Leading cases e sobrestamento de processos judiciais: igualdade entre contribuintes?
O que é mais razoável? Prezar pela economia processual ou pela igualdade entre contribuintes?
quarta-feira, 3 de março de 2021
Atualizado em 4 de março de 2021 08:38
Tanto o Supremo Tribunal Federal ("STF") quanto o Superior Tribunal de Justiça ("STJ") possuem ferramentas previstas no Código de Processo Civil ("CPC") - a repercussão geral e o recurso repetitivo - que tem como objetivo proporcionar maior celeridade na prestação jurisdicional e garantir a uniformidade nos julgados.
Conforme preveem os artigos 1.035, § 5º e 1.036, caput e §1º do CPC, uma vez reconhecida matéria representativa de controvérsia diante da multiplicidade de recursos extraordinários ou especiais com fundamento em idêntica questão de direito, os autos serão remetidos ao STF ou STJ, a depender da constitucionalidade ou infraconstitucionalidade da matéria discutida.
Os recursos selecionados como representativos da controvérsia (os chamados "leading cases") serão afetados pela repercussão geral ou pelo recurso repetitivo, incorrendo muitas vezes na suspensão do trâmite dos processos pendentes que versem sobre a mesma matéria afetada. Por meio desses instrumentos, os Tribunal Superiores irão apreciar as teses jurídicas e questões objetivas debatidas nos leading cases e, uma vez deliberadas as matérias, os recursos representativos de controvérsias terão efeitos vinculantes aos demais processos.
Assim, é evidente que a repercussão geral e o recurso repetitivo são instrumentos muito importantes que integram um sistema lógico e racional de julgamento de demandas que discutem a mesma tese com o objetivo de reduzir a quantidade de processos a serem apreciados pelos Tribunais Superiores e evitar decisões contraditórias. Nesse contexto, o principal objetivo é a uniformidade e a economia processual já que, uma vez definidos e julgados os leading cases, os demais Juízes e Tribunais simplesmente replicam a jurisprudência firmada nos Tribunais Superiores nos processos que tratam de matéria análoga, evitando que casos idênticos sejam repetidamente analisados e eventualmente julgados de maneira divergente.
Esse procedimento foi adotado recentemente pelo STJ em matéria previdenciária. Em dezembro de 2020, o STJ confirmou a afetação da discussão acerca da aplicabilidade do limitador de 20 salários mínimos para fins de apuração da base de cálculo das contribuições destinadas às Terceiras Entidades ou Fundos, determinando expressamente a suspensão nacional de todos os processos que versem sobre a mesma matéria, até julgamento final a ser proferido nos autos dos recursos especiais 1.898.532/CE e 1.905.870/PR, submetidos à sistemática dos recursos repetitivos (Tema repetitivo 1.079).
Sobre o tema, vale mencionar que diversos contribuintes têm ajuizado nos últimos anos medidas judiciais visando ao reconhecimento de seu direito de aplicar a limitação de 20 salários contida no parágrafo único do artigo 4º da lei 6.950/81, por considerarem que a referida lei ainda está vigente e não foi revogada pelo artigo 3º do decreto-lei 2.318/86.
Essa discussão passou a ser constantemente debatida em todas as instâncias e em especial no âmbito dos Tribunais Regionais Federais, havendo disparidade na resolução da questão, razão pela qual a relatora ministra Regina Helena Costa propôs a afetação do recurso especial 1.898.532/CE, em conjunto com o recurso especial 1.905.870/PR, como recursos representativos de controvérsia e o sobrestamento dos demais processos que cuidam da tese.
Note-se que o sobrestamento de todos os processos similares encontra respaldo no § 5º do artigo 1.035 do CPC, que prevê a suspensão dos processos pendentes de forma ampla.
Porém, na prática, a questão do alcance da suspensão dos processos que discutem matéria afetada por repercussão geral ou recurso repetitivo, como é o caso do limitador de 20 salários mínimos, é conflituosa e enseja questionamentos na medida em que, a depender desse alcance, pode apresentar prós e contras.
Quanto ao sobrestamento em todas as instâncias, inclusive na primeira, é evidente que há benefícios, conforme se verifica nos próprios objetivos que ensejam a sua determinação e que já foram inclusive mencionados acima, tais como celeridade, eficiência, uniformidade na prestação jurisdicional, além da economia processual.
Apesar disso, a suspensão desde a fase inicial do processo poderá implicar tratamento desigual entre os contribuintes. Como ocorre com a tese da limitação da base de cálculo citada, há, de um lado, diversos contribuintes já amparados por decisões judiciais que garantem a referida limitação da incidência das contribuições em questão. Por outro lado, há empresas que ingressaram recentemente com medidas judiciais as quais, já em 1ª instância, foram logo sobrestadas. Nesse caso, alguns contribuintes não têm conseguido usufruir do mesmo direito que outros, impactando até em questões concorrenciais.
Assim, contribuintes com decisões judiciais vigentes que garantem a aplicação do limite dos 20 salários claramente tem uma vantagem, especialmente no atual contexto em que, em decorrência da pandemia relacionada ao coronavírus, muitas empresas encontram-se com recursos limitados para cumprir suas obrigações.
Vale observar que, apesar do CPC dispor em seu artigo 1.0371 que os recursos afetados deverão ser julgados no prazo máximo de 1 ano, há diversos casos em que os Tribunais Superiores ultrapassam esse prazo. O STF, por exemplo, demorou mais de 10 para julgar o primeiro leading case que discute a inconstitucionalidade das contribuições destinadas às Terceiras Entidades ou Fundos (Tema 325). Assim, o mesmo poderá vir a ocorrer com o julgamento do tema repetitivo 1.079, mantendo diversos casos sobrestados por anos.
Diante disso, o que é mais razoável? Prezar pela economia processual ou pela igualdade entre contribuintes? Esses são alguns dos questionamentos que surgem ao observar as questões levantadas acima. Vale acompanhar e torcer para uma rápida decisão do STJ que resolva, com urgência, o tema 1.079.
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1 Art. 1.037. Selecionados os recursos, o relator, no tribunal superior, constatando a presença do pressuposto do caput do art. 1.036 , proferirá decisão de afetação, na qual: (...)
§ 4º Os recursos afetados deverão ser julgados no prazo de 1 (um) ano e terão preferência sobre os demais feitos, ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus.
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*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.
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Mariana Monte Alegre de Paiva
Advogada do escritório Pinheiro Neto Advogados.
Naomi Sylvia Levy Goldenberg
Associada de Pinheiro Neto Advogados.