STJ e o cemitério de Sucupira
A hipótese sobre o STJ ser injusto necrotério de bem-sucedidas investigações é traída pelas evidências e não é preciso ir muito além para testá-la.
quarta-feira, 17 de março de 2021
Atualizado às 13:38
Na edição do último domingo, O Estado de São Paulo divulgou reportagem com a manchete "STJ consolida fama de 'cemitério de operações", assumindo que o Superior Tribunal de Justiça seria o coveiro dos esforços realizados por autoridades das instâncias ordinárias no combate à criminalidade. Amparando a tese, foram citadas as operações Castelo de Areia, Satiagraha e Boi Barrica, todas de 2011; a operação Suíça, de 2013, e a recente decisão tomada pela Quinta Turma no caso das Rachadinhas, supostamente envolvendo o primogênito do presidente da República, Flávio Bolsonaro, de fevereiro deste ano.
Não há notícia de que algum cemitério tenha feito algo contra seus mortos enquanto ainda vivos. Pode ser que a literatura nacional nos brinde com esse cenário fantástico algum dia. Por enquanto, cemitérios são destino, não causa mortis. Esse, contudo, não é o tom da reportagem.
A hipótese sobre o STJ ser injusto necrotério de bem-sucedidas investigações é traída pelas evidências e não é preciso ir muito além para testá-la. Basta ver que há um relevante intervalo de tempo entre os casos citados pela reportagem - 2011, 2013 e, então, 2021. Para justificar tamanho gap, é mencionado que o Tribunal esteve distante da opinião pública, o que seria um fator decisivo para a atividade funérea. Em contraponto, estaria o Supremo Tribunal Federal e o televisionamento em tempo real de suas sessões, o que pode ter lhe rendido maior dureza em julgamentos como o do Mensalão.
Mas o que teria ocorrido de tão exótico entre 2013 e 2021? Talvez o jornal tenha esquecido da outrora festejada Operação Lava Jato, iniciada em março de 2014, segundo aponta o próprio site do Ministério Público Federal. De acordo com a linha do tempo formada pelos highlights de atuação da já saudosa Força-Tarefa, esta sim recentemente desovada sem qualquer pompa fúnebre, o STJ teria mantido prisões estratégicas e dado andamento às investigações que seriam de sua competência. Rápida pesquisa sobre a referida Operação nas decisões do Superior Tribunal de Justiça permite verificar que, ao contrário de sepultureiro, o Tribunal agiu pela manutenção do que decidiam as instâncias ordinárias. Os exemplos são vários, em especial os habeas corpus denegados que acabaram favorecendo diversos acordos de colaboração de pessoas presas, de variadas participações - agentes públicos, políticos e empresários.
Sem precisar ingressar na defesa do papel desempenhado pelo STJ na jurisdição criminal, ignorar sua atuação no mais noticiado conjunto de investigações que este país já viu é, trocando em miúdos, a única forma de considerá-lo um cemitério de operações. De qualquer modo, uma pesquisa minimamente séria e com atenção para marcadores como a seletividade penal nos permitiria afirmar, por experiência, que se o Superior Tribunal de Justiça é de fato um cemitério, ele o é seguindo o modelo do cemitério da Sucupira de Dias Gomes, na peça O Bem-Amado: apesar dos esforços, não serve ao que lhe deveria incumbir. E em terra de populistas penais com ampla voz e posições de destaque, se essa falaciosa pecha de cemitério pegar, poderá o próprio Tribunal acabar, como o personagem Odorico Paraguaçu, sendo o primeiro a ser de fato enterrado.
Pedro Zanella Caús
Advogado do escritório Davi Tangerino e Salo de Carvalho Advogados. Mestre em Direito Penal pela UERJ.