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A legitimidade expressa do produtor rural na recuperação judicial trazida pela lei 14.112/20

Bruna Silveira Alves

O debate que acontecia entre as Cortes do país foi definitivamente dirimido com a nova disposição acrescida na lei 11.101/05.

quinta-feira, 25 de março de 2021

Atualizado às 12:33

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

A lei 14.112/20, publicada no dia 24 de dezembro de 2020, acrescentou novas disposições e alterou a redação da lei 11.101/05, que rege os procedimentos de Recuperação Judicial, Extrajudicial e Falência, introduzindo uma novidade significativa com relação à legitimidade do produtor rural, empresário individual, quanto a apresentação de pedido de Recuperação Judicial, ainda que não tenha inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis há mais de dois anos, seguindo o entendimento predominante da jurisprudência pátria.

A mudança foi introduzida por meio da redação do novo parágrafo 3º do artigo 48, da lei 11.101/05 (LRF) permitindo que o produtor rural pessoa física comprovasse o período de dois anos do exercício regular de atividade empresária exigidos pela lei por meio do Livro Caixa Digital do Produtor Rural (LCDPR) ou outra obrigação legal de registro contábil que venha a substituí-lo, pela Declaração do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (DIRPF) e Balanço Patrimonial (BP).

Antes da reforma, esta possibilidade não era expressamente prevista na lei gerando grandes debates e insegurança jurídica no setor do agronegócio. Para parte dos juristas e tribunais brasileiros, o produtor rural pessoa física deveria ter registro de empresário na respectiva Junta Comercial de seu Estado pelo tempo previsto no artigo 48 da lei e exercer regularmente suas atividades pelo mesmo período, sob as razões de que o registro consolida sua situação jurídica como empresário, equiparando-o, para todos os efeitos, ao empresário sujeito ao registro obrigatório. Tal registro, de natureza constitutiva, sem efeitos retroativos (ex nunc), sujeita ambos os tipos de empresário ao regime jurídico empresarial e a legislação comercial escorando tal posicionamento na parte final do artigo 971 do Código Civil.

Ademais, consideram a situação dos credores que financiam as atividades agrícolas e agropecuárias sob a insegurança de que eventual deferimento do pedido de Recuperação Judicial do produtor que não detém registro de empresário, pelo Poder Judiciário, os submetesse à uma limitação de patrimônio. Logo, as dívidas contraídas pelos devedores se submeteriam aos efeitos da Recuperação Judicial a serem adimplidas nos termos do plano de Recuperação Judicial aprovado durante o processo. Esta situação diminuiria o oferecimento de novas linhas de crédito destinadas ao agronegócio e aumento de juros nos financiamentos, impactando negativamente o setor econômico.

Em contrapartida, outra corrente partia do princípio de que o registro previsto ao empresário individual rural é facultativo de natureza declaratória. Assim, o registro do produtor rural na Junta Comercial seria mera formalidade perante o ordenamento jurídico visto que exercente de atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou de serviços, conforme o artigo 966 do Código Civil, seria considerado empresário individual por definição legal.

Esta corrente pautava-se, ainda, no artigo 970 do Código Civil, que prevê tratamento diferenciado dado pela lei ao empresário rural e no artigo 48 da lei 11.101/05, que não exige o registro de empresário ou sociedade empresária, mas somente a comprovação do exercício regular por mais de dois anos da atividade empresarial. Logo, preenchido os requisitos do artigo 966 do Código Civil e demais da LRF, não haveria óbice em deferir o pedido de Recuperação Judicial ao produtor rural pessoa física.

Assim, em caso de eventual registro pelo produtor rural na Junta Comercial seria possível o cômputo do prazo de exercício da atividade empresária rural sem tal formalidade, em razão da natureza ex tunc do registro, ou seja, seus efeitos retroagem à data de início do exercício da atividade.

Este último entendimento é o que prevalecia no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Em 2017, apesar da intensa discussão que já pairava no mundo jurídico do agronegócio, a Corte Superior decidiu pela não submissão da matéria ao procedimento dos recursos repetitivos, ante a inexistência de precedentes sobre o tema.

Em fevereiro de 2020, a 4ª Turma decidiu, no julgamento do Recurso Especial 1.800.032/MT (Caso Pupin), pela possibilidade de comprovação do exercício da atividade econômica, pelo produtor rural, pelo prazo bienal da data do pedido de Recuperação Judicial, ainda que seu registro como empresário tenha sido efetivado há menos tempo. Em outubro de 2020, a 3ª Turma se juntou ao entendimento da 4ª Turma permitindo a apresentação de pedido de Recuperação Judicial por produtor rural pessoa física não inscrito na Junta Comercial, ao julgar o Recurso Especial 1.811.953/MT.

O novo dispositivo extinguiu a controvérsia acerca da legitimidade do empresário individual rural em apresentar pedido de Recuperação Judicial, mesmo quando não tenha formalizado sua condição de empresário perante o órgão público competente pelo período bienal, trazendo maior previsibilidade e segurança jurídica ao setor do agronegócio e a todos os players envolvidos neste setor econômico que gera forte movimento à economia do país.

Bruna Silveira Alves

Bruna Silveira Alves

Advogada do escritório DASA Advogados.

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