São Paulo, um Estado paralelo
O Estado de São Paulo é democraticamente dirigido por um governador eleito com 10,99 milhões de votos juntamente com 94 deputados também eleitos democraticamente ou por uma organização fascista que trai os princípios democráticos, denominada bucha - Burschenschaft paulista?
quarta-feira, 3 de março de 2021
Atualizado às 10:29
Para entender o significado do título deste texto será preciso voltar os olhos para o ano de 1932, quando ocorreu o levante do Estado de São Paulo contra a política de Vargas. Na ocasião, São Paulo dispunha de apenas 35 mil homens contra 100 mil soldados do governo federal, o que o levou a uma derrota fragorosa em apenas três meses.
Ajuda-nos a melhor entender os fatos ocorridos, o texto da jornalista Eliza Kobayashi: "O que foi a revolução constitucionalista de 1932?", de 7.3.2018, disponível em aqui. . Nessa pequena reportagem a autora contou com a participação de Alexandre Hecker, professor de História Contemporânea da Unesp e da Universidade Mackenzie, que explica, por sinal, que o termo "revolução" para se referir ao movimento constitucionalista não é muito adequado àquilo que se propunha fazer. "Na verdade, desejava-se a normatização da legislação e do processo eleitoral, e não uma mudança no sentido de alteração das relações de poder ou qualquer coisa que significasse uma limitação no processo de desenvolvimento capitalista". Disse ainda que, para alguns historiadores, o movimento é considerado, na verdade, conservador e antirrevolucionário. "Era uma elite derrotada que queria voltar ao poder e encontraram (sic) nesse movimento uma desculpa para isso".
Esse movimento, na verdade, escondia seu verdadeiro interesse e levou à morte cerca de 2.200 brasileiros de São Paulo, que foram utilizados como bucha de canhão pelos caprichos de uma elite hipócrita.
Quanto à formação dessa elite paulistana, importante relembrar que essa casta é composta por egressos da Faculdade de Direito da USP. A partir da chegada, em 1834, do alemão Johann Julius Gottfried Ludwig Frank, mais conhecido como Júlio Frank, foi implantada uma sociedade secreta denominada Bucha ou Burschenschaft Paulista.
Essa entidade possui contornos claros do fascismo, que, por sua vez, tem como dogma o Pacto da Comunhão dos Invisíveis, com o fim primordial de alimentar os sentimentos de fraternidade e autoajuda entre seus membros, e, ainda, exige o atendimento dessa finalidade como Lei, conforme revela o estatuto social e reminiscências que se encontram disponibilizados no site: http://www.arcadas.org.br/reminiscencias.php. A seguir são reproduzidos os dois primeiros artigos do estatuto: "(1º) A Burschenschaft Paulistana ou Communhão dos Invisiveis de São Paulo é constituida por estudantes da Faculdade de Direito de São Paulo e tem por fim proteger occultamente os seus collegas necessitados; (2º) A Communhão se acha sob a proteção do Muito Alto e Poderoso Sublime Apostolado, cujas ordens recebidas por meio de um Enviado - o "Primus Caput" ou quem suas vezes fizer - têm de ser estrictamente cumpridas pela Communhão". (sic)
Pois bem, com a redemocratização do país que ocorreu a partir da Constituição do Brasil de 1988, o Estado de São Paulo em sua constituição não reconheceu a nova Carta do Brasil, estabelecendo um estado paralelo com sensível redução das liberdades garantidas pela Constituição Cidadã e, ainda, fortalecendo os poderes dos órgãos dirigidos pelos membros da Bucha (Poder Judiciário, Ministério Público, Tribunal Estadual de Contas, Procuradoria-Geral do Estado e da Assembleia Legislativa - órgãos em que se encontram os egressos da Faculdade de Direito), comprovando que o movimento "constitucionalista", que foi explorado e vendido à sociedade paulista por essa elite, constitui-se em verdade num grande engodo, um conto da carochinha, história para inglês ver.
Como resultado do não recepcionamento da Constituição do Brasil, a elite jurídica paulista, por ocasião da elaboração da norma estadual, optou por afastar São Paulo do Brasil. Assim, como exemplo, pode-se citar a ampliação inconstitucional das competências do TCE-SP. Ao se referir às fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo poder público, isto é, instituídas por lei, na carta paulista, sutilmente, mas extremamente grave e de má-fé, foi introduzida a conjunção coordenativa "ou" ao invés da aditiva "e", como está no artigo 71, incisos II e III, da Constituição Federal.
Com esse nefasto "erro", o TCE-SP trouxe para o seu rol de jurisdicionados, centenas de fundações privadas que não integram a Administração Pública e, muitas delas, nem implantam projetos com recursos públicos, com o agravante de impor-lhes o regime público, criando dificuldades para posterior "colher" facilidades, estando cristalizado um círculo vicioso que vem causando o atraso da administração pública paulista, dificultando o relacionamento da Universidade-Empresa e gerando grande desperdício de recursos públicos.
Para ser fiel aos fatos, importante registrar que existe um verdadeiro "loteamento" das fundações privadas que são jurisdicionadas inconstitucionalmente ao TCE-SP, cabendo às grandes bancas de advogados patrocinarem a "defesa" dessas entidades e, manterem estreitíssimo relacionamento com os Conselheiros do TCE-SP, inclusive com a contratação de filho de conselheiro pelas referidas bancas.
Vale ainda relembrar que a CF estabelece no artigo 70, caput, que a fiscalização dos Tribunais de Contas, bem como o julgamento de contas, recai somente sobre os órgãos e entidades públicas da União, estados-membros, Distrito Federal e dos Municípios, sendo manifestamente inconstitucional qualquer lei que não obedeça ao sistema de controle externo estabelecido pela Carta federal.
Além da fiscalização não respeitar as competências constitucionais quanto à composição, o TCE-SP também deixa a desejar. Transcorridos mais de trinta anos da promulgação da Constituição Federal, não existe representante do Ministério Público de Contas dentre os sete conselheiros, como exige o artigo 72, § 2º, inciso I, da referida norma.
Outra irregularidade com que se convive no Estado é a ausência de concurso público para admissão de procuradores jurídicos das universidades e fundações públicas, afrontando o artigo 37, inciso II, da Carta Federal, cabendo destacar que somente a Universidade de São Paulo (USP) já realizou concurso público para essa função, muito embora ainda mantenha procuradores admitidos em comissão ou em cargo de confiança.
Comprovando o estado paralelo e provendo o estado de insegurança jurídica, o Tribunal de Justiça paulista, como exteriorizado por ministros do STJ em várias reportagens publicadas pela imprensa, não respeita as decisões daquela Corte Superior e nem do STF. Por consequência, não respeita também a CF, inclusive quanto à submissão ao teto remuneratório dos agentes públicos. Com efeito, esses fatos nos autorizam a afirmar que se convive em São Paulo no regime de uma ditadura técnica com o intuito claro de atender apenas às necessidades dos poucos que são seus protagonistas e que ocupam posições na cúpula jurídica do estado: TJSP, MPSP e TCE-SP, onde nenhum órgão julga matéria em face de outro.
Como se não bastassem os erros que já estão presentes na Constituição de São Paulo, ainda tramita na Assembleia Legislativa a PEC 19/19, que, se aprovada, distanciará ainda mais o estado paulista do resto do Brasil e, imporá um controle ainda mais exacerbado sobre as universidades públicas e as fundações de apoio.
De autoria do Deputado Wellington Moura e outros, a PEC já recebeu o parecer favorável da relatora da Comissão de Constituição, Justiça e Redação, Deputada Marta Costa (PSD), que também é servidora do TCE-SP. Além de contrariar o Artigo 75 da Constituição Federal, a PEC 19/2019 possui flagrante vício de iniciativa uma vez que projetos de leis relativos à organização e ao funcionamento devem ser elaborados pelos próprios tribunais de contas. Está-se diante de uma inconstitucionalidade formal, com violação às prerrogativas da autonomia e do autogoverno, pois se trata de matéria afeta a leis de iniciativa privativa das próprias cortes de contas, conforme jurisprudência do STF.
Cabe neste momento um alerta ao governador João Doria, que possui maioria de votos da ALESP. A PEC, para ser aprovada, deverá passar por dois turnos de votação e receber 3/5 dos votos favoráveis em cada um. Assim sendo, para ser aprovada a PEC 19/2019 inexoravelmente terá de receber o voto favorável de 57 deputados, o que inclui membros do partido político do governador, PSDB, e os da base de apoio.
Diante desses fatos, não há como não concluir que São Paulo constitui-se num estado paralelo ao Brasil, onde não se respeita da Constituição do país, ferindo de morte o princípio do pacto federativo.
Importante relembrar que o Brasil constitui-se numa República Federativa formada pela união indissolúvel dos Estados e municípios e do Distrito Federal, constituindo-se em Estado Democrático de Direito, ancorado no pacto federativo que se encontra materializado na Constituição de 1988.
Com efeito, esse modelo de governo não dota os estados de soberania.
Os estados desfrutam da autonomia que é concedida diretamente pela CF, sendo vedado o direito de secessão em face da federação. Entretanto, o que vem ocorrendo no Estado de São Paulo é a implantação de um estado paralelo, com claro desrespeito ao disposto no artigo 25, § 1º e no artigo 75, da Constituição da República de 1988. Esses dispositivos legais impedem o estado de legislar sobre matéria afeta ao Tribunal de Contas e, por outro lado, exige a submissão compulsória ao modelo federal de fiscalização.
A desconsideração desses preceitos constitucionais indica claramente a intenção de não se harmonizar com a Constituição do Brasil, revelando a intenção sub-reptícia de secessão em face da federação brasileira.
É sabido que na hipótese de a entidade federativa insistir na secessão, a União deve intervir para preservar a integridade nacional, à luz do art. 34, incisos I, VI e VII, alínea "a", ambos da Constituição da República Federativa do Brasil. Não obstante, existam afrontas à Lei de Segurança Nacional - lei 7.170/83, que considera crime quem lesa ou expõe a perigo de lesão a integridade territorial e a soberania nacional e o regime representativo e democrático, a Federação e o Estado de Direito.
É exatamente esta a realidade que se encontra implantada no Estado de São Paulo, onde a Constituição Federal não foi recepcionada; o TJ não respeita as decisões do STF e nem do STJ, e, consequentemente, não se respeita também a CF. Caminham na mesma toada o Ministério Público e o TCE-SP. Cabe, frente a todas essas colocações, uma pergunta final: o estado de São Paulo é democraticamente dirigido por um governador eleito com 10,99 milhões de votos juntamente com 94 deputados também eleitos democraticamente ou por uma organização fascista que trai os princípios democráticos, denominada bucha - Burschenschaft paulista?