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Como se manifesta a vontade política do governo nas sociedades de economia mista?

Nesta pequena exposição, o autor se propõe a explicar como se dá a indicação de dirigentes nas estatais.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

Atualizado em 26 de fevereiro de 2021 13:41

Na última semana, muito se falou sobre uma intervenção do Chefe do Poder Executivo de um ente federativo numa estatal com natureza de sociedade de economia mista, cuja maior parte das ações pertencem ao referido ente federativo. Nesta pequena exposição, proponho-me a explicar que, do ponto de vista societário, o Chefe do Poder Executivo tem o poder da indicação dos dirigentes de empresa estatais.

O art. 4º da lei 13.303/16 define a sociedade de economia mista como a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com criação autorizada por lei, sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertençam em sua maioria à União, aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios ou a entidade da administração indireta.

A representação societária do Estado se dá por meio do Tesouro, portanto, pelos Procuradores da Fazenda do respectivo ente federativo. Na prática, quem outorga a tarefa de representação do Tesouro é o Procurador-Geral da Fazenda, que é escolhido pelo Chefe de Governo.

As Sociedades Anônimas, forma na qual, segundo a lei, uma sociedade de economia mista deve se organizar, são compostas de órgãos sociais, com diferentes funções e hierarquias.

O órgão máximo de uma Sociedade Anônima é a Assembleia Geral, que nada mais é do que o colegiado de acionistas que detém ações da empresa. Esse órgão elege a maior parte do Conselho de Administração, que também tem participação de um representante dos empregados. Diga-se de passagem, os acionistas minoritários também tem cadeira no Conselho. Então, esse Conselho de Administração elege a diretoria, além do Conselho Fiscal e de Auditoria.

Evidente que os executivos têm autonomia para deliberar em suas funções conforme seus convencimentos, dentro das competências que lhe são conferidas pela lei e pelo Estatuto Social da empresa. Mas não há como se afastar o fato do chefe do poder executivo - sendo este a autoridade máxima do Poder Executivo de um ente federativo que detenha a maior parte das ações da empresa - possa destituir os dirigentes que não lhe agradem, seja diretamente pela convocação de Assembleia para destituição de membros do Conselho de Administração, seja indiretamente, dando-se ordem aos seus representados no colegiado para destituir um ou mais membros da diretoria, do Conselho Fiscal ou do Conselho de Auditoria. E, evidentemente, pode-se presumir que se um conselheiro indicado pelo governo descumprir uma ordem do chefe do executivo (insubordinação societária), a consequência será a sua própria destituição, e conseguinte substituição por outro executivo que esteja mais alinhado com as ideias do governo atual.

De modo que embora na lei, o Diretor-Presidente de uma estatal não seja escolhido pelo chefe do Poder Executivo, senão pelo voto da maioria dos membros do Conselho de Administração da empresa, na prática, contudo, por deter a maior parte das ações da empresa e, por conseguinte, deter a maior participação no Conselho de Administração da sociedade, a escolha acaba sendo feita por indicação do Chefe do Poder Executivo.

Por fim, deve-se registrar que o único obstáculo para eleição de um dirigente para uma estatal é a (in)existência dos requisitos mínimos legais para o exercício ao cargo indicado, que constam na lei e no Estatuto Social da empresa, cuja análise é realizada por um comitê de conformidade denominado usualmente Comitê de Elegibilidade, que funciona assistindo ao Conselho de Administração nessa tarefa.

Assim sendo, conclui-se que a vontade política do governo norteia os rumos da sociedade de economia mista através da escolha dos nos cargos diretivos das estatais, não fazendo qualquer sentido denominar como interferência no comando de uma estatal a indicação política de novos dirigentes, considerando que há uma cadeia de indicações que convergem para a figura do chefe do executivo; ou seja, em outras palavras, os dirigentes da sociedade de economia mista não detém autonomia executiva de fato, submetendo-se aos interesses do governo que os indicou, considerando a forma do desenho societário do sistema jurídico vigente.

Disclaimer: Atenção, este não é artigo político. Trata-se de um artigo de Direito Societário abordando, tão somente, aspectos legais.

 

Marcus Vinicius de Menezes Reis

Marcus Vinicius de Menezes Reis

Advogado, formado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Pós-graduado em Direito Processual Civil pela Universidade Cândido Mendes.

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