do Sistema Agroindustrial como garantia de determinadas operações financeiras (CPR - Cédula de Produto Rural ou CIR - Cédula Imobiliária Rural).

Dentre as várias qualidades que tornam o PRA um importantíssimo instrumento no sistema privado de financiamento/fomento ao agronegócio, destaca-se sua aptidão de i) atrair natural contribuição com a desestatização do mercado de crédito rural e controle/bom direcionamento dos gastos públicos; ii) reduzir acentuadamente o risco de crédito nas operações, o que (ao menos se espera), deve implicar na redução do spread; e iii) diminuir a morosidade e os gastos econômicos na recuperação de créditos.

De fato, o legislador foi extremamente feliz na elaboração das normas adjacentes àquela que propriamente instituiu o PRA.

Primeiro, por prever a incomunicabilidade do PRA com os demais bens, direitos e obrigações do patrimônio geral do proprietário, ou de eventuais outros PRA's por ele instituídos, bem como a sua impenhorabilidade (art. 10 da Lei do Agro).

Segundo, por ter disposto acerca da possibilidade de o credor exercer, de imediato, o direito à transferência do PRA para sua titularidade se não liquidado do crédito representado pela célula, pelo procedimento de excussão, na forma dos artigos. 26 e 27 da lei 9.514/97 (art. 28 da Lei do Agro).

Terceiro, por prever o vencimento antecipado da cédula se descumpridos deveres acessórios à constituição do PRA (art. 26 da Lei do Agro), tais como a obrigação de se manter adimplente em relação a obrigações tributárias, previdenciárias e trabalhistas.

Quarto, por afastar a submissão aos efeitos da decretação de falência, insolvência civil ou recuperação judicial do proprietário e por prescrever que não integra a massa concursal (art. 10, §4º da Lei do Agro).

Finalmente, por ter sido cauteloso e diligente ao estabelecer os pressupostos, os requisitos objetivos, e as vedações à constituição do PRA.

Todavia, conquanto seja nítido o empenho do legislador, uma questão, em especial, exige cuidado, a saber: eventual passivo ambiental proveniente de dano ocorrido no interregno entre a instituição do PRA e o exercício do direito de transferência (acima mencionado), pelo credor, em caso de inadimplemento do devedor.

Isso porque, embora a legislação em referência, no artigo 22, §2º, exija respeito às normas ambientais - a ser comprovada, principalmente, na constituição do PRA, pela inscrição do imóvel no CNIR e no CAR, conforme artigo 12, I, 'a' e 'b', e por georreferenciamento, conforme artigo 22, §1º, todos da Lei do Agro -, dificilmente chegará ao conhecimento do credor da cédula a ocorrência de hipotético dano ambiental da fração afetada, por exemplo, por queimadas (antrópicas ou não) em área de Reserva Legal.

Pelo princípio poluidor-pagador, e em decorrência de ser propter rem (ou seja, transfere-se junto com a propriedade) a obrigação de recompor o meio ambiente, graves inconvenientes podem surgir ao credor que, em situação de inadimplemento, viu-se forçado a transferir a si próprio a propriedade da área afetada com eventual passivo ambiental.

Além disso, situações dessa natureza acabam por arranhar relações na cadeia, aumentando, mesmo que timidamente (pois devemos acreditar que a hipótese em comento virá a ser exceção, e não regra), o risco do crédito, a prejudicar, também, o sujeito inadimplente e toda a coletividade dos produtores que se utilizam da emissão de CPR's e CIR's no exercício de suas atividades.

A cautela exige, portanto, em benefício de ambos, que, em utilização da prerrogativa do art. 22, §3º, da Lei do Agro, emitente e credor convencionem cláusulas não financeiras, no sentido de permitirem e habilitarem mecanismos de monitoramento e controle ambiental da área, de modo a prevenir a ocorrência de danos ambientais.

Mas não só isso podem fazer emitente e credor.

Sobretudo no contexto atual, levando em conta as modificações legislativas em curso e as revolucionárias práticas de mercado que vêm sendo implementadas, revela-se como interessante alternativa a congregação de esforços de ambas as partes na efetiva proteção ambiental e na concretização práticas sustentáveis.

Assinala-se, por fim, que a avença e o esforço comum dos interessados, a propósito, podem ter em conta até mesmo eventuais ativos provenientes de atividade sustentável e da externalidade positiva que dela pode decorrer, por exemplo, através de Pagamento por Serviço Ambiental ou de créditos do mercado de carbono, em que o Brasil terá papel central e promissor.

Felipe Augusto Rodrigues de Mello

Felipe Augusto Rodrigues de Mello

Advogado, sócio do escritório Betone e Lima Advogados Associados. Pós-graduando em Direito Constitucional pela Academia Brasileira de Direito Constitucional. Membro do Grupo de Estudos de Direito do Estado do Observatório Constitucional Latino-Americano. Cursa MBA em Agronegócios pela USP/ESALQ.

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