Crise, oportunidade e liderança feminina
A liderança feminina - das profissionais do Direito, em particular - merece atenção na política e na economia.
quarta-feira, 3 de março de 2021
Atualizado às 09:20
A pandemia do covid-19 colocou o mundo globalizado diante de uma crise em larga escala: econômica, política, sanitária, humanitária, moral, familiar e existencial.
A crise trouxe a empatia como palavra da moda. Muitas pessoas acreditam que a pandemia fará o ser humano ser mais sensível aos problemas e aflições dos demais indivíduos. A evidência histórica não justifica essa crença. Os que sobreviveram à Primeira Guerra Mundial, à gripe espanhola, ainda assim, vivenciaram as atrocidades da Segunda Guerra Mundial. Todavia, não parece impossível o homo sapiens passar a se relacionar de forma diferente entre si e, talvez, com o mundo.
A forma de convivência familiar será repensada pois a experiência do confinamento acabou com a ilusão de que o aumento do tempo de convívio com a família é o caminho certo da felicidade. O ser humano compreendeu que o desafio de ser feliz é tarefa mais árdua do que se imaginava e não se resolve sem esforço diário.
As relações de trabalho nunca mais serão as mesmas, afinal, a necessidade fez a espécie humana adotar o trabalho remoto, diante da falta de alternativas, em razão do distanciamento social mostrar-se a única forma de conter o avanço da pandemia. As preocupações iniciais começam a dar espaço à conveniência dessa mudança, posto que não há razão para que as empresas mantenham custos fixos tão elevados com aluguel de escritórios e manutenção de ambientes corporativos para acomodar pessoas, se elas podem trabalhar e produzir das suas casas ou de qualquer outro lugar. O trabalho à distância possibilita a inserção de muitas pessoas no mercado, sobretudo mulheres que não conseguiam, ou queriam, se adequar às longas jornadas de trabalho longe de suas casas, filhos e atividades domésticas. Isso não significa que após a pandemia nós passaremos a trabalhar remoto de forma definitiva, apenas indica que relações hibridas serão toleradas como uma conquista para empregadores e empregados, em especial, para as mulheres.
As crises sejam em escala global, regional ou pessoal são sempre dolorosas, mas precisam ser encaradas como oportunidades para se fazerem ajustes de rumo que muitas vezes são necessários e não conseguimos realizar a contento. A etimologia da palavra crise se refere à capacidade de discernir em um cenário de mudanças profundas daí a associação entre crise e oportunidade. Winston Churchill já dizia que nunca devemos desperdiçar uma boa crise.
As graves consequências da pandemia trouxeram para superfície a habilidade feminina para liderar, exatamente, em momentos de crise. Muito já se falou sobre como países comandados por mulheres tiveram resultados melhores no período duro do covid-19. Mulheres são mais dispostas a sacrificar a produtividade quando há outros valores humanos envolvidos. Mulheres são, em regra, mais propensas a realizar multitarefas.
Ora, se as crises exigem avaliar cenários, definir prioridades, escolher os sacrifícios que serão feitos e pavimentar novos caminhos, o julgamento e o senso de preservação femininos apresentam-se ferramentas úteis para satisfação de tais objetivos em diversos ramos de atuação profissional.
Vejamos, por exemplo, como as operadoras do Direito lidam com crises no seu dia a dia. Elas assumem a defesa e as angústias de seus clientes de forma intensa para exigir prestação jurisdicional rápida, isenta e eficaz quando nem sempre isso está disponível. Mulheres não se envergonham ou se intimidam de pedir, nem de exigir Justiça.
Todas temos em mente, e.g., a importância da advogada Gareth Peirce, dentre outras razões, pela famosa defesa dos jovens rebeldes irlandeses acusados de um atentado cuja história popularizou-se graças ao papel de Ema Thompson no filme Em nome do pai (1993). É inegável, sobretudo em casos de grande repercussão nos quais a publicidade opressiva transforma as pessoas em personagens e os julgamentos técnicos em jogos políticos, como as mulheres quebram as expectativas ao defenderem com coragem seus pontos de vista, em prol dos direitos individuais.
Isso acontece porque as crises exigem acolhimento e ação. Atenção aos envolvidos no drama humano e conduta ativa para que os entraves administrativos e judiciais não se percam em procedimentos sem fim, sem olhos aos direitos dos que padecem com a acusação injusta, com a violência, com o prejuízo material ou moral.
A liderança feminina - das profissionais do Direito, em particular - merece atenção na política e na economia. Nestes tempos difíceis, essa perspectiva da mulher pode ser muito bem traduzida na fala de Margareth Thatcher, ao se tornar Primeira-Ministra do Reino Unido em 1979, quando parafraseou o que se atribui a São Francisco de Assis: "Onde houver discórdia, que eu leve a união; Onde houver dúvida, que eu leve a fé; Onde houver erro, que eu leve a verdade; Onde houver desespero, que eu leve a esperança".