A suspensão do artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor e a vigência da lei 14.010/20
A lei não impõe ao consumidor que justifique as razões do seu arrependimento e o vendedor do produto deve devolver ao comprador o valor pago.
terça-feira, 23 de março de 2021
Atualizado às 12:44
Tem-se comumente que, o direito ao arrependimento de compra é regulado pelo direito da informação e proteção e está previsto na Seção I do Capítulo VI do Código de Defesa do Consumidor, artigo 49 e seu parágrafo único, que trata da proteção contratual.
O dispositivo legal estabelece que o consumidor pode desistir do contrato firmado, no prazo de 7 (sete) dias, contados da assinatura ou do recebimento do produto ou serviço, quando realizada em ambiente externo ao estabelecimento comercial.
O teor do dispositivo estabelece:
Código de Defesa do Consumidor:
"Art.49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato do recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou em domicílio. Parágrafo único. Se o consumidor exercitar o direito de arrependimento previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato, monetariamente atualizados." ¹
No caso, a lei não impõe ao consumidor que justifique as razões do seu arrependimento e o vendedor do produto ou serviço, deve devolver ao comprador o valor pago, imediatamente, não podendo impor condições ao consumidor para tal devolução que o consumidor pagou.
Nesse sentido, contraria o texto legal a exigência da devolução do valor pago, desde que o produto esteja lacrado ou na embalagem, pois se de um lado o Código de Defesa do Consumidor nada diz a esse respeito, por outro lado, efetivamente garante o direito à desistência da compra sem condicionantes.
Essa proteção contratual reporta-se a vendas externas ao estabelecimento comercial.
Exemplificando, as vendas realizadas pelo fornecedor na residência do consumidor ou local de seu trabalho; as contratações feitas pelo telefone ou telemarketing; compras por correspondência, pelos canais de compras veiculados na TV, ou qualquer outro meio eletrônico.
Os contratos pactuados por meio da internet são sujeitos aos regramentos do Código de Defesa do Consumidor e do Código Civil, bem como, no art. 7º, inciso XIII da lei 12.965/14, que instituiu os princípios, as garantias, os direitos e os deveres para o uso da internet no Brasil, reforçando a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor.
No tocante às despesas relacionadas a devolução do produto ao fornecedor, a 2ª Turma do Egrégio Superior Tribunal de Justiça julgou no REsp nº 1.340.604/RJ, que o valor da devolução é da responsabilidade do fornecedor do produto e não do consumidor. Vejamos a ementa:
EMENTA: ADMINISTRATIVO. CONSUMIDOR. DIREITO DE ARREPENDIMENTO. ART. 49 DO CDC. RESPONSABILIDADE PELO VALOR DO SERVIÇO POSTAL DECORRENTE DA DEVOLUÇÃO DO PRODUTO. CONDUTA ABUSIVA. LEGALIDADE DA MULTA APLICADA PELO PROCON. ((REsp nº 1340604/RJ, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, 2ª T., j. 15/08/2013, DJe 22/08/2013).
Conforme a ementa do Acórdão destacado acima, a 2ª Turma do STJ julgou que "Eventuais prejuízos enfrentados pelo fornecedor nesse tipo de contratação são inerentes à modalidade de venda agressiva fora do estabelecimento comercial."
Outra questão relacionada ao assunto, diz respeito ao direito de arrependimento da compra de passagens aéreas, que segundo previsto no art. 11 da Resolução 400 da ANAC, impõe que a desistência ocorra no prazo de até 24 (vinte e quatro) horas, a contar do recebimento do comprovante. O parágrafo único da norma condiciona o acatamento da desistência se realizada com antecedência igual ou superior a 7 (sete) dias antes da data do embarque:
Resolução 400 ANAC
"Art. 11. O usuário poderá desistir da passagem aérea adquirida, sem qualquer ônus, desde que o faça no prazo de até 24 (vinte e quatro) horas, a contar do recebimento de seu comprovante. Parágrafo único. A regra descrita no caput deste artigo somente se aplica às compras feitas com antecedência igual ou superior a 7 (sete) dias em relação à data de embarque."
Todavia, desde o início da pandemia da Covid 19, no início de 2.020, vem ocorrendo intensificação do consumo em ambiente externo ao estabelecimento comercial, por meio da internet, aplicativos, e-commerce, marketplace, em resumo por força da restrição da circulação das pessoas, a fim de se evitar aglomerações, como forma de se evitar o alastramento do vírus.
A lei 14.010/20² que diz respeito ao regime jurídico emergencial e transitório das relações jurídicas de Direito Privado no período da pandemia da Covid-19, estabelece no seu respectivo artigo 8º a suspensão do direito de arrependimento do consumidor de determinados segmentos nas relações à distância, das compras adquiridas mediante entrega domiciliar (delivery) tais como, perecíveis, de consumo imediato ou de medicamentos, certo que o objetivo principal do dispositivo referido, foi o de não onerar as empresas, com fundamento na função social da empresa que tem o seu pilar de sustentação o art. 1º da Constituição Federal, que prega o princípio da solidariedade, em especial, devido as dificuldades econômicas naturais instituídas pelo contexto da situação, que trouxe imensos reflexos nas relações das empresas, protegendo-se dessa forma, livrando-as de prejuízos, além dos já impostos pela pandemia, em especial: a redução do lucro, custos envolvidos na manutenção das empresas, em várias situações, despesas com aluguel, custos indiretos, custos com pessoal, enfim, tudo o que poderia levar as empresas a bancarrota.
A legislação que suspendeu a aplicação do art. 49 do Código de Defesa do Consumidor, no entanto, não se aplica aos casos de devolução por fato ou vício do produto, segundo o princípio da boa-fé.
Em que pese a solução prevista no art. 14 da lei 14.010/20, de que a sua vigência seria até o dia 30/10/2020, ou enquanto durar o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo 6/20, o princípio da segurança jurídica recomenda que os dispositivos da lei emergencial estejam revogados devido a cessação de sua vigência em 30 de outubro de 2.020, mas isso não quer dizer que o RJET não possa mais ser aplicado, podendo a legislação de emergência ser invocada em inúmeras questões, tendo em vista a previsão legislativa relacionada a vigência ter ultrapassado o dia 30 de outubro de 2020, em contraponto a persistir o estado de calamidade previsto no Decreto legislativo 6/20 e apesar de estabelecido para o dia 31 de dezembro de 2020, esse prazo, estende-se consoante as circunstâncias previstas no art. 16 da lei, certo ainda que a lei tem termo de vigência incerto e indeterminado, estando vinculada a calamidade pública que persiste.
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1- Art. 49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato do recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou em domicílio.
2- Lei 14.010/20 - Regime Jurídico Emergencial e Temporário nas relações privadas no período da pandemia do coronavírus (RJET)
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KHOURI, Paulo Roberto Roque Antonio. Direito do consumidor: contratos, responsabilidade civil e defesa do consumidor em juízo. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2013.
DINIZ, Maria Helena. Importância Da Função Social Da Empresa. Revista Jurídica, v. 2, n. 51, p. 387-412, 2018. Disponível aqui.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Direitos do Consumidor, 9ª ed., pág. 126, Forense
LOPES, Ludovino. O direito de arrependimento e seus limites.