Judiciário e 2021: Desafios para toda uma sociedade
O melhor dos mundos seria aquele em que todos nós pudéssemos concentrar esforços única e exclusivamente no combate a malfadada pandemia que assola nossa civilização. No entanto, todos os louváveis esforços dos governantes, continuará impondo ao Judiciário, e à toda a sociedade brasileira, desafios dantescos.
quarta-feira, 10 de março de 2021
Atualizado às 12:40
O ano de 2020 foi extremamente atípico e 2021, em que pese todos os louváveis esforços dos governantes, continuará impondo ao Judiciário, e à toda a sociedade brasileira, desafios dantescos.
Se fosse possível, o melhor dos mundos seria aquele em que todos nós pudéssemos concentrar esforços única e exclusivamente no combate a malfadada pandemia que assola nossa civilização. Infelizmente, o mundo não parou, mesmo com todos os percalços.
Na esfera judicial, a Corte Suprema prevê enfrentar temas ásperos e fundamentais.
Em relação ao meio ambiente digital, o direito ao esquecimento (RE 1.010.606) e o controle de dados por provedores de internet (ADC 51) serão analisados, devendo ser explorados e delimitados os contornos sobre a privacidade, bem como o controle sobre os dados, de modo que tais julgamentos servirão de norte para compreensão da direção que o STF irá tomar em vindouros julgamentos.
Sobre a inovação tecnológica, a Corte espera se debruçar sobre aspectos inerentes a propriedade intelectual, tais como a possibilidade de vigência indeterminada de patentes (ADIn 5.529) e as patentes pipeline (ADIn 4.234), além de temas relativos ao direito tributário, a exemplo da revisitação sobre a polêmica tributação sobre softwares (ADIn's 1.945 e 5.659), considerando-se que a tributação é um dos maiores gargalos para o avanço tecnológico.
Estão pautados, ainda, sensíveis sensíveis temas relativos a publicidade infantil (ADIn 5.631) e do direito a creche (RE 1.008.166). Sobre aquele, haverá um sério confronto entre a liberdade - tanto de empresas exibirem quanto de os pais aceitarem que os filhos acompanhem - e o poder estatal de se imiscuir na vida privada de empresas e pessoas. Sobre o segundo tema, mais uma vez ocorrerá o confronto entre a liberdade dos gestores de optar entre as possíveis políticas públicas em cotejo com a realidade dos recursos escassos e a legitimidade de o Judiciário avançar sobre área constitucionalmente designada ao Executivo.
Por seu turno, os desafios da persistente pandemia ainda serão um constante incomodo para a vida de todos nós.
Apenas a título de exemplo, o Governador do Estado do Pará, no dia 14 de janeiro, optou por editar decreto proibindo a entrada de pessoas, por via terrestre ou aquaviária, oriundas do Estado do Amazonas em face da 2ª onda que, aparentemente, está sendo agravada por uma nova cepa do vírus que assola a humanidade. Os problemas incidentes sobre o federalismo cooperativo nacional devem persistir. Não obstante, o governo paraense resolveu, deliberadamente, enviar cilindros de oxigênio para auxiliar na crise que se instalou na capital amazonense.
Além disso, houve um esforço do governo federal em redistribuir pelos hospitais federais os pacientes da cidade de Manaus. Operações delicadas, que geram desconfortos compreensíveis nas cidades que irão receber os pacientes.
Eventualmente, essa distribuição de pacientes pode ocasionar ações judiciais cuja finalidade seja impedir o recebimento de enfermos oriundos de área atingida por inovadora onda viral.
Entretanto, sempre bom lembrar que nossa Constituição Federal prevê que um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil é "construir uma sociedade livre, justa e solidária". O sempre pouco lembrado artigo 3º da Carta Magna deveria ser, em bem da verdade, o cerne de toda a vida social, por estabelecer objetivos não apenas para o setor público ou privado, mas para toda a República.
Nesse esteio, difícil vislumbrar exemplo maior de solidariedade, no âmbito federativo, que outras unidades da nossa federação recebendo pacientes oriundos do saturado sistema de saúde manauara. Não se deve esquecer, aliás, que eventuais responsabilidades pelo colapso sejam posteriormente apuradas e devidamente sancionadas. O que importa, agora, é salvar o máximo de quantidades de vida possível.
Outro aspecto fundamental é que a chegada da 2ª onda irá causar, de forma inconteste, impactos no campo da economia. Assim, certamente o Judiciário se defrontará, diversas vezes, sobre litígios apresentados por agentes econômicos, de forma absolutamente legítima, em face de eventuais restrições impostas pelo Poder Público. Não é tema simples, como alguns podem pensar, num primeiro momento. A economia também é essencial na vida humana. E, infelizmente, a capacidade do Estado de suportar e amortecer os nefastos efeitos econômicos da restrição da circulação de pessoas está se esvaindo.
O atual momento faz lembrar os eventuais riscos a democracia previstos por Cass Sustein: "Em muitas nações, cidadãos devem se posicionar diante de conflitos e discordâncias sobre as questões fundamentais. A existência de valores distintos parece ameaçar a possibilidade de uma ordem constitucional e de estabilidade social. As pessoas discordam sobre direitos, qualidade de vida, igualdade, liberdade, natureza e existência de Deus. Como decisões sobre matérias constitucionais podem ser possíveis nessas circunstâncias?"
Para mitigar tais cenários, de profunda cisão social, tal como se identifica no atual contexto pátrio, Sustein defende a utilização das decisões políticas teorizadas de modo incompleto - noção que aponta no sentido do minimalismo judicial e para que a esfera jurisdicional se abstenha de adentrar aos temas mais profundos, pontuais e alvos de controvérsia.
Assim, compreende-se que o Judiciário deve adotar postura minimalista, buscando respeitar, ao máximo, as decisões das autoridades públicas eleitas após o crivo democrático que, espera-se, sejam baseadas na ciência e no conhecimento e aprendizado auferido nos últimos 10 meses.
Por fim, importante ressaltar que a postura minimalista não significa se fechar em si mesmo. Fundamental o diálogo entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, bem como com as demais instituições de poder como Tribunal de Contas da União, Ministério Público Federal e Estaduais e, principalmente, com todas as entidades federativas, num modelo real de federalismo cooperativo, tal como previsto na nossa Constituição.