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O horário de almoço não é feito para cozinhar

Um ensaio sobre a prática do home office pelas mulheres.

quinta-feira, 11 de março de 2021

Atualizado às 12:36

 (Imagem: Arte Migalhas.)

(Imagem: Arte Migalhas.)

Após um ano de pandemia, com a prática do home office consolidada, os impactos nos mais diversos grupos são totalmente revelados; se por um lado ela alastrou a desigualdade social e ampliou a parcela de trabalhadores excluídos do mercado de trabalho, por outro também fortaleceu a desigualdade de gênero. A antes chamada "dupla jornada" para as mulheres, tornou-se uma única, já que o trabalho formal e tarefas domésticas passaram a dividir o mesmo espaço.

Há quem argumente que o trabalho remoto permita uma maior comodidade, garantindo um equilíbrio entre as práticas do trabalho remunerado e as atividades domésticas. Ocorre que, com a instauração da pandemia, essa modalidade de trabalho veio atrelada ao fechamento das creches, escolas e a ausência dos serviços habitualmente contratados, e das redes de apoio.

Com previsão legal no artigo 71 da CLT, o intervalo intrajornada é destinado a conceder um período para alimentação e descanso aos trabalhadores. Mas, o que antes era utilizado para sua real finalidade, com o home office tornou-se mais um momento de trabalho para as mulheres, que em sua maioria utilizam o tempo para preparar o almoço de toda a família. De acordo com uma pesquisa realizada com mil pessoas pelo IBOPE para Bepantol Babys, 84% afirmaram que é responsabilidade exclusiva da mãe alimentar e preparar as refeições.

Tirar a carne do congelador, fazer lista de compras, cozinhar, cuidar e acompanhar os filhos, recolher brinquedos da sala, dar banho nas crianças, manter uma rotina saudável, essas são algumas das infinitas atividades que a mulher divide durante a sua jornada laboral remota. A partir do acúmulo dessas atividades, é possível observar que o chamado "conflito trabalho- família" atingiu, durante a pandemia, uma vasta categoria de trabalhadoras, sejam elas mães ou não mães, que vivem sozinhas ou com seus companheiros, que além de lidar com o aumento do volume de trabalho remunerado, tiveram também que cuidar da casa e da família.

Abertamente apelidado de "caos office" por uma colega que se desculpava pela intromissão do filho durante uma reunião online, a prática do trabalho remoto escancarou a dura realidade de uma injusta divisão de tarefas domésticas, além de também contribuir para o entendimento histórico de que cabe às mulheres a maior responsabilidade pelos cuidados com a casa e com os filhos. Nesse contexto, fica óbvio afirmar que, em breve, parte dos ganhos obtidos nas últimas décadas em decorrência das lutas feministas, retroagirão, fato explícito pelos resultados de uma pesquisa realizada pela PNAD Contínua em maio de 2020, que evidenciou, na época, que a taxa de ocupação das mulheres no mercado de trabalho era equivalente à de 1990.

Paralelo aos avanços dos direitos das mulheres, houve também a criação da ideia de que a parentalidade seria igualitária entre as mães e pais, o que é uma falácia de acordo com a escritora e psicóloga americana Darcy Lockman, uma vez que os valores igualitários não se converteram em prática dentro de casa. De acordo com a pesquisa realizada pela Gênero e Número e pela Sempreviva Organização Feminista, mais de 70% das mulheres entrevistadas afirmam que aumentou (ou aumentou muito) a demanda de cuidado com a casa ou com outras pessoas durante a pandemia, enquanto 64% falaram que a divisão do trabalho neste momento não mudou nada em relação ao parceiro.

Sobre o trabalho remunerado, um estudo realizado com mais de 3,5 mil famílias em maio de 2020 pelo Institute for Fiscal Studies (Instituto de Pesquisas Econômicas) no Reino Unido revela que as mães conseguem se dedicar, em média, 1/3 das horas de trabalho remunerado ininterrupto dos pais, além de dividirem quase metade do tempo de expediente entre outras atividades, e ainda que elas estão 47% mais propensas que os pais a perderem o emprego ou deixarem o cargo.

A adoção da prática remota para a força de trabalho de forma homogênea, desconsiderando as particularidades de cada um, dentro das suas realidades individuais, bem como em seus arranjos familiares, intensifica, como dito anteriormente, a desigualdade entre os trabalhadores e trabalhadoras, de modo que colocou-se sobre os ombros das mulheres uma carga muito mais pesada. Como consequência disso, podemos observar mulheres exaustas, que não conseguem performar nas atividades do trabalho ou em casa, e precisam contar com a boa vontade da equipe nas entregas das demandas, dos chefes durante as avaliações, e dos professores no atraso da entrega das atividades dos filhos.

Essa armadilha na manutenção da divisão sexual do trabalho apenas corrobora para a privação da emancipação e da autonomia feminina. Esse contexto de desigualdade tende a minar a participação da mulher no mercado e esferas de poder, podendo ser vislumbrado um grande retrocesso, cuja magnitude será observada, no período pós pandemia, com grandes impactos nas comunidades e economias em geral, impactos estes que levarão outras muitas décadas para serem novamente revertidos.

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Parents, especially mothers, paying heavy price for lockdown - Disponível aqui.

Mercado de Trabalho conjuntura e análise - Disponível aqui.

Mulheres em home office durante a pandemia da covid-19 e as configurações do conflito trabalho-família - Disponível aqui.

Antecedentes e consequências dos conflitos entre trabalho e família - Disponível aqui.

Coronavírus mostra que trabalhar de casa com filhos não é um sonho - Disponível aqui.

Efeitos da pandemia nas mulheres trabalhadoras - Disponível aqui.

Bianca Helena dos Santos

Bianca Helena dos Santos

Graduanda em Direito pela Universidade Candido Mendes. Atuação como colaboradora no Jurídico Trabalhista.

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