Representação feminina no executivo municipal
Uma análise a partir das gestões 2017/2020 e 2021/2024.
segunda-feira, 22 de março de 2021
Atualizado às 07:52
"Mulheres devem estar em todos os lugares onde decisões estão sendo tomadas." (Ruth Bader Ginsburg)
Em 1997 foi promulgada a Lei das Eleições onde foi incluída pela primeira vez para eleições nacionais a previsão de que nas candidaturas deveria ser respeitada uma cota de vagas para cada gênero no momento do registro, notadamente com o intuito de ampliar a participação política feminina nos Poderes Executivo e Legislativo.
Ao longo desses mais de 20 anos a regra passou por alterações visando assegurar seu cumprimento, sendo que, desde então se observou um grande desvirtuamento da finalidade pretendida com a instituição da cota. Em 2018 pela primeira vez foram cassadas1, pelo Tribunal Superior Eleitoral, coligações que se valeram de candidaturas-laranja de mulheres para disputar o pleito eleitoral de 2016. Naquela oportunidade, observou-se que algumas candidatas sequer sabiam que tinham sido registradas, sendo lançadas apenas para que fossem preenchidos os requisitos legais incluídos no jogo e mais homens fossem registrados.
Naquele mesmo ano, o Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADIn 5617, determinou que a distribuição de recursos do Fundo Partidário destinado ao financiamento das campanhas eleitorais direcionadas às candidaturas de mulheres deve ser feita na exata proporção das candidaturas deste gênero, respeitando o mínimo de 30% de candidatas previsto na Lei das Eleições. Outro avanço veio do TSE, quando a Ministra Rosa Weber relatou a consulta 0600252-18.2018.6.00.0000, respondida afirmativamente determinando que a distribuição do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), também deveria respeitar o patamar legal mínimo de 30% de candidaturas femininas. Da mesma forma, os partidos deveriam garantir no mínimo 30% do tempo de propaganda gratuita para candidaturas femininas, sendo que, havendo percentual mais elevado do que 30%, esse percentual deveria ser majorado.
Tudo favorável à mudança da maré sentido à diversidade e à representatividade.
Só que não.
Apesar de todos os esforços envidados pelo TSE e pelo STF em prol do aumento da participação feminina na política, os resultados obtidos nas eleições municipais realizadas no ano de 2020 ainda não são animadores.
Do diagnóstico que se pode traçar a partir das informações divulgadas pelo TSE2, se observa, positivamente, que a filiação partidária feminina sofreu um aumento de 4,11% em relação às últimas eleições municipais em 2018, ao mesmo passo em que houve um aumento das candidaturas femininas para 33,6% de um total de 557.389, em comparação aos 32% das três últimas eleições.
Disso se extrai, em um primeiro momento, que as mulheres estão se interessando em participar efetivamente da política do país, muito possivelmente como um reflexo do movimento feminista que cada vez ganha mais voz e espaço, decorrente das discussões advindas de Universidades e das redes sociais, em que se sustenta a necessidade de inserção da mulher nestes espaços de poder para que as leis e políticas públicas sejam desenhadas sob perspectivas que reflitam, de fato, a democracia (demos = povo; kratos = poder; "O poder do povo").
Ou seja, que reflitam o que a metade da população (o povo), anseia, deseja, teme e repugna.
Por isso que se diz que a representação das minorias é um dos princípios do sistema democrático e constitucionalmente previsto, motivo pelo qual pode-se afirmar que a participação das mulheres no debate público e na composição das instituições políticas é inerente ao próprio desenho constitucional da democracia3.
Mesmo com isto, nas eleições de 2020 foram eleitas 655 prefeitas (12,05%), 9.059 vice-prefeitas (16,05%) e 9.196 vereadoras (16,52%), enquanto, na ala masculina, foram eleitos 4.782 prefeitos (87,95%), 4.539 vice-prefeitos (83,95%) e 47.376 vereadores (83,48%). Já a porcentagem de mulheres reeleitas aos seus postos representou 11,70% dos candidatos reeleitos, uma diminuição com relação às eleições municipais de 2018, quando esse número foi de 12,09%.
Quando se refina o olhar na análise dos números, verifica-se que dos 26 cargos no executivo municipais em capitais dos estados, apenas um é ocupado por uma mulher: Palmas (TO), cuja prefeita (reeleita) é Cinthia Ribeiro (PSDB).
Então, se mesmo com o eleitorado brasileiro sendo composto por 52,50% de mulheres, mesmo com o avanço da legislação para apoiar a ampliação da participação feminina na política e mesmo com o aumento da filiação partidária feminina ainda temos esse progresso tão lento, fica o questionamento:
Por que e onde estão elas?
A ausência das mulheres em posições de decisão escancara a dificuldade de implementação de políticas públicas em favor das necessidades e dos anseios femininos, além de afastar a presença feminina das posições de decisão dentro do executivo, como secretarias municipais e postos do primeiro escalão.
Não se discute as inúmeras situações que notadamente levam ao afastamento das mulheres dos espaços de poder, seja através da escolha popular nas urnas, seja através da nomeação por parte dos mandatários. A violência política é, seguramente, um dos fatores principais nesse cenário, sendo oportuno citar o atual conceito de violência política de gênero que, nas palavras da Deputada Federal Margarete Coelho, "são ações ou condutas agressivas cometidas por uma pessoa ou instituição através de terceiros que causem dano físico, psicológico ou sexual contra uma mulher que esteja no exercício de representação política ou sua família para restringir o exercício de seu cargo ou induzi-la a tomar decisões contra sua vontade, seus princípio ou contra a lei"4.
De todo modo, e deixando de lado a visão pessimista deste vértice, há que sim, comemorar.
Em uma análise empírica através dos dados disponibilizados pelo TSE verifica-se que nos últimos 4 anos houve um tímido avanço que merece ser comemorado. Passamos de 641 prefeitas (11,57%) para 658 prefeitas (12,1%) e de 7.803 para 9.196 vereadoras (16%), e isso se refletiu também no secretariado. No ano de 2017, quando a gestão anterior teve início, apenas 108 dos 492 cargos eram ocupados por mulheres (22%), enquanto que na atual, que recém iniciou seus trabalhos, 140 mulheres (28%) ocupam o cargo de Secretaria.
A análise mais detalhada indica que em 14 das 26 capitais o número de mulheres ocupando cargos de secretária aumentou, enquanto em 10 delas, houve uma diminuição. Por exemplo, em Campo Grande (MS) apenas uma mulher é Secretária de pastas no governo municipal, ainda que o cargo de vice-prefeita seja ocupada por uma mulher. Florianópolis (SC) e Maceió (AL) mantiveram o mesmo índice da gestão anterior, ambas com o patamar de 14%. Recife (PE) e Belém (PA), por sua vez, possuem paridade entre homens e mulheres nas Secretarias.
O avanço numérico por vezes esconde ainda a chamada divisão sexual do trabalho político, onde as mulheres ficam encarregadas de pastas femininas, ligadas a temas como família, políticas para mulheres, cuidado e educação e não àquelas voltadas à economia, à indústria ou ao comércio.
Para mudar esse cenário, em primeiro ponto, necessário garantir a representação dos vulneráveis, através da inclusão da mulher e outros corpos femininos nos espaços decisórios, neste caso os cargos de primeiro e segundo escalão. Isto promoverá a participação dos grupos que estavam à margem da história, do debate público e da composição das instituições políticas e privadas.
É preciso que haja um compromisso social em prol dessa mudança: que as pessoas passem a votar em mulheres, LGBTQIA+, negros e negras - grupos específicos unidos por suas características próprias - que tenham sua representatividade preservada através de políticas públicas que garantam condições para usufruírem seus direitos e suas liberdades.
Para além dos espaços públicos, carece que as empresas garantam oportunidade de participação efetiva em conselhos e diretorias; e ainda que as mulheres sejam, desde crianças, estimuladas no estudo das ciências exatas e a participar ativamente dos seus próprios grupos, como em grêmios estudantis; e que mulheres incentivem outras mulheres.
Também se precisa de homens que compreendam este espectro e que permitam que as mulheres andem lado a lado, ajudando a construir um futuro que seja melhor para o país e que entendam: Não se pretende exterminar o masculino, mas somar-se à ele.
"Quando uma mulher entra na política, muda a mulher. Quando muitas mulheres entram na política, muda a política". (Michelle Bachelet, ex-presidente chilena)
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1 Vide RESPE Nº 0000193-92.2016.6.18.0018 (TSE), por exemplo.
2 Todas as informações foram extraídas do site do TSE: clique aqui.
3 SALGADO, Eneida, Desiree. Princípios Constitucionais Eleitorais. Belo Horizonte: Fórum, 2010. p. 145.
4 COELHO, Margarete de Castro. O teto de cristal de democracia brasileira: abuso de poder nas eleições e violência política de contra mulheres. Belo Horizonte: Fórum, 2020, p. 172.
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Caroline Farias dos Santos
Advogada. MBA Executivo em Advocacia Empresarial pela Estação Business School. Especialista em Processo Civil e Litígios contra a Fazenda Pública pelo Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar. Vice-Presidente da Comissão da Mulher Advogada da Seccional da OAB/PR. Integrante da Comissão de Advogados Corporativos da Seccional da OAB/PR. Membro do Jurídico de Saias. Mentora do Projeto de Mentoria para a Advocacia Iniciante da Escola Superior da Advocacia da OAB/PR.
Emma Roberta Palú Bueno
Advogada. Mestranda em Direito pelo IDP. Pós Graduada em Direito Eleitoral (Universidade Positivo) e em Processo Civil (ABDConst). Secretária Adjunta da Comissão da Mulher Advogada e membro da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/PR. Diretora Jurídica do Instituto Política Por/De/Para Mulheres. Membro do IPRADE e da ABRADEP.
Mariana Lopes da Silva Bonfim
Advogada. Mestranda em Direitos Humanos e Políticas Públicas. Presidente da Comissão da Mulher Advogada da OAB/PR e Membra Consultora da Comissão Nacional da Mulher Advogada do Conselho Federal da OAB.