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Vetos à reforma da lei de falências

O objetivo desse artigo é comentar os vetos aos art. 6º-B e 50-A, II.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

Atualizado às 10:22

 (Imagem: Arte Migalhas.)

(Imagem: Arte Migalhas.)

No dia 24 de dezembro de 2020 foi publicada em edição extra do DOU a lei 14.112/20, que alterou a lei 11.101/05, que regula a recuperação judicial, extrajudicial e a falência. Das alterações aprovadas pelo Congresso Nacional, após amplo debate, inclusive com representantes da Procuradoria da Fazenda Nacional (PGFN), seis foram vetadas, algumas por razões de conveniência e oportunidade e outras por supostos vícios de inconstitucionalidade, conforme mensagem 752/20 do chefe do poder executivo da União.

O objetivo desse artigo é comentar os vetos aos art. 6º-B e 50-A, II, que permitiam a compensação integral do ganho de capital auferido na alienação de bens - na recuperação judicial ou na falência - e que os descontos sobre a dívida previstos no plano de recuperação judicial fossem integralmente compensados com prejuízo fiscal acumulado e bases negativas da CSLL, sem a trava de 30% prevista na lei 8.981/05.

As regras vetadas foram inspiradas em leis de países que de longa data têm influenciado o direito brasileiro. Em Portugal, o Código de Insolvência e Recuperação de Empresa de Portugal, com a nova redação dada pela lei 114/17, isenta de impostos sobre rendimentos o os ganhos decorrentes da venda de bens e direitos em processo de insolvência. Nos Estados Unidos o art. 108 (a) (1) (A) IRC do estabelece que os ganhos com desconto sobre a dívida do devedor insolvente devem ser excluídos do cálculo do Imposto sobre a Renda Corporativa, mas o benefício deve ser devolvido em razão da apuração de futuros lucros.

As legislações portuguesa e americana são exemplos de que o ordenamento jurídico deve se preocupar com aspectos tributários da empresa em recuperação judicial. E não poderia ser diferente porque o objetivo do instituto é a preservação da empresa, como fonte produtora de emprego e renda, contribuindo assim, para o desenvolvimento do país.

A solução do legislador nos dispositivos vetados levou em conta as peculiaridades da legislação brasileira, ao permitir a utilização integral de crédito escritural que a pessoa jurídica passou a acumular a partir da instituição da trava de 30% para utilização de prejuízo fiscal de exercícios anteriores na apuração da base de cálculo do IRPJ e da CSLL.

A mensagem do presidente da república, com base em manifestação do Ministério da Economia, fundamentou os vetos em violação do princípio da isonomia tributária e, além disso, considerou que acarretariam renúncia de receita sem previsão concomitante de medida de compensação, estando também desacompanhadas de estimativa de impacto financeiro e orçamentário, em violação ao art. 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitória (ACDCT) e ao art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

 O argumento da isonomia, com todo o respeito, não procede porque não se pode comparar empresas que tiveram os seus pedidos de processamento de recuperação judicial devida e fundamentadamente atendidos pelo Poder Judiciário, com empresas saudáveis, que não se submetem ao pesado jugo das obrigações impostas às primeiras. As normas que conferem tratamento fiscal específico ao contribuinte que se encontra em situação de extrema dificuldade econômica e financeira, como é necessariamente o caso da empresa em recuperação judicial, não podem ser, em hipótese alguma, consideradas anti isonômicas.

Quanto às exigências do art. 113 do ADCT e do art. 14 da LRF, cremos que o fundamento também não procede, porque ao permitirem a antecipação do uso de estoques de prejuízos fiscais acumulados para fins de compensação dos ganhos obtidos com a alienação judicial de ativos e com a redução dos créditos submetidos ao plano de recuperação judicial, os dispositivos em questão apenas antecipam o exercício de um direito de crédito imprescritível detido pelo contribuinte e, com isso, postergam o pagamento do IRPJ e da CSLL, não se tratando propriamente de renúncia de receita.

Outro não parece ter sido o entendimento do próprio governo federal a nova redação do art. 10-A da lei 10.522/02, que regula o parcelamento para empresa em recuperação judicial, o qual inovou ao permitir a utilização de estoques de prejuízos fiscais para compensar até 30% da dívida consolidada relativa a débitos administrados pela Receita Federal.

Ademais, não se pode perder de vista a inviabilidade prática de se elaborar uma estimativa minimamente consistente dos impactos financeiros e orçamentários dos dispositivos vetados. Isso foi reconhecido pelo Procurador da Fazenda Nacional Filipe Aguiar Barros, em evento promovido pelo Ministério da Economia, em 28/12/20, ocasião em que a relevância da proposta foi admitida pelo Secretário Especial de Fazenda, Waldery Rodrigues (Disponível aqui).

A observância do art. 14 da LRF é indispensável para a gestão fiscal responsável e garantia do equilíbrio das contas públicas. Mas tal regra não pode ser invocada casuisticamente e mesmo quando sua aplicabilidade for questionável ou inexequível, para impedir a introdução de norma razoável e que possui um relevante papel a desempenhar no conjunto de esforços voltados à superação da crise econômica que assola o país há anos, substancialmente agravada pela pandemia causada pelo coronavírus.

Assim, cabe ao Congresso Nacional corrigir o equívoco, com a derrubada dos vetos aos art. 50-A e 6º-B da proposta aprovada pelo Poder Legislativo, fazendo valer a posição manifestada pela ampla maioria dos deputados e senadores.


Antônio Reinaldo Rabelo Filho

Antônio Reinaldo Rabelo Filho

Diretor jurídico da Oi.

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