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Sobre a inconstitucionalidade do "toque de recolher" decretado pelo governador Ibaneis Rocha (DF).

Medida como a presente ofende o princípio da liberdade da pessoa humana e as prerrogativas constitucionais dirigidas a altas autoridades federais para decretação de medidas constitucionais excepcionais.

quarta-feira, 10 de março de 2021

Atualizado às 13:24

 (Imagem: Arte Migalhas.)

(Imagem: Arte Migalhas.)

Antes de adentrar ao mérito do presente artigo, estabeleço as bases normativas que asseguram minha liberdade (responsável e respeitosa) de expressar minhas opiniões e informações intelectuais e científicas, a saber:

1) "É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato" (art. 5º, inciso IV, da Constituição Federal);

2) "É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença" (art. 5º, inciso IX, da Constituição Federal);

3) "É livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer" (art. 5º, inciso XIII, da Constituição Federal); e

4) "O advogado que eventualmente participar de programa de televisão ou de rádio, de entrevista na imprensa, de reportagem televisionada ou veiculada por qualquer outro meio, para manifestação profissional, deve visar a objetivos exclusivamente ilustrativos, educacionais e instrutivos, sem propósito de promoção pessoal ou profissional, vedados pronunciamentos sobre métodos de trabalho usados por seus colegas de profissão" (art. 32 do Código de Ética e Disciplina da OAB).

Indo ao que interessa, e sempre em caráter contributivo com minha sociedade local (DF), no dia 8/3/2021 o governador do Distrito Federal (DF), Ibaneis Rocha, decretou "toque de recolher", a ser cumprido entre às 22h de um dia e às 5h do dia seguinte, medida projetada no tempo, por ora, até às 5h do dia 22/3/2021.

Não há dúvidas que o decreto 41.874/21, que levou a efeito tal medida extrema, absurda e abusiva, é flagrantemente inconstitucional, para não dizer inexistente. Vejamos, abaixo, algumas breves razões que amparam tal raciocínio:

Primeiro, porque medidas restritivas de circulação de pessoas são cabíveis, excepcionalmente, apenas no âmbito de estados de exceção constitucional, mais precisamente em caso de Estado de Sítio. Tal medida, à luz da Constituição Federal, é de atribuição da Presidência da República, com controle decisório do Congresso Nacional.

Segundo, porque a liberdade de trânsito/locomoção da pessoa humana é princípio que só pode ser restringido, como dito acima, em situações extremas (caso de guerra, p.ex., a atrair o Estado de Sítio), e também mediante a constatação da prática de crime (prisão em flagrante) ou mesmo de medida necessária à investigação penal ou higidez do processo penal acusatório (prisões cautelares: preventiva e temporária). Nesse caso, a prisão cautelar há de se dar mediante ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, conforme determina a Constituição Federal e o Código de Processo Penal.

Terceiro, atribuir às autoridades de segurança pública oficiantes no DF (PMDFCBMDF e DETRAN/DF) competências adicionais de fiscalização sobre o direito de ir e vir das pessoas, constrangendo-as, [i] cria novas atribuições a essas categorias, ao arrepio do artigo 144 da Constituição Federal, e [ii] proporciona indevida insurgência do Estado, em afronta ao caráter negativo dos direitos individuais fundamentais, ao campo da liberdade dos indivíduos.

Quarto, e o que é extremamente grave, piora de vez a concretização local, no DF, dos fundamentos da República brasileira "valores sociais do trabalho" e "valores sociais da livre iniciativa", disseminando o desequilíbrio econômico, social e laboral. Aliás, não é demais lembrar que, à luz da lei 8.080/90 (art. 2º, §1º - Lei do SUS), a saúde envolve também um conjunto de medidas e políticas econômicas, ou seja, não se pode dissociar tais elementos no campo prático. Em outras palavras, o "fecha tudo" ou o "recolha-se ao lar ao toque da autoridade pública" não são medidas equilibradas e, menos ainda, jurídicas em sentido estrito. Lembro que o Administrador Público faz apenas o que a lei, expressamente, o autoriza. Caso contrário, não há espaço de atuação (art. 37 da Constituição Federal).

Quinto, a despeito de demandar medida sanitária gravosa, como se verdadeiramente a preocupação local fosse apenas "salvar vidas", empreende o terror na população local, que acaba perdendo o norte da segurança na prática dos atos administrativos pelos governantes, que devem ser guiados, nesse sentido, pelo equilíbrio, razoabilidade e proporcionalidade, lembrando que a proteção da confiança na Administração se queda cada vez mais fustigada no caso, especialmente porque o governo local (DF) não consegue, a contento, empreender medidas concretas e equilibradas de sustentabilidade aos diversos direitos sociais fundamentais elencados no art. 6º da Constituição Federal, dentre eles, saúde da população local. É de uma irresponsabilidade dantesca sequer ver os governantes e grande mídia se pronunciarem a respeito da anunciada miséria nacional, que já se traduz como corolário indissociável da crise sanitária e política verificada.

Sexto, o decreto distrital 41.874/21, p.ex., viola a ampla liberdade de exercício da profissão de advogado (lei 8.906/94, art. 7º, inciso I), com ofensas graves à plenitude de atuação do causídico em território candango. Veja-se que estão autorizados a circular, dentro do período do toque de recolher, apenas "advogados em diligência de cumprimento de alvarás de soltura", tão somente nessa hipótese, quando se sabe que a advocacia é função essencial à Administração da Justiça (art. 133 da Constituição Federal), de ampla e diversificada atuação, e que nem em regimes mais drásticos, como naquele ocorrido de 1964 a 1985, teve suas prerrogativas sufocadas. Lembra-se, para o tópico em apreço, que a liberdade de ofício, profissão e trabalho está preconizada no art. 5º, inciso XIII, da Constituição Federal, e que a competência para legislar a respeito de restrições ao exercício profissional é privativa da União (art. 22, inciso XVI, da Constituição Federal), ou seja, o DF sequer possui competência normativo-constitucional para tanto, menos ainda o chefe de seu Poder Executivo.

Sétimo, e por último neste rol exemplificativo de atrocidades jurídicas, as centenas de decretos até agora editados pelo governador do DF, a partir de março de 2020, poderiam incorporar em seus "Considerandos" dados concretos que motivam e fundamentam os lockdowns sucessivos e, agora, o quase juridicamente inclassificável ato de "toque de recolher". Isso homenagearia os princípios administrativos da publicidade e transparência, trazendo mais conforto à população. Como veiculado em site, o papel dos governantes não é dar um "recado forte à sociedade", mas sim acolhê-la, tranquilizá-la e resolver seus problemas. Em suma, evitar atos surpresa.

A ver, portanto, especialmente diante do quadro jurídico hoje enfrentado pelo DF, até quando sobreviverá e resistirá o necessário e inafastável mapa de vida e sobrevida do povo brasileiro: a Constituição Federal de 1988. Rezo por dias melhores, especialmente pela preservação da verdadeira supremacia da Constituição Federal, que deve guiar e limitar atos de governantes e governados.

Alessandro Ajouz

Alessandro Ajouz

Advogado privado. Foi advogado da Apex-Brasil e do SESCOOP-Nacional.

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