Danos morais contra o INSS: um caminho possível e necessário em meio ao caos
Aguardava-se o pleno funcionamento do INSS em suas funções típicas de bem gerir a relação jurídica dos beneficiários do RGPS e o pacote de prestações.
segunda-feira, 22 de março de 2021
Atualizado às 11:43
De novo, pouco a se comemorar ou registrar, notadamente em uma jornada de permanência da pandemia e seus devastadores impactos, no meio do caos econômico, político e de clara insegurança jurídica nacional.
Este o ano de 2021.
Esperava-se um ambiente de solidariedade, fraternidade, com esperança e empenho coletivo de todos a fim de se combater um vírus letal, desenfreado e que tem vencido, apesar dos esforços de muitos.
Também, o funcionamento das instituições, de forma eficaz, rápida e com qualidade, algo que sempre se espera, sobretudo em tempos difíceis como o presente.
Aqui, um cenário ideal e até sonhado, mas que por motivos diversos não ocorreu e está longe de ser verificado, existindo apenas expectativas e grandes decepções diárias.
É que o sistema político e jurídico nacional escolheu as diretrizes do bem-estar, a justiça social e a dignidade humana, metas supremas e que estruturam o planejamento social, tendo a Constituição de 1988 como o horizonte normativo a seguir.
Por justiça social o mínimo necessário, subsistencial e de trato alimentar, encontrando no primado do trabalho o fato gerador sublime e que a partir de então justifica a incidência da autarquia previdenciária nos variados relacionamentos jurídicos da grande quantidade de trabalhadores em solo nacional.
De igual modo, aguardava-se o pleno funcionamento do INSS em suas funções típicas de bem gerir a relação jurídica dos beneficiários do RGPS e o pacote de prestações, conforme previsto no artigo 18 da lei 8.213/91, o conhecido plano de benefícios da Previdência Social.
Em estranhos e difíceis tempos, no mínimo, as instituições públicas e de relevado papel deveriam assim funcionar, atuando substancialmente em prol dos administrados, os sujeitos de direitos, ora hipossuficientes e em plena situação de necessidade, agravada pelo caos pandêmico mundial.
No sentido oposto aos ideais programados, o que se vê é uma atuação previdenciária desastrosa, distante, confusa e claramente falida.
Este triste cenário é midiático, das redes sociais, pela imprensa e nos testemunhos daqueles vários que são desprezados e esquecidos pelo INSS, a ponto de até mesmo ocorrerem situações extremas, como a do recente aposentado por invalidez do grande ABC paulista que ameaçou explodir uma agência ante o fato de que estava sem pagamentos há quase um ano, apesar de não ter parte de suas duas pernas e vivendo em cadeira de roda1.
Como aqui registrado inicialmente, nada há para comemorar.
Não bastassem esses e outros abusivos atos da autarquia, diuturnamente existentes, encontra o INSS um quadro funcional enormemente deficitário, com diversos servidores afastados e aposentados2.
Também, a recente e denominada "Nova Previdência", advinda com a EC, 103 de 12/11/2019 e que trouxe gigantes alterações no sistema previdenciário nacional, atingindo em cheio os trabalhadores da iniciativa privada, acostumados com os mais baixos salários do país. Uma recente e impactante reforma com regras confusas, duras e que dificultam e muito o acesso aos benefícios mínimos, além de modificar as bases financeiras com diminuição drástica dos valores, em um caminho paradoxal, já que no momento da aposentação é que esta condição deveria ser a mais segura possível.
De igual modo, a rapidez de vigência deste novo modelo reformador, sem qualquer tempo razoável de adaptação da sociedade ou mesmo de seus servidores, já que muitos do próprio INSS foram pegos de surpresa e sem treinamento algum, o que se verificou no sistema operacional de atuação do INSS, não atualizado para as novidades que se colocaram a partir de então3.
Aqui, necessário também registrar os desmandos, abusos, omissões e indiferentes atos do INSS perpetrados a todo o momento dentro de uma verdadeira operação de caça às bruxas, revisando benefícios, cessando prestações, convocando beneficiários, além de não dar conta da volumosa fila de seus espectadores, em altíssimos números, esperando respostas dentro dos prazos regulamentares a que fixa a legislação, cuja legalidade a autarquia deve inteira observação.
Logo, a judicialização se torna o único, eficaz e seguro caminho, de forma a tutelar os direitos, corrigir equívocos e entregar justiça aos necessitados, notadamente em um país de excluídos como o Brasil.
E neste cenário um horizonte se afirma, ou seja, a possibilidade da indenização por danos morais contra o INSS como uma alternativa jurídica possível, justificada pelo caos previdenciário da presente época, de modo a trazer justiça, equilíbrio e alento aos sujeitos de direitos dos pactos previdenciários, visivelmente atacados em suas pretensões, seja por atos realizados, seja pelas omissões da autarquia tão comuns em tempos presentes.
Ainda que efusivamente atacada por alguns, certo é que a tese reparatória ganha cada vez mais vida e defesa na comunidade jurídica, mostrando ser um caminho de plena aptidão para corrigir os mandos e desmandos do INSS em todo o país.
Suspensões indevidas, cessações injustas, atrasos, filas, excessos e outros fatos acabam por nortear a jurisprudência em reiterados e crescentes julgados a respeito, consolidando a tese e justificando sua necessidade e importância, especialmente em meio ao caos.
Aqui, a reflexão poderia ser outra, nos moldes do que se espera sobre o pleno funcionamento do INSS em prol de seus destinatários e sujeitos envolvidos, mas que, por razões diversas se tornou uma instituição distante, de pouca funcionalidade e atualmente falida, em um momento de maior necessidade social a todos.
Espera-se, pelo menos que este triste cenário se modifique ou, que o importante efeito pedagógico da reparação civil tenha alcance e peso no dia a dia do INSS, de modo a bem atuar em prol da justiça social a que também é sujeito e deve total respeito, invocando o manejo dos danos morais como uma ferramenta útil, possível e urgente, ante o visível caos previdenciário institucionalizado.
Sérgio Henrique Salvador
Mestre em Direito (FDSM). Pós-graduado pela EPD/SP e PUC/SP. Professor Universitário (graduação, pós-graduação, cursinhos preparatórios e de extensão jurídica). Escritor com mais de 10 livros publicados. Conselheiro da OAB/MG (23ª Subseção). Advogado em Minas Gerais. Membro da Rede Internacional de Excelência Jurídica. Integrante do comitê técnico da Revista SÍNTESE de Direito Previdenciário. Integrou a comitiva de professores brasileiros no I Congresso Internacional de Seguridade Social da Faculdade de Direito de HARVARD nos Estados Unidos em agosto de 2019.