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O depósito no cumprimento provisório de sentença

No cumprimento provisório há um interesse dúplice que une o credor e devedor. Ao credor, o interesse de garantir a solvência da execução. Ao devedor, o interesse de estancar o prejuízo caso o seu recurso pendente de julgamento, não venha ser provido, anos depois.

quinta-feira, 11 de março de 2021

Atualizado às 12:31

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

O cumprimento de sentença que reconhece a exigibilidade de obrigação de pagar quantia certa, comporta, no atual código, dois procedimentos regulados: o primeiro, de aspecto provisório, quando não há, portanto, definitividade da condenação e o segundo, de aspecto definitivo, quando se impõe a coisa julgada sobre a questão obrigacional. Obviamente os procedimentos se complementam naquilo que também não conflitarem com os efeitos decorrentes da definitividade do julgado. Assim, o art. 520, desde logo, esclarece que o cumprimento provisório de decisão impugnada por recurso desprovido de efeito suspensivo será realizado da mesma forma que o procedimento de cumprimento definitivo com algumas especificidades. A importância dessa especificação, é justamente para resguardar o direito do devedor de não sofrer uma situação irreversível frente ao recurso pendente de julgamento (que pode muito bem, reformar parcial ou totalmente a condenação sofrida).

Porém, se por um lado andou bem o código em fazer a separação dos procedimentos em capítulos diferentes para a hipótese de provisoriedade e definitividade da obrigação constituída no processo, por outro lado, a situação pode representar um empecilho quando o devedor, na execução provisória, realiza o depósito com intuito de livrar-se de qualquer efeito moratório. Daí a importância de se conceber a natureza do depósito judicial quando feito em sede de execução provisória.

Para que se chegue ao entendimento desta critica, é necessário relembrar que o cumprimento de sentença (na verdade melhor se referir ao termo decisão, uma vez que não é somente o ato sentença que pode se consubstanciar em título judicial de pagar quantia certa), exige do credor a sua iniciativa (tanto no âmbito provisório como no definitivo), a teor do art. 513 § 1º. O requerimento formulado pelo credor deve preencher os requisitos formais de instauração, que no cumprimento provisório englobam não somente aqueles que estão em dispositivo específico, art. 522, como também os requisitos para a certeza do crédito (afinal se ele não é líquido, não há de se falar em cumprimento mas sim em liquidação do julgado). Deve, pois acompanhar o cumprimento de sentença o demonstrativo de débito, na forma do art. 524. Faltando alguns desses elementos deve ser permitido a emenda para complementação das informações.

Ato contínuo ao requerimento, e novamente, tanto em strede provisória como definitiva, deve o executado ser intimado (em regra na pessoa do advogado constituído) para fins do art. 523. Aqui, é necessário fazer uma diferenciação que,  à primeira vista, o código não fez, porém, evidentemente essa diferença deve ser feita por questões lógicas e as suas consequências (ou efeitos) decorrem desta mesma lógica.

A intimação do executado no cumprimento definitivo é para pagar, sob pena de se fazer incidir multa e honorários de cumprimento de sentença (art. 523 § 1º). Porém, é importante ter em mente, que a intimação (mormente a sua finalidade) no cumprimento provisório, não pode ser interpretada de forma restrita para realizar o pagamento. Isto porque, o pagamento é forma extintiva de obrigação. E se o executado optou por recorrer da decisão condenatória, não pode ser compelido, neste momento (enquanto não transitado em julgado) ter que realizar ato de pagar (como forma de extinguir uma obrigação que ainda não é definitiva). Por outro lado, por óbvio, há um interesse legitimo, até decorrente de ausência de efeito suspensivo do seu recurso, que o credor não sofra com a morosidade, sendo o cumprimento provisório um instrumento apto a produzir a satisfação da tutela jurisdicional (art. 4º). Aliás, neste aspecto (apesar de criticável), o próprio código, em sede de cumprimento provisório, dispensa até mesmo a caução para levantamento de quantia pelo credor, quando pender o recurso de agravo em recurso especial.1 Fora essa situação legal, o interesse do credor, no entanto, não pode ignorar o fato de ainda pender recurso sobre a condenação e por isso a lei autoriza o levantamento mediante caução do credor, no intuito de não criar uma situação de irreversibilidade patrimonial, caso o devedor consiga, no seu recurso reverter a condenação. É interesse do devedor, por outro lado, estancar desde logo, eventuais consectários da obrigação (ainda mais se mantida a condenação no julgamento do recurso, anos após). Se o seu recurso for negado provimento, sofrerá com encargos do tempo.

Assim, no cumprimento provisório há um interesse dúplice que une o credor e devedor. Ao credor, o interesse de garantir a solvência da execução. Ao devedor, o interesse de estancar o prejuízo caso o seu recurso pendente de julgamento, não venha ser provido, anos depois. Neste aspecto, nasce o direito de depósito judicial em sede de cumprimento provisório. O § 3º do art. 520, coloca à disposição do devedor o depósito tempestivo integral, sendo que este ato não pode ser, por lei, considerado incompatível com o seu interesse manifestado pelo recurso. Ou seja, a função do depósito, neste ponto, não é de reconhecimento imediato da dívida, mas sim de pagamento sob condição de se manter a condenação. Por isso, não se pode interpretar que este depósito tem a função propriamente de pagamento. Ele não extingue a obrigação de forma imediata (mas sim sob condição). Ele, na verdade, cumpre uma função de pagamento, tão somente para não incidir o devedor em mora, caso o seu recurso pendente de julgamento não seja provido. Porém, a redação do artigo é incompleta e merece interpretação lógica e integrativa do sistema.

Primeiro, em relação a tempestividade do depósito. Ela deve ser considerada nos termos do art. 523 que estipula a intimação para pagamento no cumprimento definitivo, no prazo de 15 dias da intimação. Mutatis mutandis, a função que o pagamento possui no cumprimento definitivo (que é a voluntariedade do cumprimento da obrigação no prazo fixado em lei) é a mesma que cumpre o depósito no cumprimento provisório. Com o destaque que o depósito do cumprimento provisório, não faz reconhecer a definitividade da decisão condenatória, podendo o devedor continuar no processamento do seu recurso para tentar a reversão (e assim é, por determinação legal).

Segundo, em relação aos consectários devidos. No cumprimento definitivo, a não realização do pagamento, acarreta, de imediato, a incidência de multa e honorários (art. 523 § 1º). No cumprimento provisório, se estabelece (de forma específica) a possibilidade de incidência de multa e honorários (art. 520 § 2º). Porém,  é preciso atentar para a atitude tomada pelo devedor e para a lógica do sistema, antes de se afirmar que a multa e honorários incidirão em todas as hipóteses no cumprimento provisório. O que está previsto no § 1º do art. 523, é mecanismo de sanção e como tal só pode ser aplicado por um descumprimento. No caso da execução provisória, sequer temos uma condenação definitiva e se existe a possibilidade, por lei, do devedor realizar um depósito e isso não ser (por força de lei) incompatível com o seu ato de recorrer, não há razão para aplicação da sanção do § 1º do art. 523 em todas as hipóteses de cumprimento provisório (mormente quando  o depósito integral e tempestivo é realizado) Ora, se o depósito existe no cumprimento provisório como função de estancar o débito do devedor (se o seu recurso não foi provido) e se ele realiza este depósito tempestivamente (ou seja, nos 15 dias da intimação a que se refere o art. 523), não se pode aplicar ao devedor aquilo que é sanção para o cumprimento definitivo. E recorda-se que, por opção legal, o procedimento do cumprimento provisório segue a mesma linha de raciocínio do cumprimento definitivo2. Portanto, nos dois requerimentos o executado é intimado. Logicamente, dado a provisoriedade da condenação, a função da intimação assumirá papéis distintos.  

É de se lembrar, por fim, a questão ainda em aberto nos nossos tribunais, sobre a remuneração deste depósito judicial para libertação do devedor. Isto é, uma vez depositado judicialmente a quantia, em sede de cumprimento provisório, o quanto que de fato isso liberaria o devedor, tendo em vista o transcurso do tempo (atualização da dívida com juros e correção) até o julgamento do seu recurso pendente, e consequentemente, a liberação do valor para o credor. Em 2020, por uma questão de ordem no REsp 1.820.963, o STJ abriu a possibilidade de revisar o tema 6773, eis que a descrição da tese firmada em sede de julgamento de recurso repetitivo, gerou controvérsia na aplicação pelos tribunais (inclusive nas turmas do STJ), justamente sobre a responsabilidade pelos encargos moratórios enquanto não liberada a quantia para o credor4.

Como se vê são diretrizes procedimentais que, por óbvio impactam na estratégia de cada uma das partes.

_________

1 Claramente, o intuito de se dispensar a caução para levantamento (hipótese incluída pela lei 13.256/16) reside na pouca probabilidade de êxito no âmbito do agravo em recurso especial. Apesar até de se poder falar em probabilidade, penso que deveria se prestigiar a ausência de definitividade (de modo a exigir, mesmo neste caso) a caução, por uma questão de segurança jurídica.

2 O STJ, inclusive, já se manifestou pela inexigibilidade da sanção prevista no art. 523 § 1º, em sede de cumprimento definitivo, quando o devedor comparece e deposita a quantia nos quinze dias da intimação do cumprimento de sentença e não oferece impugnação. Neste caso o ato de depósito (sem a posterior resistência) importa em pagamento: RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL EM FASE DE CUMPRIMENTO DEFINITIVO DE SENTENÇA QUE RECONHECE A EXIGIBILIDADE DE OBRIGAÇÃO DE PAGAR QUANTIA CERTA. PAGAMENTO VOLUNTÁRIO. INCIDÊNCIA DE MULTA. CRITÉRIOS. INTEMPESTIVIDADE. RESISTÊNCIA MEDIANTE IMPUGNAÇÃO. DEPÓSITO INTEGRAL NO PRAZO DE 15 DIAS ÚTEIS SEM RESISTÊNCIA DA PARTE EXECUTADA. NÃO APLICAÇÃO DA MULTA 1. Ação ajuizada em 2/5/17. Recurso especial interposto em 28/5/18. Autos conclusos ao gabinete em 28/6/19. Julgamento: CPC/15. 2. O propósito recursal consiste em dizer da violação do art. 523, §1º, do CPC/15, acerca do critério de quando deve incidir, ou não, a multa de dez por cento sobre o débito, além de dez por cento de honorários advocatícios. 3. São dois os critérios a dizer da incidência da multa prevista no art. 523, §1º, do CPC, a intempestividade do pagamento ou a resistência manifestada na fase de cumprimento de sentença. 4. Considerando o caráter coercitivo da multa, a desestimular comportamentos exclusivamente baseados na protelação da satisfação do débito perseguido, não há de se admitir sua aplicação para o devedor que efetivamente faz o depósito integral da quantia dentro do prazo legal e não apresenta impugnação ao cumprimento de sentença. 5. Na hipótese dos autos, apesar de advertir sobre o pretendido efeito suspensivo e da garantia do juízo, é incontroverso que a executada realizou tempestivamente o depósito integral da quantia perseguida e não apresentou impugnação ao cumprimento de sentença, fato que revela, indene de dúvidas, que houve verdadeiro pagamento do débito, inclusive com o respectivo levantamento pela exequente.

Não incidência da multa prevista no art. 523, § 1º, do CPC e correta extinção do processo, na forma do art. 924, II, do CPC. 6. Recurso especial conhecido e não provido. (REsp 1.834.337/SP, rel. ministra Nancy Andrighi, 3ª turma, julgado em 3/12/19, DJe 5/12/19)

3 Tese firmada pela Segunda Seção no julgamento do REsp 1.348.640/SP, acórdão publicado no DJe de 21/5/14 que se propõe a revisar: Na fase de execução, o depósito judicial do montante (integral ou parcial) da condenação extingue a obrigação do devedor, nos limites da quantia depositada.

4 Na questão de ordem apresentada, se relata a verdadeira confusão entre as turmas do STJ sobre a liberação do devedor ou não pelos encargos moratórios: "Foi em tal contexto, portanto, que a e. 3ª turma, no julgamento do REsp 1.475.859/RJ, de relatoria do i. Min. João Otávio de Noronha, em agosto/2016, deu nova conformação à tese firmada no tema 677 dos recursos especiais repetitivos, fixando a orientação de que a obrigação da instituição financeira depositária pelo pagamento dos juros e correção monetária sobre o valor depositado convive com a obrigação do devedor de pagar os consectários próprios de sua mora, segundo previsto no título executivo, até que ocorra o efetivo pagamento da obrigação ao credor". (QO no REsp 1.820.963/SP, 7/10/20)

Scilio Faver

VIP Scilio Faver

Advogado e sócio do escritório Vieira de Castro, Mansur & Faver Advogados.

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