As alterações no monitoramento dos maiores contribuintes válidas a partir de 2021
Falando da esfera federal, por meio dessa atuação, o resultado obtido pelo fisco na recuperação de créditos tributários atingiu o valor significativo de R$ 27,52 bilhões em 2018.
quarta-feira, 17 de março de 2021
Atualizado às 13:11
O monitoramento dos maiores contribuintes já é prática há alguns anos adotada pelos órgãos fiscais brasileiros. A medida busca otimizar a fiscalização do comportamento econômico-tributário do referido grupo, a partir de uma atuação assertiva, previamente à data do fato gerador. O objetivo é alcançar uma arrecadação mais correta, estimulando, principalmente, a autorregularização.
Falando da esfera federal, por meio dessa atuação, o resultado obtido pelo fisco na recuperação de créditos tributários atingiu o valor significativo de R$ 27,52 bilhões em 20181. A medida gera retornos financeiros crescentes desde 2014.2 Daí que, em épocas de estrangulamento fiscal, não é de se espantar que haja aprimoramentos na técnica citada.
O acompanhamento mais rigoroso desses "grandes contribuintes", como também são chamados, requer atenção do ponto de vista da proporcionalidade e da capacidade de pagamento de tributos3.
Para ilustrar a importância do tema, dentre vários exemplos, temos que a legislação tributária prevê multas relativas ao descumprimento de obrigações acessórias, como é o caso da não entrega da Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais (DCTF). Nessa hipótese, a multa pode ir de 2% por mês-calendário para até 20%, calculados sobre o montante de tributos informados na declaração (art. 7º da IN RFB 1.599/154 e art. 7º da lei 10.426/025).
O exemplo da Escrituração Contábil Fiscal (ECF) segue um caminho semelhante, pois a multa por sua não entrega pode chegar a 10% do lucro líquido antes do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), somado a 3% do valor omitido ou errôneo (art. 6º da IN RFB 1.422/136 e art. 8º-A, do decreto-lei 1.598/777).
Então, é razoável concluir que nem tudo o que aparentemente parece adequado para a grande maioria das empresas será necessariamente assim quando se tratar de uma situação concreta de um grande contribuinte, principalmente porque os exemplos de multas vistos acima se verificam, inclusive, quando os tributos propriamente ditos foram recolhidos.
Um olhar mais atento às regras para monitoramento dos maiores contribuintes mostra que, literalmente no início do ano, em 2 de janeiro de 2021, com a entrada em vigor da portaria 4.888, da Receita Federal do Brasil (RFB), as normas aplicáveis foram objeto de mudanças e ampliações.
Com a nova redação das regras, o instrumento para a realização do acompanhamento ficou mais detalhado, sendo realizado por meio do monitoramento dos rendimentos, das receitas e do patrimônio dos maiores contribuintes.
Além disso, continuam sendo utilizadas as demais previsões já contidas nas regras anteriores: monitoramento da arrecadação dos tributos administrados pela RFB, análise de setores e grupos econômicos e realização de gestão para tratamento prioritário das inconformidades.
As informações utilizadas na atividade permanecem passíveis de serem obtidas interna ou externamente à Receita Federal do Brasil. No contexto dos dados obtidos externamente, é possível a realização de reuniões com os próprios contribuintes. A novidade é que, agora, tal compromisso pode ser realizado de forma presencial ou virtual, além de poder ser individual ou coletivo.
A reunião de conformidade coletiva é indicada quando forem identificados procedimentos comuns a um grupo de empresas de um ou mais setores econômicos, ou, ainda, quando se tratar de grupo econômico ou de diversos contribuintes com semelhança econômico-tributária. Vale dizer que, em tais reuniões, não poderão ser abordadas informações individualizadas dos contribuintes sujeitas ao sigilo fiscal ou ao disposto na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
Dentre os procedimentos abarcados pela atividade de observação aos maiores contribuintes, está a verificação da regularidade do cumprimento das obrigações tributárias não só principais, como também acessórias.
Ainda, o monitoramento compreende a análise da mudança de comportamento do contribuinte após a aplicação das medidas de conformidade, gerando informação sobre a efetividade do programa.
Historicamente, além da atenção conferida às pessoas físicas, o Fisco também se ocupa das pessoas jurídicas enquadradas no conceito de grande arrecadação. Para tanto, dentre os critérios já existentes para tal enquadramento, acrescenta-se a participação da empresa no comércio exterior.
Conforme a portaria RFB 5.018, de 21 de dezembro de 2020, as pessoas jurídicas indicadas ao monitoramento diferenciado devem ter informado receita bruta anual maior ou igual a R$ 250 milhões ou declarado débitos cuja soma seja maior ou igual a R$ 30 milhões. Quanto ao comércio externo, as empresas devem ter registrado importações ou exportações maiores ou iguais a R$ 150 milhões.
A possibilidade ampla de utilização de outros critérios de interesse fiscal para inclusão de determinado contribuinte no monitoramento (até então apenas prevista para as pessoas jurídicas) ganha disposição, também, para as pessoas físicas.
A ampla redação confere, sobretudo, maior liberdade ao órgão fiscal, que poderá atuar ainda mais intensamente no estímulo ao pagamento de tributos por parte daqueles que são responsáveis por 60% da arrecadação total8.
Na relação dos grandes contribuintes com esse tipo de fiscalização em particular, do ponto de vista jurídico, devem ser tratadas com atenção as questões relativas à proporcionalidade e razoabilidade das medidas impostas. Isso porque os parâmetros gerais para a atividade arrecadatória (legalidade, capacidade contributiva e proibição ao confisco) continuam sendo plenamente aplicáveis.
O importante é não perder de vista que, por mais privilegiado que seja o tipo especial de fiscalização ou acompanhamento tributário, há uma proibição geral de que qualquer medida arrecadatória tenha efeitos de confisco (art. 150, IV, da Constituição). Isso se aplica às obrigações tributárias como um todo, sejam principais, acessórias ou até às sanções. E, por mais abstrata que seja a ideia de efeito confiscatório, essa proibição não deve deixar de ser aplicada, daí a importância de se observar cada situação concreta para melhor aplicação da regra9.
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1 Receita Federal do Brasil. Plano Anual da Fiscalização de 2019: quantidade, principais operações fiscais e valores esperados de recuperação de crédito tributário. Disponível clicando aqui. Acesso em 18 jan. 2021.
2 Receita Federal do Brasil. Plano Anual da Fiscalização de 2019: quantidade, principais operações fiscais e valores esperados de recuperação de crédito tributário. Disponível clicando aqui. Acesso em 18 jan. 2021.
3 LESSA, Donovan Mazza. A multa por atraso na entrega de declaração fiscal (DCTF) em face do princípio da proporcionalidade. Revista Dialética de Direito Tributário. Vol. 175. Abr. 2010, p. 35-43.
8 Receita Federal do Brasil. Plano Anual da Fiscalização de 2019: quantidade, principais operações fiscais e valores esperados de recuperação de crédito tributário. Disponível clicando aqui. Acesso em 18 jan. 2021.
9 "Se confisco é conceito indeterminado, nem por isso o Princípio ora examinado tem feição de princípio: apresenta uma regra. O intérprete/aplicador pode ter dificuldade em identificar uma situação de confisco; caracterizada esta, entretanto, o mandamento constitucional é claro, proibindo tal tributação." In: SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 356.
João Amadeus dos Santos
Advogado da Área Tributária do escritório Martorelli Advogados.
Maria Karolina Araújo
Colaboradora da Área Tributária do escritório Martorelli Advogados.