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Da Pejotização e das Cooperativas em nítido desvio de finalidade

Podemos utilizar como exemplo a 'fraude da pejotização'. O que seria isso?

quarta-feira, 24 de março de 2021

Atualizado às 09:39

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

No mundo das relações empresariais, a fim de reduzir seus gastos o empresariado - alguns - sempre propõe ofertas nebulosas a seus empregados que poderão aceitar ou não; na maioria das vezes quase tudo é aceito, eis que a fila do desemprego em nosso país é vultosa.

Fraudes na relação de trabalho no intuito de frustrar direitos trabalhistas são corriqueiras e as regras ordinárias de experiência podem comprovar (Art. 375 do CPC). De rigor, não há necessidade de provar a alegação, pois, ela por si só é capaz de originar o direito (a coisa fala por si mesmo), ou, uma espécie de verdade sabida, tendo em vista a desfaçatez patente do sistema.

Podemos utilizar como exemplo a 'fraude da pejotização'. O que seria isso? Nada mais que a 'orientação' ao trabalhador para que este constitua uma 'pessoa jurídica' para celebrar com o seu 'empregador' um contrato dissimulado de prestação de serviços, recebendo o salário mediante a emissão de notas fiscais, com o escopo de transparecer uma falsa relação empresarial, dando a entender que não é uma relação sob a égide da Consolidação das Leis do Trabalho (Art. 9º CLT), logo, os direitos decorrentes da relação de emprego são inexistentes.

Na prática se formos analisar minuciosamente a relação perpetrada, encontraremos simultaneamente a pessoalidade, a subordinação, a não eventualidade, enfim, todos os requisitos capazes de originar a relação de emprego, daí, muitas vezes o pleito da nulidade do contrato de pejotização.

Nefasta também é a criação de falsas cooperativas que fornecem mão de obra sem guarnecer os devidos direitos ao trabalhador. O que seria isso? Conforme a lei 5.764/71 em seu Art. 3º e 4º "as cooperativas são sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas à falência, constituídas para prestar serviços aos associados, distinguindo-se das demais sociedades. E, celebram contrato de sociedade cooperativa as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro".

O Art. 90 da mencionada lei ainda consigna que "Qualquer que seja o tipo de cooperativa, não existe vínculo empregatício entre ela e seus associados." Evidente que tal dispositivo legal excita a mente daqueles que querem tirar proveito e praticar o mal.

Entretanto, se verificarmos na prática, também é possível encontrar desvio de finalidade da relação perpetrada e de fácil percepção os requisitos capazes de originar a relação de emprego, daí a caracterização da fraude perpetrada a fim de frustrar direitos trabalhistas.

Também é verdade que existem trabalhadores que promovem ações trabalhistas desprovidas de qualquer amparo jurídico e fático afogando em demasia e sem necessidade o Judiciário e provocando o empresário que nada deve; a estes trabalhadores, que sobrevenha a litigância de má-fé.

Com efeito, a fraude praticada nas relações de trabalho transcende a seara trabalhista vindo a ingressar no campo penal eis que o Código Penal prevê os crimes contra a organização do trabalho e, no Art. 203 existe o crime de frustração de direito assegurado por lei trabalhista. Vejamos o que dispõe o referido dispositivo legal.

Art. 203 - Frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação do trabalho: Pena - detenção de um ano a dois anos, e multa, além da pena correspondente à violência.

Logo, podemos depreender que a sociedade empresária que adota mecanismos fraudulentos a fim de frustrar direitos trabalhistas por intermédio de seus sócios devem sofrer as consequências deletérias do mencionado dispositivo legal, e pior, podendo ser caracterizada como associação criminosa, pois, muitas das vezes há associação com o fito de praticar o crime mencionado e lucrar à custa dos trabalhadores suprimindo os direitos destes.

Evidente que o tipo legal mencionado não admite a modalidade culposa e para a sua exteriorização deve-se observar o dolo. O elemento subjetivo, qual seja, o dolo é à vontade e a consciência de praticar o ato criminoso; e este é exteriorizado a partir do momento em que se burla a legislação trabalhista eis que não é lícito ao empresário a alegação de que desconhecia os meandros da lei trabalhista (Art. 3º da LINDB).

O dolo também pode ficar evidenciado em caso de reincidência da sociedade empresária, é dizer, há 300 trabalhadores em situação irregular perante as leis do trabalho, conquanto, já existe reconhecimento de fraude pelo Judiciário da situação em face de X empregados que procuraram albergue à Justiça e, mesmo assim a empresa não se apruma a fim de cessar as fraudes perpetradas em face dos demais trabalhadores.

Para alguns, a prova do elemento subjetivo do agente pode se tornar impossível se almejar que o dolo seja demonstrado de forma inarredável, conquanto, na verdade a própria circunstância fática fala por si mesmo, é dizer, o dolo não precisa ser demonstrado, pois, é evidente, é nítido, palpável e patente e só não o enxergará quem não quiser.  Vejamos a jurisprudência:

Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região TRT-2 - RECURSO ORDINÁRIO: RECORD 1379200531402004 SP 01379-2005-314-02-00-4CONTRATAÇÃO FRAUDULENTA ATRÁVES DE COOPERATIVA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. O fundamento da responsabilidade solidária nos casos de fraude pela interposição fraudulenta de mão-de-obra, empresas, ou cooperativas, encontra-se no art. 9º da CLT, nos dispositivos do Código Civil que dispõem sobre simulação e nos Instituos de direito penal, aplicados analogamente aos casos concretos. No contexto dos autos, a responsabilidade solidária decorre da intermediação fraudulenta de mão-de-obra através do falso sistema de cooperativa, eis que o consórcio ilegal existente entre a ré e a cooperativa revelou ser ilegal, associando-se pessoas jurídicas com a finalidade de burlar a lei e direitos trabalhistas. (...) O caso equipara-se aos de associação para a prática de crimes (societas sceleris), ressaltando-se que a hipótese, inclusive, encontra-se tipificada na legislação penal como crime, capitulado no art. 203 do Código Penal: "Frustração de direito assegurado por lei trabalhista. Art. 203 -Frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação do trabalho: Pena - detenção de um ano a dois anos, e multa, além da pena correspondente à violência." Recurso ao qual se nega provimento.

Assim, ante o demonstrado, constatado a fraude perpetrada deve o juízo encaminhar os autos ao Ministério Público Estadual a fim de que se apure a existência do crime mencionado, pois, apesar de o Art. 109, VI da Carta Magna consignar que compete aos juízes federais processar e julgar os crimes contra a organização do trabalho sobreveio o enunciado de nº 83 do Ministério Público Federal prevendo. Vejamos:

"Não é de atribuição do Ministério Público Federal a persecução penal do crime de frustração de direito assegurado por lei trabalhista, previsto no art. 203 do Código Penal, se, após diligências, restar demonstrado apenas lesão a um restrito número de trabalhadores. Aprovado na 176ª Sessão de Coordenação, de 10/02/2020".

Ante o exposto, comprovado a fraude na justiça especializada com o fito de frustrar direitos, de rigor a apuração da conduta da sociedade empresária e de seus sócios na seara criminal, daí podendo advir consequências imprevisíveis, pois, possível o enquadramento no tipo legal da associação criminosa, já que, fácil comprovação das figuras mencionadas.

Carlos Henrique de Souza Pimenta

Carlos Henrique de Souza Pimenta

Advogado no escritório Fabio Berti Advogados.

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