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Contratos agrários: Da incompletude à boa-fé

Foi tacitamente aceito pelo arrendatário, incidindo a figura da suppressio, em razão de que a situação persistiu por anos.

segunda-feira, 15 de março de 2021

Atualizado às 11:15

 (Imagem: Arte Migalhas.)

(Imagem: Arte Migalhas.)

O uso e a posse temporária da terra, através dos contratos de parceria e de arrendamento rural, é instituto jurídico dos mais importantes ao desenvolvimento do agronegócio, e a análise a partir do próprio direito não é capaz de explorar todos os nuances possíveis.

O uso e a posse temporária da terra se dão a partir de negócios de longo prazo, em um contexto necessariamente colaborativo, cujos instrumentos contratuais (contratos de parceria e contratos de arrendamento rural) são incapazes de prever todas as possibilidades que o futuro reserva.

A produtividade, essencial ao cumprimento sustentável de um contrato de arrendamento ou de um contrato de parceria, requer investimento e programação baseada na técnica e manutenção ao longo do tempo. Além disso, para que uma exploração agrícola seja produtiva, requer planejamento sobre todos os investimentos a serem realizados, tanto previamente quanto prolongadamente, que serão revertidos, ao longo dos anos, em rentabilidade. É na vigência do arrendamento ou, conforme o caso, da parceria, que esses investimentos trarão lucro. Por isso, costumeiramente, tanto os contratos de arrendamento quanto os contratos de parceria, são realizados por longo prazo.

Segundo Caminha e Lima1, os contratos de longa duração são teoricamente analisados sob a perspectiva de sua incompletude. A referência teórica é a Escola de Law And Economics. A partir dos desenvolvimentos do tema da incompletude contratual, esfumaçam-se os sentidos que partem do instrumento contratual, enquanto principal referência para o direito. Cateb e Gallo2 esclarecem que contratos completos seriam aqueles capazes de especificar todas as características físicas de uma transação, como, por exemplo, data, local, preço e quantidade para cada possibilidade de estado da natureza futuro. De fato, não há contrato que preveja todas as possibilidades e em uma sociedade que se torna cada vez mais complexa e contingente, revelam-se, muito mais presente, os contratos de longa duração.

Ronald Coase, a partir do Teorema dos Custos de Transação, principalmente com as obras A Natureza da Firma (1937) e O Problema do Custo Social (1960), foi o desbravador do tema dos contratos incompletos. Caminha e Lima3 explicam que Coase, analisando as organizações, concluiu que a ação empresarial, ou seja, a decisão administrativa, também dizia respeito aos custos de cada transação, devendo serem eles, em regra, os menores possíveis.

Em razão dos limites e dos custos das informações, principalmente nos contratos de longa duração, as decisões empresariais, ao contrário do que se espera, admitem a "alocação de riscos ex post". Os empresários tomam decisões com conhecimentos mais limitados do que de fato possível. Essa hipótese aponta a necessidade de um alto grau de cooperação entre os contratantes.4 Aí reside o ponto fulcral dos contratos destinados ao uso e à posse temporária da terra. Os contratos de arrendamento e parceria são permeados de renegociações durante sua execução, fato que muda o estatuto jurídico originalmente instrumentalizado.

Entre o instrumento contratual originalmente previsto e as novas situações contratuais de fato verificadas, as últimas passam a preponderar, segundo o princípio da boa-fé contratual.

Do princípio da boa-fé contratual surgiu o instituto da suppressio. A suppressio é um instrumento contra o comportamento desleal e contraditório durante a relação obrigacional, uma contradição gerada entre "[...] o não uso de um direito subjetivo ou de uma faculdade, durante certo tempo, em vista de uma relação negocial. Este não uso pode criar na contraparte - contra a qual poderia ter sido dirigido o direito subjetivo do credor da prestação - a confiança na estabilidade de situação. Assim, o seu exercício posterior, modificando a situação que estava estabilizada pelo tempo, provoca uma surpresa que abala o estado de confiança na situação criada".5

É importantíssimo entender que a suppressio não se sobrepõe à prescrição ou à decadência. Martins-Costa6 refere que a suppressio não esvazia de sentido a prescrição e a decadência. A figura da suppressio é de fácil constatação nos contratos de longo prazo, como aqueles utilizados no uso e na posse temporária da terra. Nos contratos de arrendamento e nos contratos de parceria, a diferença entre a suppressio, a prescrição e a decadência fica mais nítida. Ademais, o arrendamento e a parceria são constituídos por uma grande carga de obrigações anexas e laterais, já que as típicas obrigações principais (dar e fazer) se adequam melhor à hipótese prescricional.

A partir de alguns arestos, é possível entender como a suppressio opera nos contratos de arrendamento e nos contratos de parceria.

Na Apelação Cível 000752-02.2017.8.26.0311, do TJ/SP, julgou-se que o comportamento da ré, que efetuou pagamentos mensais ao longo de anos, deve preponderar em relação à literalidade do contrato, pela incidência da suppressio. No contrato, que era de arrendamento, estava previsto pagamento anual, mas, de fato, esse pagamento acontecia mensalmente e, a partir do momento que se deixou de pagar mensalmente o valor contratado, operou-se o inadimplemento. O arrendatário alegou que os pagamentos mensais eram meros adiantamentos, de modo que sua falta na~o poderia ser considerada inadimplemento. O Tribunal não aceitou a tese, sob o argumento da suppressio.

Por fim, na Apelação Cível Nº 1000402-26.2016.8.26.0383, também do Tribunal Paulista, relatou-se que o arrendatário intentou ação com o fim de compelir o arrendante a lhe devolver parte dos aluguéis, pagar multa contratual, reembolsar despesas e indenizar danos morais em razão de ter impedido o uso de um açude e de um depósito. Foi tacitamente aceito pelo arrendatário, incidindo a figura da suppressio, em razão de que a situação persistiu por anos.

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1- CAMINHA, Uinie; LIMA, Juliana Cardoso. Contrato Incompleto: Uma Perspectiva Entre Direito e Economia Para Contratos de Longo Termo. V. 10. Nº 1. P. 155-200. Revista Direito GV, 2014. p. 156/157.

2- CATEB, Alexandre Bueno; GALLO, José Alberto Albeny. Breves Considerações Sobre A Teoria Dos Contratos Incompletos. V. 1. Revista AMDE, 2009. p. 2.

3- CAMINHA, Uinie; LIMA, Juliana Cardoso. Contrato Incompleto: Uma Perspectiva Entre Direito e Economia Para Contratos de Longo Termo. V. 10. Nº 1. P. 155-200. Revista Direito GV, 2014. p. 159.

4- CAMINHA, Uinie; LIMA, Juliana Cardoso. Contrato Incompleto: Uma Perspectiva Entre Direito e Economia Para Contratos de Longo Termo. V. 10. Nº 1. P. 155-200. Revista Direito GV, 2014. p. 163/172.

5- MARTINS-COSTA, Judith. A Boa-Fé No Direito Privado: Critérios Para A Sua Aplicação. Ed. 2. São Paulo: Saraiva, 2018. p. 718.

6- MARTINS-COSTA, Judith. A Boa-Fé No Direito Privado: Critérios Para A Sua Aplicação. Ed. 2. São Paulo: Saraiva, 2018. p. 710.

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CAMINHA, Uinie; LIMA, Juliana Cardoso. Contrato Incompleto: Uma Perspectiva Entre Direito e Economia Para Contratos de Longo Termo. V. 10. Nº 1. P. 155-200. Revista Direito GV, 2014.

CATEB, Alexandre Bueno; GALLO, José Alberto Albeny. Breves Considerações Sobre A Teoria Dos Contratos Incompletos. V. 1. Revista AMDE, 2009.

MARTINS-COSTA, Judith. A Boa-Fé No Direito Privado: Critérios Para A Sua Aplicação. Ed. 2. São Paulo: Saraiva, 2018.

Arnaldo Rizzardo Filho

Arnaldo Rizzardo Filho

Advogado; Mestre em Direito Público pela UNISINOS; Especialista em Direito Tributário pelo IBET; Professor; Autor.

Débora Minuzzi

Débora Minuzzi

Advogada; Mestre em Direito pela PUCRS, Área de Concentração: Teoria Geral da Jurisdição e do Processo; Especialista em Direito Ambiental Nacional e Internacional pela UFRGS; Especialista em Processo Civil pela UFRGS; Membro da Comissão Nacional das Mulheres Agraristas da UBAU (CNMAU); Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP).

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