Dia internacional da mulher: comentários sobre a igualdade de gênero no Brasil
O presente artigo discute a efetivação da igualdade de gênero no brasil ao confrontar o arcabouço protetivo existente com os índices de desigualdades disponibilizados no portal do IBGE.
segunda-feira, 8 de março de 2021
Atualizado às 14:30
O Dia Internacional da Mulher comemorado no dia 8 de março, data oficialmente reconhecida pela ONU em 1975 com a finalidade de criar uma rede mundial de enfrentamento ao combate de todas as formas de desigualdades e discriminação de gênero, propõe profunda reflexão quanto as conquistas femininas efetivadas, bem como para questões que ainda precisam de enfrentamento.
Logo, o Dia Internacional da Mulher está longe de ser apenas uma data comercial com a tendência tão somente de presentear mulheres com flores, mas busca abrir o debate junto a sociedade quanto ao que ainda precisa ser enfrentado para efetivação da igualdade de gênero no país.
Isso porque a trajetória da mulher ao longo do tempo foi bem diferente da trajetória do homem, pois a mulher num primeiro momento não possuía quaisquer direitos, mas foi conquistando seu reconhecimento como sujeito de direitos e deveres ao longo da história.
No Brasil, a igualdade de gênero se conformou com a promulgação da Constituição de 1988, ao estabelecer que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, proibindo a diferença salarial, de exercício de função e de critério de contratação em virtude de sexo, estado civil, idade e cor1.
Além disso, o artigo 7º inciso XX, da Constituição Federal2, estabeleceu proteção ao trabalho da mulher por meio de incentivos específicos, consubstanciado em proibição de discriminação no ambiente de trabalho, bem como protegendo a maternidade nos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias (Artigo 10, inciso II, alínea "b")3.
Além disso, no âmbito internacional podemos citar a Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher, ratificada pelo Brasil por meio do decreto 4.377/02, assumindo o compromisso de (i) "modificar os padrões socioculturais de conduta de homens e mulheres, com vistas a alcançar a eliminação dos preconceitos baseados na ideia da inferioridade ou superioridade de qualquer dos sexos ou em funções estereotipadas de homens e mulheres e (ii) desenvolver medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher na vida política e pública do pais"4.
Mas, em verdade, mesmo com a existência do arcabouço protetivo mencionado, verificamos a continuidade do padrão de desigualdades e discriminação relacionada ao sexo feminino. Ou seja, ainda é latente as desigualdades entre homens e mulheres na sociedade brasileira.
Prova disto, é a recente pesquisa disponibilizada pelo IBGE, demonstrando que as mulheres ainda gastam mais tempo com o cuidado de pessoas e afazeres doméstico do que os homens, dedicando cerca de 21,4 horas em relação a 11 horas semanais dedicadas pelos homens5.
A pesquisa também apurou que as mulheres são maioria em ocupações por tempo parcial (até 30 horas semanais), sendo 29,6% em comparação com os homens que ocupam 15,6% dos postos de trabalho por tempo parcial6.
Outro fator interessante da pesquisa, mostra que a ocupação de mulheres entre 25 e 49 anos, vivendo com crianças de até 3 anos de idade era de 56,6%, já entre os homens a ocupação era de 89,2%. A questão racial também se coloca como um componente segregador entre as mulheres, na medida em que a mulher branca tem mais oportunidades no mercado de trabalho do que a mulher preta ou parda7.
Não bastasse, também foi observado na pesquisa que mesmo possuindo mais instrução em relação ao homem, a mulher ainda recebia 77,7% do rendimento dele, bem como ocupava cerca de 37,4% dos cargos gerenciais e menos da metade (cerca de 46,8%) das vagas de professores universitários no país.
Também alarmante a baixa adesão feminina nos cursos de graduação nas áreas ligadas as ciências exatas, conhecida como redutos masculinos8, sendo elas 13,3% dos alunos de Computação, Tecnologia da Informação e Comunicação.
No entanto, as mulheres são maioria, cerca de 88,3% nos chamados nichos femininos, ou seja, em áreas ligadas ao cuidado e bem-estar, que historicamente caracterizou o processo de construção de gênero a partir da concepção de divisão sexual do trabalho9, que, no entanto, nem mesmo os altos índices de escolaridade da mulher, inclusive, com a liberdade de escolha da profissão nos cursos de graduação tem afastado a tendência da busca por profissões ligadas ao cuidado10.
E esse comportamento, ao que parece, também reflete na participação das mulheres na política, pois a pesquisa aponta que há sub-representação feminina nesse espaço, situação que colocou o Brasil na 142ª posição em ranking sobre a participação feminina na política com dados de 190 países11.
Desse modo, conforme se denota, a realidade feminina demonstrada em números está longe da igualdade consignada na legislação brasileira, no intuito de eliminar as discriminações entre os gêneros na vida privada e pública.
Contudo, ainda se mostra curioso o fato de a mulher não ter se desprendido do ideal naturalista de divisão sexual do trabalho, tomando para si as responsabilidade do cuidado de pessoas e do lar, bem como em procurar por profissões ligadas a essas características. O que demonstra a urgência na mobilização da sociedade brasileira quanto ao debate aprofundado do tema por meio de capacitação e incentivos às mulheres como forma de reparação ao ideário patriarcal intrinsecamente ligado ao processo de construção de gênero e transmitido as gerações.
Portanto, não há dúvidas da importância do Dia Internacional da Mulher, para que possamos refletir e comemorar sobre o quanto já foi conquistado, mas com a percepção de que ainda há longo caminho a ser trilhado para ruptura de preconceitos e efetivação do respeito às pautas femininas, sem nos esquecermos que mudanças significativas no processo cultural de um país, só ocorrerão por meio de uma educação de qualidade no intuito de que as novas gerações entendam o significado do respeito as diversidades.
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1 Ribeiro. Alexandre Gonçalves. A evolução do Trabalho da Mulher e as Inovações Jurisprudenciais na proteção deste Direito Fundamental. D'Plácido editora. p: 91/05.
2 Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, 5 out. 1988. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 4 maio de 2021.
3 Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, Diário Oficial da União, Brasília, 5 out. 1988. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 4 maio de 2021.
4 Decreto nª 4.377/02. Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher. Disponível em: clique aqui. Acesso em 4 maio 2021.
5 IBGE. Estatística de gênero: ocupação das mulheres é menor em lares com crianças de até três anos. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 4 maio 2021.
6 Idem.
7 Ibidem.
8 O termo faz referência as profissões com maior participação masculina.
9 Bruschini. Maria Cristina Aranha. Trabalho e Gênero no Brasil nos últimos dez anos. 2007.p. 547 a 548. Disponível em: clique aqui. Acesso em 4 maio 2021.
10 Idem.
11 IBGE. Estatística de gênero: ocupação das mulheres é menor em lares com crianças de até três anos. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 4 maio 2021.
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